Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 126/2021
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 246/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera dispositivos da Lei Municipal nº 1.027/1990 – Código de Posturas, regulamentando a colocação de placas removíveis, cavaletes e similares pelos estabelecimentos nos passeios públicos, observada faixa mínima para circulação de pessoas"

1. Relatório:

 Veio ao exame desta Procuradoria, apresentado pelo Vereador Ale Alves (PDT), o Projeto de Lei nº 126/2021, o qual “Altera dispositivos da Lei Municipal nº 1.027/1990 – Código de Posturas, regulamentando a colocação de placas removíveis, cavaletes e similares pelos estabelecimentos nos passeios públicos, observada faixa mínima para circulação de pessoas”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente e no artigo 30 da CF/1988, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Por interesse local, leciona Dirley da Cunha Junior, entende-se não aquele interesse exclusivo do Município, mas seu interesse predominante, que o afete de modo mais direto e imediato (in Curso de Direito Constitucional, 2ª edição, Salvador: Juspodivm, 2008, p. 841).

Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 099/2021, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa ao exercício de polícia administrativa em âmbito local, especificamente com a definição de normas que dizem respeito à colocação de placas removíveis, cavaletes e similares pelos estabelecimentos nos passeios públicos, observada faixa mínima para circulação de pessoas e previsão de multas no caso de descumprimento de normas previstas no Código de Posturas Municipal.

Além disso, a Constituição de Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.

No presente caso, a medida está realmente inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. O poder de polícia, no magistério de Hely Lopes Meirelles é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, estando limitado seu exercício através da “Constituição Federal, de seus princípios e da lei” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 133 e 137).

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caput, in verbis:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

      No mesmo sentido estabelece a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 13, inciso I, anteriormente citado:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I – exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Ainda que caiba ao Chefe do Poder Executivo Municipal possibilitar, concretamente, a utilização de bem público por terceiros, não há impedimento para que o legislador institua normas genéricas e abstratas norteadoras.

Efetivamente, consoante a lição lapidar de Hely Lopes Meirelles[1], é justamente esse o papel da Câmara:

Em conformidade com os preceitos constitucionais pertinentes, a atribuição primordial da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais, ao passo que a do Prefeito é a Executiva, compreendendo a função governamental, exercida através de atos políticos, e a administrativa, mediante atos administrativos aqueles e estes concretos e específicos (...)

...compete ao Município a polícia administrativa das atividades urbanas em geral, para a ordenação da vida da cidade. Esse policiamento se estende a todas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde a sua localização até a instalação e funcionamento (...) Para esse policiamento deve o Município indicar o proceder do administrado, regulamentar a fiscalização e cobrar as taxas estabelecidas por lei. Nessa regulamentação se inclui a fixação de horário do comércio em geral e das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos, bem como o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos ao público.[2]

Quanto à matéria de fundo, não há óbice constitucional à proposta. Convêm lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 126/2021 é dar efetividade ao disposto na Lei n.º 1.027/1990, mais especificamente com o objetivo de estabelecer parâmetros claros e preencher as lacunas em relação à colocação de mobiliários nos passeios públicos, definindo normas objetivas com observância de faixa mínima para circulação de pessoas, através da legislação local e do poder de polícia administrativa, conforme a jurisprudência concernente, que assegura aos parlamentares a iniciativa para propor matérias relativas à polícia administrativa:

TJ-SP. Processo nº 2157719-89.2015.8.26.0000 Direta de Inconstitucionalidade - São Paulo - Relator: Des.: Evaristo dos Santos - Autor: Prefeito do Município de Mirassol - Réu: Presidente da Câmara Municipal de Mirassol. Requerente: Prefeito do Município de Mirassol Requerida: Câmara Municipal de Mirassol. Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.618, de 10 de dezembro de 2013, do Município de Mirassol, de iniciativa parlamentar, que Dispõe sobre a proibição de qualquer cidadão jogar lixo em logradouros públicos, no Município de Mirassol e dá outras providências. 2) Não é reservada ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa, nem se encontra na reserva da Administração, matéria relativa à polícia administrativa, como a proibição a qualquer cidadão de jogar lixo nas ruas, avenidas, praças e demais logradouros públicos com previsão de sanção pecuniária (multa).

