Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 038/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 257/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Exclui lotes da Unidade de Conservação Parque Natural Municipal Morro José Lutzenberger "

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 038/2021 à Câmara Municipal, o qual “Exclui lotes da Unidade de Conservação Parque Natural Municipal Morro José Lutzenberger”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. MÉRITO:

O Chefe do Poder Executivo Municipal em sua Exposição de Motivos/Justificativa aduz que “Trata-se de pequena redução dos limites da Unidade de Conservação Parque Natural Municipal Morro José Lutzenberger – UCPNMMJL, criada através do Decreto Municipal nº 116 de 04 de dezembro de 2013”; que “O mapa do parque, em anexo, mostra que imóveis foram incluídos nos limite do parque, contudo, sem considerar as construções já existentes, não tendo havido vistoria no local quando da criação do Decreto 116/2013, tendo sido levadas em consideração somente as fichas cadastrais não atualizadas no setor de Cadastro Imobiliário Municipal.”; “que há construções que datam da década de 70, e de que praticamente inexiste vegetação nativa, considerando o altíssimo custo de desapropriação dos cinco lotes; considerando que a maior parte dos terrenos é um plano inclinado e murado, com edificações; considerando que integram um todo maior, razão pela qual possuem valor diferenciado de mercado; entende o Município que a desapropriação não é conveniente e oportuna e que a desafetação desta área da Unidade de Conservação não traz nenhum prejuízo a mesma, pois já vigem para a referida área, normativas restritivas de construção, de modo a preservar a faixa de vegetação existente”; “contam com edificações que são situações já consolidadas.”; “que o estudo técnico socioeconômico que embasou a criação da Unidade de Conservação desaconselhou desapropriações de áreas edificadas”.

Preliminarmente, A Constituição Federal, em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. A respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no RE nº 586.224/SP, julgado em 5 de maio de 2015, que “O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88)”. Assim, ao menos até o momento, o entendimento predominante é pela competência legislativa dos Municípios para disporem sobre matéria ambiental, desde que respeitados os limites do seu interesse local.

Do ponto de vista da iniciativa para propor a matéria legislativa, os tribunais pátrios possuem jurisprudência assentando que a alteração de Unidades de Conservação caracterizam matéria de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, consoante se oberva dos acórdãos a seguir ementados:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei n° 12.406, de 12 de dezembro de 2006, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Senhor Governador do Estado de São Paulo que "Altera a Lei n" 5.649, de 28 de abril de 1987, que criou a Estação Ecológica da Juréia-ltatins, exclui, reclassifica e incorpora áreas que especifica, institui o Mosaico de Unidades de Conservação da Juréia-ltatins, regulamenta ocupações e dá outras providências". Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada. Ofensa ao principio da separação de poderes. Matéria afeta a imposição de obrigações à Administração Pública, cuja iniciativa é do Executivo. A sanção do Chefe do Executivo não tem o condão de sanar o vicio. Precedente do STF. Alteração de atributos de unidade de conservação ambiental. Dúvida acerca de eventual destruição do meio ambiente. Indispensabilidade do Estudo de Impacto Ambiental. Afronta aos artigos 5°, 24, 111, 144, 191 e 196, todos da Constituição Estadual. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada. (TJSP; Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 0002375-33.2007.8.26.0000; Relator (a): Mário Devienne Ferraz; Órgão Julgador: Órgão Especial; São Paulo - São Paulo; Data do Julgamento: 10/06/2009; Data de Registro: 25/06/2009)

