Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 125/2021
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 255/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria a Farmácia Popular Veterinária no Município de Guaíba "

1. Relatório

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 125/2021 à Câmara Municipal, que cria a Farmácia Popular Veterinária no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

2. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir programa sob a responsabilidade do Poder Executivo Municipal, no sentido da instituição de uma Farmácia Veterinária Popular. Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da CF/88, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor sobre programa a ser executado pelos órgãos públicos do Poder Executivo, envolvendo diversas obrigações a serem executadas sob a responsabilidade última do Prefeito.

O Projeto de Lei nº 125/2021, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade do Poder Executivo para a criação de uma Farmácia Veterinária Popular, por tratar-se de matéria de competência privativa do Prefeito, na seara de sua discricionariedade. Aliás, veja-se a jurisprudência:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 11.183/2015, que “Institui o Hospital Público Veterinário, Postos de Saúde para atendimento de animais e Farmácia Veterinária Popular em Sorocaba e dá outras providências”. Inconstitucionalidade, por criar obrigações e se imiscuir em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo. Vício de iniciativa. Desrespeito aos artigos 5º, caput, 25, 47, incisos II e XIX, alínea 'a' e 144 da Constituição do Estado. Ação procedente. (ADI 2234848-73.2015.8.26.0000, rel. Des. BORELLI THOMAZ, j. 03.02.2016).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.907, de 29 de novembro de 2013, que “Institui o serviço de Hospital Veterinário Público Municipal para cães e gatos e dá outras providências”. Iniciativa parlamentar. Inconstitucionalidade reconhecida, já que cabe privativamente ao Executivo a iniciativa de lei que verse sobre a estrutura da administração municipal. Hipótese em que, ademais, a lei criou despesa sem indicação de fonte de receita. Ação procedente (ADI 2194206-92.2014.8.26.0000, rel. Des. ARANTES THEODORO, j. 04.02.2015).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 5.525/13, do Município de Sumaré de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o Poder Executivo Municipal a criar o Abrigo Municipal de Cães e Gatos, no âmbito do Município de Sumaré e dá outras providências”. Matéria referente à administração do município que é de iniciativa reservada do Chefe do Executivo. Violação aos artigos 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. Lei impugnada que, de outra banda, não indicou os recursos de custeio do programa implantado, afrontando os artigos 25 e 176, I, da Carta Bandeirante. Lei autorizativa que esconde comando cogente. Executivo que não necessita de autorização para administrar, matéria a ele reservada. Precedentes da Corte. Ação procedente, declarando-se a inconstitucionalidade com modulação de seus efeitos para 60 (sessenta) dias, com observação (ADI 2114587-16.2014.8.26.0000, rel. Des. XAVIER DE AQUINO, j. 10.12.2014).

O Projeto de Lei nº 125/2021 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 125/2021 contém vício de iniciativa, por dispor sobre um programa que envolve atribuições de órgão público, serviços públicos municipais e organização administrativa, matérias de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, dos artigos 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS e do artigo 119, II, da Lei Orgânica.

3. Conclusão

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PL nº 125/2021, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como por violação ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 125/2021, diante do seu inquestionável mérito.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 12 de agosto de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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12/08/2021 15:29:55
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