Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 140/2021
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 279/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a vedação da nomeação para cargos em comissão na Administração Pública Municipal de pessoas condenadas por crime sexual contra criança ou adolescente"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei do Legislativo nº 140/2021, apresentado pelo Vereador Marcos SJ (DEM), o qual “Dispõe sobre a vedação da nomeação para cargos em comissão na Administração Pública Municipal de pessoas condenadas por crime sexual contra criança ou adolescente”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 140/2021 encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, observada a sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a matéria trata de assunto inserto na senda da organização político-administrativa municipal, inserido, pois, no espaço de competência dos Municípios (CF, art. 30) - RE 570.392, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe 18.02.2015, Tema 29 da Repercussão Geral.

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, leis com a mesma matéria de fundo já foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal e foram consideradas constitucionais por concretizarem o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF/88).

Essa particular matéria referente a normas coerentes com os princípios do artigo 37 da Constituição Federal, como referimos, já foi levada a julgamento em ações diretas de inconstitucionalidade, cujo questionamento versou, exatamente, sobre a existência de vício formal de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo) na instituição de ato normativo que dá concretude ao princípio da moralidade na administração pública, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, no sentido de que:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 570.392 RIO GRANDE DO SUL. RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA. 11/12/2014. PLENÁRIO. Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. LEI PROIBITIVA DE NEPOTISMO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA LEGISLATIVA: INEXISTÊNCIA. NORMA COERENTE COM OS PRINCÍPIOS DO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. O Procurador-Geral do Estado dispõe de legitimidade para interpor recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça proferido em representação de inconstitucionalidade (art. 125, § 2º, da Constituição da República) em defesa de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em simetria a mesma competência atribuída ao AdvogadoGeral da União (art. 103, § 3º, da Constituição da República). Teoria dos poderes implícitos. 2. Não é privativa do Chefe do Poder Executivo a competência para a iniciativa legislativa de lei sobre nepotismo na Administração Pública: leis com esse conteúdo normativo dão concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade do art. 37, caput, da Constituição da República, que, ademais, têm aplicabilidade imediata, ou seja, independente de lei. Precedentes. Súmula Vinculante n. 13. 3. Recurso extraordinário provido.

...não se está atuando legislativamente no sentido de regular a criação, alteração e extinção de cargo, função ou emprego do Poder Executivo e autarquia do município ou no que diz com a organização administrativa dos servidores ou seu regime jurídico mas, significa o estabelecimento de um princípio da moralidade administrativa, bem como de impessoalidade na gestão pública, que devem pautar a atuação dos Poderes Públicos.

(...)

... não há que se trazer à colação o tema da iniciativa do Prefeito Municipal no que concerne à organização e regência dos serviços no âmbito local, quando se está diante de regra que visa estabelecer parâmetros éticos para a contratação de pessoal no âmbito da Administração Pública, conteúdos já insertos no ordenamento pátrio, quando lidos pela perspectiva constitucional, a partir dos princípios que pautam a ação administrativa do Estado em todos os seus níveis.”[1]

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou constitucional a Lei Municipal nº 3.872/2006, do Município de Alegrete-RS, por exemplo, bem como mais diplomas de iniciativa parlamentar, que dispuseram sobre a proibição da prática do nepotismo no âmbito da Administração Pública local. Importante trazer à tona as ementas dos referidos acórdãos, muito esclarecedoras:

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ARTIGO 1.039, CAPUT, CPC/15. CONSTITUCIONAL. LEI N.º 3.872/2006. MUNICÍPIO DE ALEGRETE. VEDAÇÃO AO NEPOTISMO. INICIATIVA PARLAMENTAR. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. MATÉRIA SUBMETIDA À REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tendo o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a repercussão geral da matéria - Tema 29, definido, no julgamento do RE 570.392/RS, não ser privativa do Chefe do Poder Executivo a competência para a iniciativa legislativa de lei sobre nepotismo na Administração Pública, prática cuja vedação decorre da aplicabilidade imediata do artigo 37, caput, da Constituição Federal, independemente de lei específica neste sentido, na esteira do que preconiza o enunciado da Súmula Vinculante n.º 13, inafastável a constitucionalidade da Lei n.º 3.872/2006 do Município de Alegrete, ensejando, em juízo de retratação, com base no artigo 1.039, caput, CPC/15, a improcedência do pedido formulado na presente ação direta de inconstitucionalidade. Unânime.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70015870959, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em: 18-07-2016).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE IJUÍ. PROIBIÇÃO DE NOMEAÇÃO DE PARENTES ATÉ O SEGUNDO GRAU NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA, INDIRETA, AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. TEMA SUBMETIDO A PROCEDIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL NO STF  (TEMA 29). RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. Em juízo de retratação e em atenção ao que foi decidido pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 570.392/RS, cuja repercussão geral foi admitida, no sentido de que \"leis que tratam dos casos de vedação a nepotismo não são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo\", há que rever a decisão proferida nesta ação direta de inconstitucionalidade para, nos moldes daquele julgado, reconhecer a inexistência de vício formal de iniciativa relativamente a lei proposta pelo Poder Legislativo que verse sobre proibição de nepotismo, pelo entendimento de que leis com esse conteúdo normativo materializam os princípios da moralidade e impessoalidade na Administração Pública, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, os quais possuem aplicabilidade imediata, de forma que nem sequer seria necessária a edição de lei formal para coibir o nepotismo. EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 543-B DO CPC, JULGARAM IMPROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70015293368, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/04/2016)

JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. PARADIGMA DO STF. ART. 543-B, §§ 1° E 3°, DO CPC. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE FARROUPILHA QUE VEDA A NOMEAÇÃO, NO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL, DE PESSOAS QUE SEJAM ASCENDENTES, DESCENDENTES,  CÔNJUGES OU PARENTES COLATERAIS ATÉ O SEGUNDO GRAU DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, SECRETÁRIOS MUNICIPAIS E VEREADORES DO MUNICÍPIO, SEM A DEVIDA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. NEPOTISMO. AUSÊNCIA DE VÍCIO MATERIAL E FORMAL. ADEQUAÇÃO DA LEI MUNICIPAL A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70001230481, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 16/11/2015).

