Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 122/2021
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 251/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o “ Projeto Gestão Ambiental no setor Público” que visa a administração dos impactos ambientais causados pelas atividades dos Poderes Executivo e Legislativo, com ações destinadas a separação do lixo e utilização de papel reciclado, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 122/2021 à Câmara Municipal, o qual “Cria o “Projeto Gestão Ambiental no setor Público” que visa a administração dos impactos ambientais causados pelas atividades dos Poderes Executivo e Legislativo, com ações destinadas a separação do lixo e utilização de papel reciclado, e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

Verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Preliminarmente, no que concerne à competência para legislar sobre a matéria, a Constituição Federal, em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. A respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no RE nº 586.224/SP, julgado em 5 de maio de 2015, que “O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88)”. Assim, ao menos até o momento, o entendimento predominante é pela competência legislativa dos Municípios para disporem sobre matéria ambiental, desde que respeitados os limites do seu interesse local.

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende criar programa sob a responsabilidade dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais, no sentido de inserção obrigatória de papel reciclado, com aquisição, em até sessenta dias após a vigência da pretendida legislação, de no mínimo 20% de papel reciclado, além da obrigação de promover programas de conscientização. A propositura pretende obrigar, ademais, a criação no âmbito de cada Poder, de Comissão para a Coleta Seletiva, estabelecendo inclusive periodicidade de apresentação de relatório.

Do ponto de vista da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, a matéria invade de modo flagrante e indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito de programa que deve ser implementado pelos Poderes Executivo e Legislativo, o que cabe exclusivamente ao Prefeito e à Mesa Diretora definirem no âmbito de cada Poder, através das políticas públicas a seus cargos.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 122/2021, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

 

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito e à Mesa Diretora, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade do Poder Executivo para a aquisição de determinado bem de consumo, muito menos criação de Comissão para a Coleta Seletiva e estabelecimento de prazo semestral para apresentação de relatórios, por se tratar de matéria de competência privativa do Prefeito e da Mesa Diretora, na esfera de suas discricionariedades. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência relacionado ao caso em análise:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Pretensão fundada na violação, pelas normas legais, da Lei Orgânica Municipal, da Constituição Federal e da Constituição Estadual – Descabimento, pelos dois primeiros motivos – O parâmetro de controle de constitucionalidade de lei municipal perante Tribunal de Justiça Estadual é a norma constitucional estadual, apenas – Ação conhecida e julgada apenas no respeitante às normas constitucionais estaduais, ditas contrariadas. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 3.487, de 16 de julho de 2015, que "dispõe sobre a instalação de lixeiras com cor indicativas da coleta seletiva em pontos de ônibus em todo Município de Santana de Parnaíba, e dá outras providências" – Lei de origem parlamentar que estabelece tarefas típicas de administração e as impõe ao Poder Executivo, ao qual é constitucionalmente reservada a iniciativa legislativa, assim violando o princípio da separação de poderes (arts. 5º, caput, §§ 1º e 2º, 47, II, XI, XIV e XIX, "a", da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta e do art. 29 da Constituição Federal) – Não bastasse, a lei impugnada cria despesas sem especificar a respectiva fonte de custeio, a que refere genericamente (art. 25 da Constituição Estadual) – Inconstitucionalidade decretada. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (TJSP – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2212964-85.2015.8.26.0000, Relator: Des. João Carlos Saletti, Data do Julgamento: 16/03/2016).

O Projeto de Lei do Legislativo nº 122/2021 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

 

O art. 9º da proposta também está eivado de inconstitucionalidade, visto que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar lei. Em atenção à jurisprudência e especialmente à precedente específico do Supremo Tribunal Federal (ADI 3.394-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 02-04-2007, m.v.), a fixação de prazo para regulamentação da lei afronta a divisão funcional do poder:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR Nº 957/2014, DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ, DE INICIATIVA PARLAMENTAR – FIXAÇÃO DE PRAZO RÍGIDO PARA REGULAMENTAÇÃO PELO EXECUTIVO INADMISSIBILIDADE - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – ENTENDIMENTO DESTE ÓRGÃO ESPECIAL - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA APENAS DA EXPRESSÃO “NO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS, A CONTAR DA SUA PUBLICAÇÃO” CONTIDA NO ARTIGO 2º, DA LEI MUNICIPAL - AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE” (ADI 2178107- 08.2018.8.26.0000, j. 07/11/18, Relator Des. Ferraz de Arruda).

Nada impede, porém, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no art. 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada e sob a forma de Requerimento à Mesa Diretora para que eventualmente seja avaliado pelo órgão diretivo do Poder Legislativo Municipal.

Cabe registrar que o Poder Legislativo Municipal já adotou o processo legislativo eletrônico, reduzindo de forma extremamente relevante a utilização de materiais de expediente no âmbito desse Poder - economia com materiais de expediente como papeis, tonners, manutenção de impressoras – estimada em R$ 20.000,00/ano.

3. Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se a remessa de indicação ao Prefeito e à Mesa Diretora para que, pela via política, avaliem a medida, diante do seu mérito.

É o parecer.

Guaíba, 12 de agosto de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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12/08/2021 10:14:13
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