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão, que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça local, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 300): “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei n° 12.406, de 12 de dezembro de 2006, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Senhor Governador do Estado de São Paulo que ‘Altera a Lei n° 5.649, de 28 de abril de 1987, que criou a Estação Ecológica da Juréia-Itatins, exclui, reclassifica e incorpora áreas que especifica, institui o Mosaico de Unidades de Conservação da Juréia-Itatins, regulamenta ocupações e dá outras providências’. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Matéria afeta a imposição de obrigações à Administração Pública, cuja iniciativa é do Executivo. A sanção do Chefe do Executivo não tem o condão de sanar o vício. Precedente do STF. Alteração de atributos de unidade de conservação ambiental. Dúvida acerca de eventual destruição do meio ambiente. Indispensabilidade do Estudo de Impacto Ambiental. Afronta aos artigos 5º, 24, 111, 144, 191 e 196, todos da Constituição Estadual. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada.” A parte recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que o Tribunal “a quo” teria transgredido diversos preceitos constitucionais, notadamente aquele inscrito no art. 61, § 1º, da Constituição da República. A análise dos autos evidencia que o acórdão ora questionado ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na apreciação da controvérsia em causa. Isso significa, portanto, que a pretensão recursal ora deduzida revela-se inacolhível, considerada a diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na apreciação do litígio em debate (ADI 2.646/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – ADI 2.857/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – ADI 3.751/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 396.970-AgR/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.): “III - Independência e Separação dos Poderes: processo legislativo: iniciativa das leis: competência privativa do Chefe do Executivo. Plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade de expressões e dispositivos da lei estadual questionada, de iniciativa parlamentar, que dispõem sobre criação, estruturação e atribuições de órgãos específicos da Administração Pública, criação de cargos e funções públicos e estabelecimento de rotinas e procedimentos administrativos, que são de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, e), bem como dos que invadem competência privativa do Chefe do Executivo (CF, art. 84, II). Consequente deferimento da suspensão cautelar da eficácia de expressões e dispositivos da lei questionada.” (RTJ 197/176-178, 177, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) Cabe observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no                          art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o improvimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenha sido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 334.868-AgR/RJ, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 336.267/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA –    RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU – RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU – AI 258.067/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). SENDO ASSIM, PELAS RAZÕES EXPOSTAS, E CONSIDERANDO OS PRECEDENTES REFERIDOS, CONHEÇO DO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO, PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. PUBLIQUE-SE. BRASÍLIA, 18 DE ABRIL DE 2011. MINISTRO CELSO DE MELLO RELATOR.

Sob o ponto de vista material, cabe ressaltar que todas as leis (sejam municipais, estaduais ou federais) devem obedecer a algumas regras, que viabilizem, do ponto de vista formal, o seu trâmite legislativo.

As Unidades de Conservação (UC) possuem seu fundamento a partir do art. 225 da Constituição Federal, especialmente o inciso III do § 1º, que exige lei no sentido formal para a alteração e supressão de espaços territoriais protegidos (princípio da reserva legal) e veda qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (princípio do não retrocesso):

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

As unidades de conservação exercem papel preponderante na proteção do bem ambiental, pois definidas como espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.985/2000).

A Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) estabelece que o ato de criação (portanto também sua alteração) de uma unidade de conservação deve ser obrigatoriamente precedido de estudos técnicos e de consulta à população e que a redução de limites só podem ser feitas mediante lei específica[1]:

Art. 3º O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC é constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e municipais, de acordo com o disposto nesta Lei.

(...)

Art. 6º O SNUC será gerido pelos seguintes órgãos, com as respectivas atribuições:

(...)

 III - órgãos executores: o Instituto Chico Mendes e o Ibama, em caráter supletivo, os órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação. (Redação dada pela Lei nº 11.516, de 2007)

(...)

Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.

(...)

A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.

(…)

7º A desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica.

O Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta a Lei Federal nº 9.985, de 2000, constam as seguintes informações que também trazem elementos que interessam à presente propositura legislativa que pretende a alteração da UC:

Art. 4º Compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade.

Art. 5º A consulta pública para a criação de unidade de conservação tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade.

§ 1º A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas.

Vai nesse sentido a jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 18.222, DE 23 DE AGOSTO DE 2017, QUE INSERIU O PARÁGRAFO ÚNICO AO ART. 49 DA LEI Nº 13.944, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2006, AMBAS DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS. LEI IMPUGNADA QUE ALTEROU A ABRANGÊNCIA DE ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. 1) LEI IMPUGNADA QUE EXCLUI DA ABRANGÊNCIA DA LEI 13944/2006 (QUE DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DE ÁREAS DE PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DE MANANCIAIS), OS LOTEAMENTOS CONSOLIDADOS, LEGALMENTE IMPLANTADOS E REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS ATÉ 12 DE DEZEMBRO DE 2006. REDUÇÃO, PELA LEI IMPUGNADA, DA PROTEÇÃO AMBIENTAL CRIADA POR LEI ANTERIOR, SEM APRESENTAÇÃO DE MECANISMOS EQUIVALENTES OU COMPENSATÓRIOS OU DE PRÉVIO ESTUDO TÉCNICO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO EM MATÉRIA AMBIENTAL; 2) NORMA URBANÍSTICA SEM PRÉVIA PARTICIPAÇÃO POPULAR. AFRONTA AOS ARTIGOS 180, CAPUT, II e 191, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL; 3) VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, IMPESSOALIDADE E INTERESSE PÚBLICO. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2243119-66.2018.8.26.0000; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 08/05/2019; Data de Registro: 10/05/2019)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N. 558/2012. CONVERSÃO NA LEI N. 12.678/2012. INÉPCIA DA INICIAL E PREJUÍZO DA AÇÃO QUANTO AOS ARTS. 6º E 11 DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 558/2012 E AO ART. 20 DA LEI N. 12.678/2012. POSSIBILIDADE DE EXAME DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PARA O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA NORMATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. ALTERAÇÃO DA ÁREA DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIOAMBIENTAL. AÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, JULGADA PROCEDENTE, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE.

