Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 112/2021
PROPONENTE : Ver. Miguel Crizel
     
PARECER : Nº 260/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a publicação pelo Poder Executivo, através de sítio eletrônico oficial, de forma mensal, acerca da aplicação das Emendas Parlamentares recebidas pelo Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório

O Vereador Miguel Crizel apresentou o Projeto de Lei nº 112/2021, que dispõe sobre a publicação, pelo Poder Executivo, através de sítio eletrônico oficial, de forma mensal, da aplicação das emendas parlamentares recebidas pelo Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei nº 112/2021 se encontra inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeito ao princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). O Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, leis com a mesma matéria de fundo, instituindo medidas de transparência na Administração Pública, já foram apreciadas pelo órgão pleno do TJRS e foram declaradas constitucionais por concretizarem o princípio da publicidade (art. 37, caput, da CF/88) e o direito fundamental à informação (art. 5º, XXXIII, da CF/88), conforme já externou esta Procuradoria nos pareceres jurídicos aos PLs nº 049/2018 e 002/2019.

Essa particular matéria referente à transparência já foi levada a julgamento em ações diretas de inconstitucionalidade, cujo questionamento versou exatamente sobre a existência de vício formal de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo – art. 61, § 1º, da CF/88), tratando-se, por exemplo, da instituição do dever de dar publicidade às listagens de vagas na rede pública de ensino e divulgação de lista de espera em consultas e exames médicos.

O TJRS considerou constitucional a Lei Municipal nº 2.976/16, do Município de Novo Hamburgo, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a obrigatoriedade da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis e a lista de espera das vagas para a educação infantil no Município:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI 2.976/2016. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. DIVULGAÇÃO DA CAPACIDADE DE ATENDIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL MUNICIPAL. 1. A Lei 2.976/2016, que "dispõe sobre a determinação da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis, e a lista de espera das vagas para a Educação Infantil no Município, e dá outras providências", conquanto deflagrada por iniciativa da Câmara Municipal, não conduz a vício de natureza formal do diploma em tela. 2. Diploma legal que não disciplina o conteúdo, a forma de prestação ou as atribuições próprias do serviço público municipal relativo à educação infantil, cingindo-se a especificar a obrigação de divulgação e publicidade de informações acerca da capacidade de atendimento, vagas preenchidas e a preencher e critérios de classificação, cuja imperatividade já decorre do próprio mandamento constitucional constante do art. 37, caput, da CRFB. 3. Interpretação dos art. 60, inc. II, alínea d, e 82, inc. III e VII da Constituição Estadual que deve pautar-se pelo princípio da unidade da Constituição, viabilizando-se a concretização do direito fundamental à boa administração pública, em especial... aquela que se refere ao amplo acesso à educação pública infantil. 4. Necessidade de se evitar - quando não evidente a invasão de competência - o engessamento das funções do Poder Legislativo, o que equivaleria a desprestigiar suas atribuições constitucionais, de elevado relevo institucional no Estado de Direito. [...] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072679236, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em 24/07/2017).

Da mesma forma, o TJSP definiu que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo no que diz respeito a projeto de lei voltado para a concretização da transparência dos serviços públicos não viola o princípio da separação dos poderes. É o que se depreende deste excerto do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade:

No caso vertente, a Lei Municipal nº 10.591, de 7 de outubro de 2013, do Município de Sorocaba, cuidou de tema de interesse geral da população, sem qualquer relação com matéria estritamente administrativa ou relativa à organização de serviços públicos, na forma prevista no art. 47, inciso II, da Constituição Estadual, razão pela qual poderia mesmo decorrer de iniciativa parlamentar; na verdade, a lei local impugnada pretendeu apenas disciplinar a ordem de atendimento aos interessados em vagas em creches ou pré-escolas municipais, de molde a facilitar e garantir o pleno cumprimento de obrigação constitucionalmente imposta ao ente público local, sem qualquer interferência direta na administração municipal; aliás, cuida-se de importante instrumento de controle da distribuição das vagas existentes entre os postulantes, de molde a permitir à população o acompanhamento regular dessa disponibilidade, reclamando seu direito no momento oportuno. A Presidência da Câmara Municipal de Sorocaba bem realçou em suas informações que a legislação municipal objurgada tão somente pretende fazer o Poder Público “cumprir com seu dever de informar ao munícipe a ordem de inscrição das crianças para vagas em creches e pré-escolas, possibilitando o controle para o preenchimento das vagas, evitando que os pais ou responsáveis legais necessitem se dirigir constantemente aos estabelecimentos de ensino para verificar se surgiram vagas, posto que atualmente não há possibilidade de inscrição para novas vagas, fato que, inclusive, causa uma enorme injustiça, na medida em que caso o interessado não tenha a 'sorte' de se dirigir novamente ao estabelecimento de ensino no dia em que surgiu a vaga, outro interessado que comparecer em tal dia ficará com a vaga, sendo, portanto, imperativo que exista uma lista de espera, através da qual o interessado possa consultar a distribuição das vagas munido de seu número de protocolo, sendo este o móvel da criação do protocolo de inscrição previsto na legislação em debate”(v. fls. 178/179). Ademais, possível considerar aqui que a contestada Lei Municipal nº 10.591/2013 nada mais fez do que permitir o acesso da população a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, nos moldes previstos na Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (…) Como se vê, a divulgação de dados atinentes à gestão municipal, dentre os quais pode ser inserida a ordem de requisição de vagas em creches e pré-escolas municipais, representa uma obrigação imposta ao ente público local pela legislação federal em apreço, tratando-se, portanto, de providência que incumbia realmente ao Legislativo local, sem implicar em intromissão nas atribuições privativas do Prefeito, o que basta para arredar o alardeado vício de iniciativa do processo legislativo que deu origem à lei contestada nos autos. E nem se alegue que o ato normativo em causa produzirá reflexos no orçamento municipal, sem que tenha havido a respectiva indicação da origem da receita, em afronta aos preceitos contidos nos arts. 24, § 5º, “1”, e 25, da Constituição Estadual. Ora, há que se considerar que a vedação ao aumento da despesa, estabelecida no citado art. 24, § 5º, “1”, da Carta Paulista diz respeito apenas aos projetos de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, razão pela qual essa regra não tem aplicação no caso dos autos; forçoso reconhecer, outrossim, que se toda lei com repercussão no orçamento fosse, obrigatoriamente, deflagrada a partir de proposta do Prefeito, a atribuição legislativa da Câmara Municipal restaria completamente esvaziada, aí sim, em completa desconsideração ao princípio da independência entre os Poderes. Por outro lado, nada indica que a Lei nº 10.591/2013 poderá realmente trazer algum impacto nas despesas do Município de Sorocaba, haja vista que a obrigação ali imposta poderá ser facilmente cumprida por qualquer agente público responsável pelo atendimento à população nas creches e pré-escolas municipais, sem maiores empecilhos ou necessidade de qualquer gasto extraordinário, o que arreda também o argumento de violação ao disposto no art. 25 da Constituição Estadual.

