PARECER JURÍDICO |
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"Institui o Programa Maria Sem Medo nas Escolas da Rede Pública Municipal" 1. RelatórioA Vereadora Leticia Maidana apresentou o Projeto de Lei nº 124/2021 à Câmara Municipal, visando instituir o Programa Maria Sem Medo nas Escolas da Rede Pública Municipal. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITOPreliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir programa sob a responsabilidade do Poder Executivo Municipal, no sentido do desenvolvimento de ações de ensino de noções básicas sobre a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) nas escolas da rede pública municipal. Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da CF/88, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor sobre programa a ser executado nas instituições de ensino da educação básica – ou seja, em órgãos ligados estruturalmente ao Poder Executivo –, envolvendo diversas obrigações a serem executadas sob a responsabilidade última do Prefeito. O Projeto de Lei nº 124/2021, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:
Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):
A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade do Poder Executivo para o ensino de noções sobre a Lei nº 11.340/06 nas escolas da rede pública municipal, por tratar-se de matéria de competência privativa do Prefeito, na seara de sua discricionariedade. Aliás, veja-se a jurisprudência:
O Projeto de Lei nº 124/2021 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:
Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 124/2021 contém vício de iniciativa, por dispor sobre um programa que envolve atribuições de órgão público, serviços públicos municipais e organização administrativa, matérias de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, dos artigos 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS e do artigo 119, II, da Lei Orgânica. Por fim, destaca-se que a Lei Maria da Penha já prevê, em seu art. 8º, inciso IX, que uma das diretrizes da política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher é “o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.” Nesses termos, por já constituir obrigação e diretriz das políticas públicas preventivas na seara dos direitos humanos das mulheres, de responsabilidade de todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), é possível a atividade fiscalizatória (requerimentos) para a cobrança e informações sobre a implementação dessa medida nas escolas da rede municipal. 3. ConclusãoDiante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe – PL nº 124/2021, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como por violação ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Destaca-se que a Lei Maria da Penha já prevê, em seu art. 8º, inciso IX, que uma das diretrizes da política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher é “o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.” Nesses termos, por já constituir obrigação e diretriz das políticas públicas preventivas na seara dos direitos humanos das mulheres, de responsabilidade de todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), é possível a atividade fiscalizatória (requerimentos) para a cobrança e informações sobre a implementação dessa medida nas escolas da rede municipal. Guaíba, 12 de agosto de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 12/08/2021 15:28:58 |
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