A jurisprudência colacionada a seguir ampara a legalidade da proposição em análise, valendo a pena trazer à tona decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei municipal de São José do Rio Preto que dispõe sobre a instalação e o uso de extensão temporária de passeio público, denominada "parklet". Ausência de inconstitucionalidade formal ou material. Matéria não prevista no rol taxativo de assuntos reservados à iniciativa legislativa do Prefeito Municipal. Norma tutela o interesse coletivo da comunidade local prevendo somente condições mínimas e gerais, a serem observadas para que, eventualmente, se autorize a ampliação de passeios públicos, sem que isso represente qualquer ingerência nas atribuições do Poder Executivo. Própria lei impugnada prevê que a instalação do "parklet" depende de requerimento a ser submetido ao órgão municipal competente, sem predefini-lo. Texto legal não respalda a afirmação ou presunção de que foram criadas novas atribuições a órgãos específicos da administração. Pedido julgado improcedente. (TJ SP. ADI n° 2252720-33.2017.8.26.0000. Rel. Des. Márcio Bartoli.)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE SISTEMA DE CALÇADAS ECOLÓGICAS - LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO - MATÉRIA AMBIENTAL - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA - INCONSTITUCIONALIDADE APENAS DA IMPOSIÇÃO DA CRIAÇÃO DE BANCO DE DADOS PELA SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE, POIS SE TRATA DE ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ARI. 47, II, XIV o XIX, a, da CE) - JULGA-SE PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. (TJ-SP - ADI: 01407587820138260000 SP 0140758-78.2013.8.26.0000, Relator: Antonio Vilenilson, Data de Julgamento: 27/11/2013, Órgão Especial, Data de Publicação: 05/12/2013).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI Nº 13.882, DE 2 DE SETEMBRO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO QUE DISPÕE SOBRE A POSTURA MUNICIPAL EM PARQUES PÚBLICOS, AUTORIZANDO A ENTRADA DE ANIMAIS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO PODER LEGISLATIVO E EXECUTIVO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. AÇÃO IMPROCEDENTE. Direta de Inconstitucionalidade: 2228138-03.2016.8.26.0000 Autor: Prefeito do Município de Ribeirão Preto Réu: Presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto.

Ainda que, a priori, a matéria esteja adequada ao ordenamento constitucional do ponto de vista material, não descabe ressaltar que o art. 5º, XV, da Constituição Federal, assegura a liberdade de locomoção em todo o território nacional e que o direito à acessibilidade é um dos primados do princípio da igualdade, estando assegurado constitucionalmente às pessoas com deficiência[3].

O Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97, por sua vez, em seu Anexo I, traz os seguintes conceitos legais:

CALÇADA - parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.

PASSEIO - parte da calçada ou da pista de rolamento, neste último caso, separada por pintura ou elemento físico separador, livre de interferências, destinada à circulação exclusiva de pedestres e, excepcionalmente, de ciclistas.

VIAS E ÁREAS DE PEDESTRES - vias ou conjunto de vias destinadas à circulação prioritária de pedestres.

Além disso, ao dispor sobre os elementos da urbanização, a Lei Federal nº 10.098/2000 (chamada de Lei da Acessibilidade) estabelece, entre outras disposições, o seguinte:

Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para todas as pessoas, inclusive para aquelas com deficiência ou com mobilidade reduzida. (Redação dada pela Lei 13.146/2015)

Parágrafo único. O passeio público, elemento obrigatório de urbanização e parte da via pública, normalmente segregado e em nível diferente, destina-se somente à circulação de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano e de vegetação. (Incluído pela Lei 13.146/2015).

A propositura legislativa estabelece, ademais, que a colocação de placas publicitárias nos passeios públicos prescindirá, via de regra, de prévia autorização do Município, desde que:

  1. sejam removíveis;
  2. sejam instaladas em faixa para elementos de urbanização junto ao meio-fio;
  3. observem a faixa mínima para circulação de pessoas de 1,50m;
  4. reservem uma faixa livre de 1,00 m (um metro) de cada lado do vão de entrada de acessos a garagens;
  5. não sejam instalados em esquinas, ou impeçam o acesso à faixa de segurança;
  6. garantam a acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Por outro lado, a proposta proíbe a instalação de qualquer equipamento ou interferência na área reservada à faixa de livre circulação, em observância às normas de acessibilidade e garantindo o livre trânsito de pedestres e reserva ao Poder Executivo Municipal a regulamentação via Decreto da matéria, e.g. a definição da largura da faixa livre em casos específicos, o comprimento e formato das placas, cavaletes e similares.

Ressalta-se, ademais, a exigência de ampla divulgação da presente proposição conforme exige a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 46, já que pretende alterar o Código de Posturas Municipal, e, ainda, a necessidade de aprovação por maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa, já que se trata de matéria reservada a Lei Complementar.

[1] Estudos e Pareceres de Direito Público, Ed. RT, 1984, pág. 24

[2] Direito Municipal Brasileiro", 6ª ed., Ed. Malheiros, págs. 370,371.

[3] A Lei Federal nº 7.853/1989, que “dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências”, prevê o seguinte: V – na área das edificações: a) a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência, permitam o acesso destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte. (…)

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 126/2021, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que respeitadas as exigências do artigo 46 da Lei Orgânica Municipal - ampla divulgação para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal, por ser matéria reservada a Lei Complementar.

É o parecer.

 

Guaíba, 06 de agosto de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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06/08/2021 11:22:52
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