A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à iniciativa é no sentido de que o simples fato de a norma estar direcionada ao Poder Executivo não implica, por si só, que ela deva ser de iniciativa do Prefeito Municipal, sob pena de nefasto engessamento do Poder Legislativo, em franco desprestígio à sua elevada função institucional no Estado de Direito. É notória a jurisprudência do STF no sentido de que o rol do art. 61, § 1º, da CF/88 é taxativo, não estando elencadas no rol medidas que pretendem assegurar o princípio da transparência na prestação do serviço público municipal, visto que não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local.

Ainda corroborando a constitucionalidade da proposição ora em análise, a partir de matérias de iniciativa parlamentar que buscaram dar efetividade aos princípios da publicidade e da transparência, identifica-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70074203860, também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgada pelo Tribunal Pleno (instância máxima do TJ) em 27 de novembro de 2017, o qual considerou constitucional o art. 1º, caput e §§ 1º e 2º, da Lei Municipal nº 7.739/2017, de Santa Cruz do Sul, que estabelece a obrigatoriedade de divulgação de lista contendo a ordem de espera para vagas nas escolas municipais de educação infantil:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 7.739/2017, DE SANTA CRUZ DO SUL. [...] 2. IMPOSIÇÃO DE MERA DIVULGAÇÃO DA LISTA DE ESPERA. VÍCIO DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES. PARTICIPAÇÃO POPULAR. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, XXXIII, 37, CAPUT, E §3º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E ART. 19, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PRECEDENTES. [...] 2. Longe de disciplinar a forma de prestação dos serviços públicos na área da educação ou imiscuir-se indevidamente nas atribuições dos cargos do quadro de pessoal e órgãos da municipalidade, as normas extraídas do art. 1º, caput, §§ 1º e 2º da Lei nº 7.739, do Município de Santa Cruz do Sul, dão concreção ao princípio da transparência, decorrência da própria ideia de Estado Democrático de Direito e, em especial, do contido nos arts. 5º, XXXIII (regulamentado pela Lei n.º 12.527/2011), 37, caput, e §3º, II, da Constituição Federal, reproduzido pelo art. 19, caput, da Constituição Estadual, tratando do direito fundamental à obtenção de informações de caráter público e da observância ao princípio da publicidade administrativa. Ao Poder Legislativo, a quem compete exercer o controle externo dos atos dos demais Poderes, afigura-se completamente possível criar obrigações e exigir a implementação de medidas com a finalidade de tornar a atuação pública mais transparente e próxima do cidadão, aproximando-se da almejada participação popular na Administração Pública, atendendo ao disposto na norma do art. 37, §3º, II, da Carta Magna. Reconhecida a constitucionalidade do art. 1º, §§ 1º e 2º da Lei Municipal n.º 7.739/2017. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074203860, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 27/11/2017)

Assim, em termos gerais, leis de iniciativa parlamentar que determinem a publicidade de informações de interesse público são constitucionais por concretizarem os princípios da publicidade e da transparência administrativa, tendo os tribunais formado jurisprudência no sentido de tratar-se de iniciativa concorrente.

Contudo, no Município de Guaíba já existe a Lei Municipal nº 3.933, de 06 de janeiro de 2021, que dispõe sobre idêntica matéria, prevendo, inclusive, deveres descritos semelhantemente ao Projeto de Lei nº 112/2021. Portanto, ainda que não exista inconstitucionalidade na proposição, o fato de já haver lei municipal praticamente idêntica impõe que se reavalie a necessidade do processo legislativo, pelo que a medida mais prudente e recomendável é a devolução ao autor, para que, eventualmente, apresente substitutivo ou nova proposta alterando disposições da norma já existente com o objetivo de torná-la mais completa.

3. Conclusão

Diante do exposto, considerando que já existe a Lei Municipal nº 3.933, de 06 de janeiro de 2021, que dispõe sobre idêntica matéria, prevendo, inclusive, deveres descritos semelhantemente ao Projeto de Lei nº 112/2021, a Procuradoria opina pela devolução da proposta ao autor, com fundamento no art. 105 do Regimento Interno, para que, eventualmente, apresente substitutivo ou nova proposição alterando disposições da norma já existente com o objetivo de torná-la mais completa.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 17 de agosto de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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17/08/2021 14:13:18
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