...a melhor exegese do art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição, portanto, impõe que a alteração ou supressão de espaços territoriais especialmente protegidos somente pode ser feita por lei formal, com amplo debate parlamentar e participação da sociedade civil e dos órgãos e instituições de proteção ao meio ambiente, em observância à finalidade do dispositivo constitucional, que é assegurar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (ADI 4.717, rel. min. Cármen Lúcia, j. 5-4-2018, P, DJE de 15-2-2019)

A realização de estudos técnicos em projetos de alteração de unidades de conservação encontra fundamento no princípio do paralelismo de formas, que determina que os mesmos pressupostos utilizados para a elaboração de um instituto também deverão ser utilizados para sua alteração ou extinção[2].

De acordo com o art. 22, § 2º, da Lei 9.885/2000, a criação de UC deve ser precedida de estudos técnicos. Por simetria, sua alteração também deve. Essa recomendação também faz parte das Diretrizes para legislação relativa a áreas protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), segundo a qual:

Outro princípio jurídico importante é que o processo de estudo e consulta referente à revogação do ato de criação da área protegida deveria ser, no mínimo, tão rigoroso quanto o exigido para a criação da área. Ele resulta imprescindível para garantir que a decisão se adote por razões de interesse público suficientemente convincentes para justificar uma anulação do acordo inicial.

O uso do paralelismo para exigência de estudos técnicos já foi objeto de decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que diversas vezes usou esse princípio para declarar a inconstitucionalidade de leis municipais que tratavam de planejamento urbanístico e elaboradas sem estudos técnicos, conforme procedimento de criação previsto na Constituição Estadual:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal 11.810 de 09.10.18, dispondo sobre as regras específicas a serem observadas no projeto, no licenciamento, na execução, na manutenção e na utilização de contêineres como residências ou estabelecimentos comerciais de qualquer natureza. Vício de iniciativa. Inocorrência. Iniciativa legislativa comum. Recente orientação do Eg. Supremo Tribunal Federal. Causa petendi aberta. Possível análise de outros aspectos constitucionais da questão. Falta de participação popular. Imprescindível a efetiva participação da comunidade, por suas entidades representativas. A Constituição Estadual prevê a necessidade de participação comunitária em matéria urbanística. Precedentes deste WWF-BRASIL 2020 C. Órgão Especial. Inconstitucional o ato normativo impugnado. Estudo prévio. Necessidade. Se no âmbito do Executivo esse planejamento ou prévios estudos se fazem necessários, de igual forma se justificam idênticas medidas para modificar a regra original. Precedentes. Procedente a ação.