A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à iniciativa é no sentido que o simples fato de a norma estar direcionada ao Poder Executivo não implica, por si só, que ela deva ser de iniciativa do Prefeito Municipal, sob pena de nefasto engessamento do Poder Legislativo, em franco desprestígio à sua elevada função institucional no Estado de Direito. É notória a jurisprudência do STF no sentido de que o rol do artigo 61, § 1º, da Constituição Federal é taxativo, não estando elencada nesse rol medidas que pretendem assegurar o princípio da moralidade na admissão de cargos na administração pública municipal, sem atuar na criação, alteração ou extinção de cargos, não versando exatamente sobre o regime jurídico de servidores públicos.

Ainda corroborando a constitucionalidade da proposição ora em análise, identificam-se, no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 70074646969. Em sentido análogo, vem decidindo o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei n. 313/2015, do Município de Coronel Macedo Legislação, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre restrições similares às da Lei Ficha Limpa Possibilidade Ausência de vício no processo legislativo ou de ofensa à Constituição do Estado de São Paulo Ação direta julgada improcedente. (ADIN.Nº: 2179857- 50.2015.8.26.0000; Relator Ademir Benedito; O.E do TJSP; julgado em 09.12.2015)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n° 3.441, de 30 de setembro de 2011, de Mirassol - Projeto de iniciativa de Vereador Diploma legislativo que dispõe sobre a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos do Poder Executivo, Poder Legislativo Municipal e Autarquias de Mirassol e dá outras providências Estabelecimento de restrições à nomeação de pessoa para o exercício de função pública inerente ao cargo em comissão - Restrições semelhantes à estabelecida pela "Lei da Ficha Limpa" (LC n° 135/2010) - Moralidade administrativa que se revela como princípio constitucional da mais alta envergadura - Exigência de honorabilidade para o exercício da função pública que não se insere nas matérias de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo - Ausente o vício de iniciativa - Exonerações de servidores contratados em descompasso com esta lei que não consubstancia aplicação retroativa do diploma legal - Precedentes deste Órgão Especial que cuidaram de situações análogas neste mesmo sentido Lei Municipal reputada constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente, revogada a liminar. (ADIN nº 0301346-30.2011.8.26.000, Rel. Des. De Santi Ribeiro, julgado em 30 de maio de 2012)

Está correto o estabelecimento de um limite temporal para a vedação de nomeação, visto que não se admite no ordenamento jurídico pátrio pena ou efeitos de pena perpétuos. Nesse sentido a própria Lei Federal n° 7.210/1984, Lei de Execuções Penais, estabelece que se houver a extinção ou cumprimento da pena “não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”.

Também a Lei da Ficha Limpa Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990, estabelece, de acordo com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato, fixa o prazo de 8 (oito) anos da condenação da decisão transitada em julgado ou por órgão colegiado para efeitos de inelegibilidade. Nesse sentido, mostra-se relevante mencionar que, nos termos da Lei da Ficha Limpa, são inelegíveis para qualquer cargo aqueles que forem condenados, por decisão transitada em julgado ou oriunda de órgão colegiado, desde a condenação até o transcurso de oito anos após o cumprimento da pena, aqueles que incorrerem em uma série de ilícitos penais, e não apenas crimes relacionados à administração pública. Cabe referir ainda que a Lei da Ficha Limpa se aplica, por exemplo, àqueles que forem condenados por crimes contra a dignidade sexual (art. 1, I, e, 9 da LC 64/1990). Deste modo, conclui-se que a Lei da Ficha Limpa, considerada um marco para o fortalecimento do princípio da moralidade no âmbito dos cargos eletivos, possui características e objetivos semelhantes aos pretendidos pelo projeto ora em análise. A propositura, ao que tudo indica, contempla ainda expressamente o respeito à presunção de inocência insculpido no art. 5º, LVII, da CRFB.

Verificam-se em outros entes da federação diplomas legislativos com o mesmo conteúdo, dentre os quais a Lei Estadual nº 3.668/2020[2], do Estado do Tocantins.

Mostra-se relevante mencionar que o Estatuto do Servidor, em seu artigo 15-A, após alteração pela Lei nº 3176/2014 a qual "Acrescenta o art. 15-a e § 3º ao art. 127 da Lei Municipal nº 2.586/2010" estabelece a vedação da nomeação de servidor que tenha contra si condenação transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, desde a condenação até o transcurso de oito anos após o cumprimento da pena pelos crimes contra a dignidade sexual. Porém, a leitura dos dispositivos da propositura em análise leva a crer que se trata de vedação voltada a tipos penais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, distintos dos do art. 15-A do Estatuto do Servidor.

[1] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7797457

[2] https://www.al.to.leg.br/arquivos/lei_3668-2020_51658.PDF#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20proibi%C3%A7%C3%A3o%20de,sexual%20contra%20crian%C3%A7a%20ou%20adolescente.

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 140/2021, sendo proposição que estabelece a aplicabilidade do princípio da moralidade administrativa, sem atuar na criação, alteração ou extinção de cargos ou do regime jurídico dos servidores públicos.

É o parecer.

Guaíba, 08 de setembro de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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08/09/2021 17:54:10
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