Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 004/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 245/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com Enio Airton Silva de Oliveira"

1. Relatório:

Veio a esta Procuradoria, para parecer, consulta jurídica solicitada pelo Ver. Alex Medeiros (PP), Presidente da Comissão de Justiça e Redação, acerca de se, na hipótese de não aprovação do PLE nº 004/2020, o permutante particular teria direito a indenização pela desapropriação indireta do imóvel particular ou se haveria ocorrência do instituto da prescrição de ação de desapropriação indireta do bem em questão.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, a lição de DIÓGENES GASPARINI define o instituto da Desapropriação Indireta:

“Indireta é a desapropriação em que não se obedeceu a esse procedimento (expropriatório). Não há ato declaratório, nem fase executória, mas o Poder Público expropriante entra na posse do bem e passa a agir como se fosse seu proprietário” (Direito Administrativo. Editora Saraiva, 13ª edição, fls. 817).

O instituto que melhor se adapta ao caso em análise, de fato, é a desapropriação indireta, descrita pela administrativista MARIA SYLVIA ZANELLA DE PIETRO: “desapropriação indireta é a que se processa sem observância do procedimento legal; costuma ser equiparada ao esbulho e, por isso mesmo, pode ser obstada por ação possessória.”.

2.1. Da desapropriação indireta e do risco de prescrição

O IGAM, na Orientação Técnica nº 6.621/20, mencionou que a situação apresentada na exposição de motivos permite inferir que houve fato administrativo, no ano de 1982, pelo qual o Município de Guaíba se apossou indevidamente de imóvel particular ao proceder à abertura de via pública no loteamento conhecido como Vila Jardim, em prejuízo do proprietário do bem, que ficou permanentemente privado de seu uso, gozo e disposição. Tal fato concretiza o que a doutrina e a jurisprudência brasileira definem como desapropriação indireta, que “ocorre quando o Estado (Poder Público) se apropria do bem de um particular sem observar as formalidades previstas em lei para a desapropriação, dentre as quais a declaração indicativa de seu interesse e a indenização prévia[1]”, constituindo esbulho possessório.

Na desapropriação indireta, o Poder Público se apossa administrativamente de imóvel particular sem concretizar as formalidades exigidas pela legislação para a desapropriação (declaração de utilidade/necessidade pública ou interesse social e prévia indenização justa e em dinheiro). São soluções possíveis ao caso de apossamento administrativo: 1) se o bem não estiver afetado a uma finalidade pública, caberá ação possessória para que o prejudicado possa retomar a posse; 2) se o bem estiver afetado a uma finalidade pública, considera-se ocorrido fato consumado e só caberá ao particular uma indenização pela expropriação indireta.

A indenização ao particular privado de seu bem por força do apossamento administrativo decorre de condenação do Estado (lato sensu) em “ação de desapropriação indireta”, que consiste em demanda proposta contra o Poder Público pelo fato de ter se apossado indevidamente de um bem sem observar as formalidades exigidas para a desapropriação. O fundamento para a ação de desapropriação indireta encontra-se no art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que assim dispõe:

“Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.

A Súmula 119 do Superior Tribunal de Justiça prevê que a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos. Ocorre que tal verbete foi estabelecido na época em que vigente o Código Civil de 1916, que previa, como regra geral, a prescrição em 20 anos. O Código Civil de 2002, por outro lado, reduziu a regra geral do prazo prescricional para 10 anos (art. 205), fato que lançou dúvidas entre os juristas sobre a prescrição da referida demanda.

Recentemente, no REsp nº 1.575.846-SC, o STJ definiu que, na vigência do Código Civil de 2002, o prazo prescricional para a ação de desapropriação indireta é, como regra, de 10 anos, aplicando-se o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil, que trata da usucapião extraordinária com prazo reduzido, pela presunção de que, ao apossar-se administrativamente de imóvel, o Poder Público nele teria realizado obras ou serviços públicos. A presunção, contudo, é relativa, de forma que, existindo prova concreta de que não foram feitas obras ou serviços públicos no local, o prazo prescricional para a ação de desapropriação indireta será de 15 anos, pela regra geral da usucapião extraordinária:

Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é de 10 anos porque existe uma presunção relativa de que o Poder Público realizou obras ou serviços públicos no local. Admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de 15 anos, caso a parte interessada comprove, concreta e devidamente, que não foram feitas obras ou serviços no local, afastando a presunção legal. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 6. Especificamente na hipótese dos autos, o Tribunal de origem consignou no voto condutor que a prescrição está configurada porque iniciado o prazo em 12/1/2003, data de entrada em vigor do CC, o prazo decenal se finalizou em 12/1/2013, e o ajuizamento da ação ocorreu em 6/5/2013 (fls. 199), quando nitidamente já escoado o prazo prescricional de 10 anos. Dessa feita, não merece reforma o acórdão hostilizado. (STJ. 1ª Seção. EREsp 1.575.846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/06/2019)

Feito esse esclarecimento teórico, cabe mencionar, ainda, a norma de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002, acerca dos prazos prescricionais: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.” Nesses termos, sendo de 10 ou, excepcionalmente, 15 anos o prazo prescricional da ação de desapropriação indireta no Código Civil de 2002, inegável que houve redução em comparação ao Código Civil de 1916, que previa a prescrição geral em 20 anos. Em tal situação, é da lei anterior (CC/1916) o prazo de prescrição se, antes da entrada em vigor do CC/2002 (11 de janeiro de 2003) já houver transcorrido mais da metade do prazo previsto na lei anterior.

