PARECER JURÍDICO |
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"Institui a obrigatoriedade de fixação de cartaz nas farmácias do município de Guaíba para recolhimento de medicamentos não usados" 1. RelatórioO Vereador Cristiano Eleu apresentou o Projeto de Lei nº 119/21 à Câmara Municipal, objetivando instituir a obrigatoriedade de fixação de cartaz nas farmácias do Município de Guaíba para o recolhimento de medicamentos não usados. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITOO artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.” O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal. A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:
Veja-se que, entre as competências legislativas dos Municípios, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função legiferante deve ser exercida nos termos e nos limites da Constituição Federal, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local. Neste sentido, de acordo com Pedro Lenza (2012, p. 449), com relação às competências legislativas dos Municípios, especificamente sobre a competência suplementar, o artigo 30, II, da CF “estabelece competir aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. ‘No que couber’ norteia a atuação municipal, balizando-a dentro do interesse local. Observar ainda que tal competência se aplica, também, às matérias do art. 24, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade.” Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22) e não esbarre nos casos de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. No caso em tela, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no artigo 13, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” (inciso I). A medida pretendida por meio do projeto de lei, na realidade, está inserida no âmbito do poder de polícia em matéria sanitária, cuja competência para definição é do Município. Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 119/2021 é promover a distribuição de medicamentos gratuitamente à população vulnerável, para tanto obrigando as farmácias a terem caixa de coleta e cartazes informativos sobre a referida política, o que diz respeito à proteção da saúde e da vida das pessoas, direitos fundamentais consagrados no artigo 5º, caput, artigo 6º, artigo 23, II, e artigo 196 da Constituição Federal de 1988. A propósito, o projeto de lei estabelece obrigação fundada no poder de polícia administrativa para regular a liberdade e a propriedade individual, no caso, das atividades comerciais envolvendo fármacos. Segundo o art. 78, caput, do Código Tributário Nacional,
Hely Lopes Meirelles leciona que “o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” (Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 134). Trata-se de prerrogativa própria de Estado que limita ou condiciona o exercício de liberdades individuais visando atender ao interesse público, que pode envolver, por exemplo, a satisfação coletiva do direito à saúde da população vulnerável, tal como propõe o Projeto de Lei nº 119/2021. Alerta-se, porém, para a possível desproporcionalidade da previsão contida no parágrafo único do art. 1º, no sentido da definição do diâmetro e do número mínimo de cartazes em cada estabelecimento, uma vez que as peculiaridades de empresa – como a metragem, o espaço disponível, o número de funcionários – podem tornar irrazoável que se obrigue a afixação de três cartazes com uma mesma mensagem. Nesses termos, em atenção ao princípio da proporcionalidade, incidente também em matéria de processo legislativo, bem como aos princípios da ordem econômica e financeira (art. 170 da CF/88), sugere-se a previsão de um só cartaz ou mesmo a omissão sobre tal ponto, bem como a retirada das dimensões mínimas, instituindo-se apenas a obrigação de afixar o cartaz de forma escrita e visível (caput do art. 1º), com os dizeres do art. 3º, e a disponibilização de caixa de coleta, como já dispõe o art. 2º do Projeto de Lei nº 119/2021. Observa-se, ademais, que a proposição, embora elogiável em seu mérito, precisa ser complementada por novas ações administrativas, pois os medicamentos arrecadados nas farmácias devem ser avaliados por profissionais técnicos em relação à sua qualidade – que pode estar comprometida devido às condições de guarda e armazenamento – e devem, ainda, ser recolhidos pelo Poder Público e distribuídos à população vulnerável em conformidade com algum critério ou cadastro em programas sociais. Logo, a obrigação a ser criada pela proposição é o primeiro passo dessa política pública, que necessita ser organizada e executada pelo Município de Guaíba nos termos da Lei Estadual nº 15.339/2019, sob pena de falta de efetividade. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei nº 119/2021, por inexistirem, até o momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Alerta-se, porém, para a possível desproporcionalidade da previsão contida no parágrafo único do art. 1º, no sentido da definição do diâmetro e do número mínimo de cartazes em cada estabelecimento, uma vez que as peculiaridades de empresa – como a metragem, o espaço disponível, o número de funcionários – podem tornar irrazoável que se obrigue a afixação de três cartazes com uma mesma mensagem. Nesses termos, em atenção ao princípio da proporcionalidade, incidente também em matéria de processo legislativo, bem como aos princípios da ordem econômica e financeira (art. 170 da CF/88), sugere-se a previsão de um só cartaz ou mesmo a omissão sobre tal ponto, bem como a retirada das dimensões mínimas, instituindo-se apenas a obrigação de afixar o cartaz de forma escrita e visível (caput do art. 1º), com os dizeres do art. 3º, e a disponibilização de caixa de coleta, como já dispõe o art. 2º do Projeto de Lei nº 119/2021. Observa-se, ademais, que a proposição, embora elogiável em seu mérito, precisa ser complementada por novas ações administrativas, pois os medicamentos arrecadados nas farmácias devem ser avaliados por profissionais técnicos em relação à sua qualidade – que pode estar comprometida devido às condições de guarda e armazenamento – e devem, ainda, ser recolhidos pelo Poder Público e distribuídos à população vulnerável em conformidade com algum critério ou cadastro em programas sociais. Logo, a obrigação a ser criada pela proposição é o primeiro passo dessa política pública, que necessita ser organizada e executada pelo Município de Guaíba nos termos da Lei Estadual nº 15.339/2019, sob pena de falta de efetividade. Por fim, sugere-se, na redação final, a revisão da técnica legislativa, na forma da Lei Complementar nº 95/1998. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 12 de agosto de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 12/08/2021 14:36:25 |
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