A alteração de uma Unidade de Conservação no âmbito do Município passa, ainda, pela necessidade de conciliação com o ordenamento territorial definido no Plano Diretor, consoante a jurisprudência do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE MARAU. LEI MUNICIPAL N. 4.749/2011 QUE EXTIRPOU ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DEFINIDAS NO PLANO DIRETOR. PROIBIÇÃO DO RETROCESSO. AUSÊNCIA DE CONSULTA POPULAR. OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. Lei Municipal 4.749/2011, que modificou o Plano Diretor (Lei 2.967/2000), excluindo as áreas de proteção ambiental do Município de Marau. A proteção ao macrobem ambiental alçou magnitude constitucional em 1988, sendo norma de repetição obrigatória pelos Estados-membros no exercício do Poder Constituinte Decorrente. O acesso ao meio ambiente sadio e ao crescimento sustentável, para essa e para as futuras gerações, é direito fundamental, de maneira que sobre ele incide o princípio da proibição do retrocesso ambiental. No caso, em que pese a justificativa lançada para extirpar os dispositivos legais, não foram juntados à proposição legislativa quaisquer estudos técnicos para efeito de demonstrar que as zonas não se enquadravam dentro dos parâmetros definidos pela Lei n. 9.985/2000. Ademais, o art. 177, § 5º, da Constituição do Rio Grande do Sul assegura a participação da comunidade na elaboração do Plano Diretor do Município. Logo, além do vicio material, resta demonstrado também vício formal durante a tramitação da iniciativa, pois ausentes quaisquer indicativos de que houve prévia consulta popular para alteração do Plano Diretor, embora latente a gravidade da involução ambiental de que se tratava. E a involução é manifesta, pois a lei que suprimiu as áreas de proteção ambiental culminou na imediata pulverização das zonas descritas no Plano Diretor. Da mesma forma, sequer foi discutida a substituição dos perímetros de proteção por outros. Caso mantida a vigência da Lei impugnada, dificilmente os danos ao meio ambiente da região poderão ser revertidos em um futuro próximo, sendo imprescindível, assim, o restabelecimento da proteção inicialmente concedida. Portanto, não há outro caminho senão a procedência da presente ação, para declarar inconstitucional a presente Lei Municipal, por ofensa aos arts. 177, § 5º, 221, V, “e”, 250, caput, e 251, caput e § 1º, II e VII, da Constituição Estadual. AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70069265213, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em: 08-10-2018).

Convém observar que a legalidade da matéria deve ser cotejada com o teor da Súmula nº 613, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual firmou entendimento, em 14 de maio de 2018, que: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado[3] em tema de Direito Ambiental”. Em análise perfunctória da justificativa, do contexto fático e da documentação acostada, nos parece que restaria afastada a Súmula nº 613 do STJ, visto que o que se aduz é a ocorrência de equívocos na delimitação dos limites da Unidade de Conservação, visto que as edificações já existiam antes do Decreto de criação da UC, não sendo o caso de edificações posteriores à criação da área de preservação – não ocupação após a criação de UC.

Em conclusão, com efeito, em um processo legislativo participativo e subsidiado em estudos técnicos, tais interesses privados e econômicos despontarão na discussão sobre as alterações na área protegida e poderão ser debatidos de forma qualificada entre os atores interessados. No caso dos estudos técnicos comprovarem que a alteração proposta não degrada o meio ambiente e que o Poder Legislativo age considerando os princípios da precaução, prevenção e proibição do retrocesso ambiental, na consolidação dessas áreas utilizadas e/ou ocupadas pode ser atendida a reivindicação dos interessados[4].

[1] Vide ainda, no sentido de exigência de lei específica, as ADI 4.717, ADI 3.646, ADI 5.012 - Medidas provisórias não podem alterar UC, apenas lei no sentido formal.

[2] Para que isso seja possível, esses estudos precisam apresentar as características socioambientais da unidade de conservação e as previsões dos possíveis impactos (positivos e negativos) que sua alteração pode acarretar ao ambiente e à população local. A avaliação dos impactos deve ser realizada tanto no nível local como no nível de paisagem e, assim, avaliar se a alteração pode resultar na fragmentação do ecossistema e suas consequências à conservação da biodiversidade local e regional. Esse entendimento faz com que os procedimentos administrativos determinados pelas instruções normativas do ICMBio 3/2007 e 5/2008 passem a valer em projetos de redução, recategorização e extinção de UC.

[3] Na mesma linha, a posição do Supremo Tribunal Federal: "A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte. Precedentes: RE 275.159, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 11/10/2001; RMS 23.593-DF, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 2/2/01; e RMS 23.544-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 21.6.2002" (RE 609.748/RJ AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 23/8/2011).

[4] https://wwfbr.awsassets.panda.org/downloads/recategorizacao.pdf

3. Conclusão:

Diante de todo o exposto, adequada a competência constitucionalmente delegada ao Município para dispor sobre a matéria em análise e bem exercida a iniciativa para a deflagração do processo legislativo pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, esta Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 038/2021, desde que observados os fundamentos expostos de que a questão passa também pela capacidade do órgão proponente da alteração da UC em realizar os necessários estudos técnicos e a consulta pública à população, inclusive com Audiência Pública no debate parlamentar, de que as edificações/ocupações não tenham ocorrido após a criação da UC e de que não serão comprometidos os atributos de criação/proteção, requisitos indispensáveis à legalidade do projeto de lei alterando a área da Unidade de Conservação Parque Natural Municipal Morro José Lutzenberger.

É o parecer.

Guaíba, 13 de agosto de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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13/08/2021 17:20:06
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