No caso concreto, supondo-se que o apossamento administrativo tenha ocorrido no ano de 1982, como discorreu o IGAM, tem-se que continua sendo aplicável o prazo prescricional do Código Civil de 1916 (20 anos), uma vez que, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11/01/2003), já havia transcorrido mais de 10 anos do mencionado apossamento.

Na realidade, considerando-se ocorrida a desapropriação indireta em 1982, o prazo prescricional para a respectiva ação teria se esvaído já em 2002, antes mesmo da entrada em vigor do CC/2002. Neste sentido, veja-se decisão do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRAZO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. RECURSO DE AGRAVO INTERPOSTO FORA DO PRAZO. INTEMPESTIVIDADE. I - Na origem, trata-se de ação de indenização por desapropriação indireta contra a Prefeitura Municipal de Carapicuíba, objetivando a condenação do ente municipal réu ao pagamento da quantia equivalente ao valor apurado no laudo efetuado à época da expropriação. II - No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu-se provimento ao recurso de apelação dos expropriados, reformando a decisão monocrática que julgou extinto o direito de ação dos particulares em decorrência da prescrição operada com o transcurso do lapso temporal superior a dez anos. III - Nesta Corte não se conheceu do recurso especial. A decisão de fls. 229 que não conheceu do recurso transitou em julgado no dia 17 de setembro de 2019. Certificado o trânsito, a parte apresenta petição avulsa, protocolada em 30 de setembro de 2019. IV - Conheço da petição como agravo interno, pois a parte agravante pretende a reforma da decisão. V - A interposição de agravo interno após o prazo legal de quinze dias úteis implica o não conhecimento do recurso, por intempestividade, nos termos do art. 1.021, c/c os arts. 219, 1.003,§ 5º, e 1.070 do Código de Processo Civil de 2015. VI - Petição conhecida como agravo interno. Agravo interno não conhecido. (AREsp 1182057/SP).

Por outro lado, cabe identificar quando se deu, efetivamente, o termo inicial da contagem do prazo prescricional e se foi eventualmente suspenso ou interrompido. A priori, o prazo prescricional tem início na data do apossamento pelo Estado, sendo esta a posição do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 151.243-PR, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma do STJ, DJU de 02.05.2000, p. 130). Para a PGE-MG, cediço que a data inicial para fins de contagem do prazo prescricional deve coincidir com a imissão na posse pelo Estado. No entanto, a questão pode ter outras nuances, as quais devem ser levadas em consideração, especificamente quanto a hipóteses de interrupção ou suspensão do prazo prescricional (se houve atos praticados pela administração pública que obstaram a fluência do prazo para o término do direito do expropriado).

[1] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O prazo prescricional no caso de ação de desapropriação indireta é, em regra, de 10 anos; excepcionalmente, será de 15 anos caso de comprove que não foram feitas obras ou serviços públicos no local . Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:

 <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2adcfc3929e7c03fac3100d3ad51da26 

3. Conclusão:

Diante do exposto, considera-se haver possível ocorrência do instituto da prescrição de ação de desapropriação indireta do bem em questão, a qual, se consumada, caracterizará como extinta a pretensão do particular ao recebimento de indenização. Em relação à ocorrência da prescrição, deve-se identificar o termo inicial, sendo que a posição do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 151.243-PR) é de que o prazo prescricional tem início na data do apossamento pelo Estado, alertando para a necessidade de verificação de se houve atos praticados pela administração pública que obstaram a fluência do prazo para o término do direito do expropriado.

Entretanto, ainda que tenha ocorrido a prescrição de ação, destacamos que a permuta pretendida e a propositura do PLE em questão é ato discricionário do Poder Executivo Municipal.

Não menos importante, em caso de apreciação do PLE nº 004/2020 em Plenário, cabe ressaltar que ainda que tenha ocorrido a atualização da avaliação do imóvel em questão pelo Poder Executivo Municipal no atual exercício, faz-se ainda necessária a consequente e devida atualização do valor na Cláusula Terceira do Termo de Permuta Anexo ao Projeto de Lei do Executivo nº 004/2020.

É o parecer.

                                      Guaíba, 02 de agosto de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
03/08/2021 16:09:53
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 03/08/2021 ás 16:09:15. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 2f05320691fce995bd1a7e08ae6f87b9.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 96116.