Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 130/2021
PROPONENTE : Ver. Cristiano Eleu
     
PARECER : Nº 278/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a compra e venda de cobre, alumínio, estanho e ferro no Município de Guaíba/RS"

1. Relatório

O Vereador Cristiano Eleu apresentou o Projeto de Lei nº 130/2021 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a compra e venda de cobre, alumínio, estranho e ferro no Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva, no sentido de alertar para inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

De fato, o artigo 22, I, da CF/88 estabelece a competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito comercial, assim como o artigo 24, V, prevê a competência legislativa concorrente para a União, os Estados e o DF legislarem sobre produção e consumo. O tema posto no Projeto de Lei nº 130/2021 diz respeito, claramente, a essas matérias, atraindo a competência para legislar apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Portanto, a norma que se pretende instituir não se restringe ao predominante interesse local, fundamento para a competência exclusiva dos Municípios prevista no artigo 30, I, da CF/88, de modo que se verifica afronta às regras constitucionais de competência legislativa.

Além disso, identifica-se possível afronta aos princípios gerais da ordem econômica (art. 170, c/c art. 1º, IV, e art. 5º, XIII, CF/88). Isso porque coibir genericamente, na municipalidade, a comercialização de cobre, alumínio, estanho e ferro, exceto quando houver a procedência comprovada, impede as atividades de venda eventualmente realizadas por particulares que detenham legalmente esses materiais, uma prática a priori lícita que só poderia ser proibida por norma emanada pela União devido a específico interesse nacional.

Parece-nos que a medida pretendida, ainda que tenha o elogiável propósito de diminuir a criminalidade ligada ao furto e roubo desses materiais, revela-se desproporcional ao ingerir-se sobre toda a atividade comercial, vedando, por regra, uma atividade considerada lícita, o que não passa pelo exame de necessidade – subprincípio do princípio da proporcionalidade –, na medida em que há providências outras, de viés menos gravoso, que podem ser adotadas para a obtenção dos mesmos resultados, como o reforço das atividades de fiscalização e de persecução criminal já à disposição das autoridades.

Inclusive, nesse sentido, o artigo 174, caput, da CF/88 é esclarecedor: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” Ou seja, as medidas que impliquem regulação do mercado econômico possuem natureza meramente indicativa quando voltadas ao setor privado, não sendo possível a imposição pelo Poder Público.

Conforme leciona Luís Roberto Barroso (A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços, Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 14, maio, junho e julho/2008, Salvador/BA),

O que o Estado não pode pretender, sob pena de subverter os papéis, é que a empresa privada, em lugar de buscar o lucro, oriente sua atividade para consecução dos princípios-fins da ordem econômica como um todo, com sacrifício da livre-iniciativa. Isto seria dirigismo, uma opção por um modelo historicamente superado. O Poder Público não pode supor, e.g., que uma empresa esteja obrigada a admitir um número “x” de empregados, independentemente de suas necessidades, apenas para promover o pleno emprego. Ou ainda que o setor privado deva compulsoriamente doar produtos para aqueles que não têm condições de adquiri-los, ou que se instalem fábricas obrigatoriamente em determinadas regiões do País, de modo a impulsionar seu desenvolvimento. Ao Estado, e não à iniciativa privada, cabe desenvolver ou estimar práticas redistributivas ou assistencialistas. É do Poder Público a responsabilidade primária. Poderá desincumbir-se dela por iniciativa própria ou estimulando comportamentos da iniciativa privada que conduzam a esses resultados, oferecendo vantagens fiscais, financiamentos, melhores condições de exercício de determinadas atividades, dentre outras formas de fomento”.

Nesse sentido, proposições similares não passaram pelo crivo de juridicidade em outras Câmaras Municipais, a exemplo do Projeto de Lei do Legislativo nº 35/2018, do Município de Jacareí/SP, e do Projeto de Lei nº 307/2010, do Município de Londrina/PR, cujos pareceres opinativos recomendaram o arquivamentos das propostas devido a inconstitucionalidade formal por incompetência legislativa (art. 22, I, da CF/88) e a inconstitucionalidade material por afronta aos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170 da CF/88).[1]

Veja-se, a propósito, precedente do TJRS que, ao analisar situação similar de proibição genérica de funcionamento e exercício de determinadas atividades econômicas, reconheceu a existência de inconstitucionalidade material por violação ao modelo de ordem econômica consagrado pela CF/88:

AGRAVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA LEI MUNICIPAL 1.273/2016. PROIBIÇÃO SELETIVA DE FUNCIONAMENTO DE COMÉRCIO LOCAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA, DA DEFESA DO CONSUMIDOR E DA LIBERDADE DO EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS, QUE INFORMAM O MODELO DE ORDEM ECONÔMICA CONSAGRADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. Não se desconhece o teor do Enunciado da Súmula 645 do STF, que reconhece a competência do município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. No caso, o que esta na berlinda não é a competência legislativa do município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial, mas a forma como se deu a regulação do comércio local, desatendendo aos princípios da livre concorrência e do livre comércio. Ou seja, arbitrariamente estabelece restrições ao funcionamento de estabelecimentos comerciais, permitindo a alguns e a outros não, o normal funcionamento. Há evidente afronta aos princípios da livre concorrência, da defesa do consumidor e da liberdade do exercício das atividades econômicas, que informam o modelo de ordem econômica consagrado pela Constituição Federal (art. 170 e seu parágrafo único). Precedentes deste Órgão Especial e do STF. Densa plausibilidade para a concessão de medida cautelar. Agravo desprovido. Unânime. (Agravo Regimental, Nº 70070041199, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em: 26-09-2016).

Assim, com base nos fundamentos expostos, o Projeto de Lei nº 130/2021 é juridicamente inviável por conter vícios formal e material de inconstitucionalidade, razão pela qual se opina pela devolução ao autor, nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

[1] Disponível em: http://www.jacarei.sp.leg.br/wp-content/uploads/2020/12/Comunicado-n%C2%BA-18-2018-ref.-PLL-n%C2%BA-35-2018-6-32.pdf

Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PL nº 130/2021, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por incompetência legislativa (art. 22, I, da CF/88) e de inconstitucionalidade material por afronta aos princípios da ordem econômica (art. 170 da CF/88).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 8 de setembro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
08/09/2021 13:12:02
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 08/09/2021 ás 13:11:28. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 06aa49300e9487836ff92aa9f176b842.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 98763.