PARECER JURÍDICO |
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"Revoga a Lei Municipal nº 4031, de 16 de agosto de 2021 que dispõe sobre a desafetação da área pública e autoriza o Município de Guaíba a doar áreas ao Estado do Rio Grande do Sul.”" 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 041/2021, o qual “Revoga a Lei Municipal nº 4031, de 16 de agosto de 2021 que dispõe sobre a desafetação da área pública e autoriza o Município de Guaíba a doar áreas ao Estado do Rio Grande do Sul”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição. 2. Parecer:O direito brasileiro é organizado em um sistema de escalonamento das normas jurídicas, sendo a Constituição Federal de 1988 o diploma paradigma para a elaboração de todas as demais espécies legislativas. Em função da hierarquia das normas, exsurge do ordenamento jurídico o princípio da continuidade das leis, segundo o qual, “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º, LINDB). Diante disso, uma determinada norma jurídica só pode ser alterada ou revogada por meio de outra norma da mesma hierarquia; do contrário, a nova espécie legislativa não terá a aptidão de atingir a norma primária. No caso em análise, a Lei Municipal nº 4.031, de 16 de agosto de 2021, tem natureza jurídica de lei ordinária, podendo ser revogada por norma superveniente do mesmo status. O Projeto de Lei nº 041/2021, por sua vez, tem a pretensão de instituir lei ordinária, estando adequado e apto, portanto, para revogar a anterior. Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da CF/88, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da LOM refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS: Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14) II - disponham sobre: a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; c) organização da Defensoria Pública do Estado; d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública. No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias: Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre: I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos; III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017) Verifica-se, no caso em análise, que a matéria é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal, já que, com base nos fundamentos acima expostos e por força do art. 52 da LOM, se constata ser hipótese de iniciativa exclusiva do Prefeito a administração dos bens municipais: Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito: [...] XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos; Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços. Assim, a revogação da Lei Municipal nº 4.031/2021, tendo sido deflagrada a iniciativa pelo Chefe do Poder Executivo, caberá ao Plenário da Câmara de Vereadores, soberano em tal decisão, exigindo-se para tanto maioria simples e Sessão Ordinária, devendo tramitar normalmente nas Comissões Permanentes, não se admitindo urgência, considerando tratar-se de projeto de lei que envolve alteração patrimonial, em observância ao art. 98, parágrafo único: Art. 98. Em caso de calamidade pública, medida de segurança, o processo será encaminhado às Comissões Permanentes; a reunião será suspensa para emissão de pareceres; reabertos os trabalhos, o processo será votado imediatamente, não sendo admitido, adiamentos qualquer. Parágrafo único. Exceto o disposto no “caput” deste artigo, toda matéria que envolva alteração patrimonial para o Município deverá tramitar, normalmente, nas Comissões Permanentes, não se admitindo a urgência. Em relação à justificativa e ao conteúdo da proposição, tem-se exposição apresentada pelo Poder Executivo no sentido de que a revogação se deve a reclamos populares, conforme abaixo-assinado anexo aos autos, ainda que embora comum, a princípio não houvesse norma jurídica que obrigasse a realização de consulta popular para a doação da área em questão. Portanto, para dar cumprimento aos anseios dos moradores locais, foi apresentado o projeto de lei com o objetivo de revogar a lei municipal. Nessa perspectiva, é evidente que estamos diante de Lei que revogará dispositivos de uma lei de efeitos concretos, guardando, por isso, esta mesma característica.[1] Não custa ressaltar ainda que a revogação de lei meramente autorizativa não possui a eficácia de, por si só, desconstituir os direitos patrimoniais decorrentes da eventual celebração do termo de doação ou da eventual transferência da área (atos de registro), sendo que a produção de efeitos depende da formalização dos procedimentos administrativos apropriados. [1] Por leis de efeitos concretos “entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto, por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança” (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data. 12ª. ed., São Paulo: RT, 1989, p. 17). 3. Conclusão:Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 041/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer. Guaíba, 30 de agosto de 2021.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 30/08/2021 17:03:42 |
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