Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 033/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 240/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar financiamento na linha de crédito de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento – FINISA, junto à Caixa Econômica Federal, a oferecer garantia da União e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 033/2021 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar financiamento na linha de crédito de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento – FINISA, junto à Caixa Econômica Federal, a oferecer garantia da União e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do RI, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

Na Exposição de Motivos encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, o proponente expõe os motivos do projeto, aduzindo que os recursos da ordem de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), advindos do empréstimo serão investidos em aparelhamento da usina de asfalto, através de compra de equipamentos essenciais, e ainda para fins de investimento em reformas destinadas a prédio da Secretaria de Saúde do Município de Guaíba.

2. mérito:

Preliminarmente, quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 30, que possui o Município a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, além de:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

(...)

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, o artigo 119 da Lei Orgânica Municipal atribui ao Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativa exclusiva de projetos de lei que tratem de matéria orçamentária, organização administrativa e serviços públicos, incluídos aí os que autorizam a abertura de crédito, contrair empréstimos e a realização de operações de crédito:

Art. 119. É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

Assim sendo, está adequada a proposição quanto à competência municipal e bem exercida a iniciativa para a deflagração da propositura legislativa em apreço.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), lei que em regime nacional estabelece parâmetros a serem seguidos relativos ao gasto público de cada ente federativo brasileiro e um dos mais fortes instrumentos de transparência em relação aos gastos públicos, indica os parâmetros para uma administração eficiente, trazendo o conceito de operação de crédito (artigo 29, inciso III):

 Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

(...)

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;

Com efeito, a Constituição Federal exige a aprovação legislativa para as matérias que digam respeito a operações de crédito, norma de repetição obrigatória para os demais entes federados:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado;

Por sua vez, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 52, diante da observância compulsória no texto constitucional estadual de certas normas constitucionais, também estabelece a competência do Poder Legislativo Estadual de dispor sobre operações de crédito:

Art. 52. Compete à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, não exigida esta para o especificado no art. 53, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre:

(...)

VI - abertura e operações de crédito;

Da mesma forma, a Lei Orgânica Municipal, reproduzindo as normas constitucionais que exigem a autorização legislativa para operações de crédito dos entes, estabelece tal competência em seu artigo 27, inciso X, in verbis, bem como em seu artigo 118, IV:

Art. 27. Compete a Câmara Municipal com a sanção do Prefeito:

(...)

X - deliberar sobre empréstimos e operações de crédito, bem como a forma e os meios de seu pagamento;

Art. 118 Compete à Câmara, com a sanção do Prefeito, dispor sobre as matérias de competência do Município, especialmente:

(...)

IV - autorizar a abertura de operações de crédito;

 

A autorização legislativa pretendida em questão é um dos documentos que serão encaminhados ao Ministério da Economia, através do programa SADIPEM, para a verificação de limites e condições técnicas da dívida pública do Município. Ou seja, a autorização legislativa não garante o recebimento do recurso, é apenas parte do rol de informações e documentos que serão analisados.

O ordenamento jurídico pátrio prevê a possibilidade, ademais, da Lei Orçamentária Anual – LOA, conter dispositivo autorizando a contratação de operações de crédito. É o que estabelece o art. 165 da Carta Magna, ao dispor sobre a contratação de operações de crédito:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

(...)

§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

Por sua vez, o art. 167, IV, também da Constituição Federal, abre exceção para permitir a vinculação de receita de impostos à prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, nos termos do que pretende o PL nº 033/2021 em seu artigo 2º:

Art. 167. São vedados:

(...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

Em relação à vinculação de receitas decorrentes de transferências constitucionais para a prestação de garantia à operação de crédito (art. 158 da CF), há profunda divergência jurídica acerca da interpretação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal, existindo duas interpretações possíveis.

A primeira delas, que pugna pela possibilidade da vinculação, tem fundamentos semelhantes à interpretação exarada quanto à receita do Fundo de Participação dos Municípios. Segundo tal corrente, as receitas oriundas de transferências constitucionais aos Municípios (art. 158 da CF/88) não possuem natureza de receitas de impostos, mas de receitas de transferências, ingressando no erário municipal como transferências correntes, que não se confundem com a receita tributária (art. 11, § 4º, da Lei 4.320/1964). Desse modo, perderiam a natureza de receitas de impostos, não incidindo na vedação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal. Essa é a interpretação da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo, a qual, no Parecer nº 11.776/2017[4], assim explanou:

Nenhuma das interpretações é despida de lógica, mas a primeira continua nos parecendo melhor. Para os entes que recebem transferências, a receita em questão não se trata de receita de impostos ou mesmo tributária, pois não foram arrecadadas pelo ente por meio de tributos. Trata-se de ingresso corrente derivada da repartição constitucional de receitas prevista na Constituição -- mais especificamente, de transferências correntes, cf. art. 11 da Lei federal nº 4.320. Portanto, se para o Estado a receita derivada da arrecadação de ICMS seria uma 'receita de impostos' (não passível de vinculação, portanto), para os Municípios recebedores da transferência constitucional seria uma receita não-tributária. Ela perderia, portanto, a qualidade de' receita de impostos'.

[...]

Ademais, parece-nos que, se o constituinte pretendesse incluir na vedação de vinculação a receita oriunda das transferências constitucionais, ele poderia tê-lo feito de forma expressa, proibindo a vinculação da receita de impostos e da receita oriunda de transferências derivadas da repartição da receita de impostos. Ou poderia ter proibido a vinculação de qualquer receita tributária, salvo as receitas dos tributos naturalmente vinculados (taxas e contribuições). Vale ressaltar que a repartição das receitas tributárias é tratada, na Constituição, em seção diversa das seções referentes aos impostos dos entes federativos.

A jurisprudência dos Tribunais já admitiu a vinculação das receitas de transferências constitucionais:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - NORMA MUNICIPAL AUTORIZANDO O PODER EXECUTIVO A VINCULAR REPASSE DE ICMS AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CELEBRADA COM CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - VEDAÇÃO DO ART. 167, IV, CF - INAPLICABILIDADE - NORMA QUE SE APLICA APENAS AOS TRIBUTOS PRÓPRIOS E NÃO AOS REPASSES - ORIENTAÇÃO SEDIMENTADA PELO PRETÓRIO EXCELSO. 1. O e. Supremo Tribunal Federal, a quem compete em última instância consolidar exegese sobre o conteúdo de norma constitucional, sedimentou entendimento no sentido de que a vedação de que trata o inciso IV, do art 167, da lei maior, não se aplica aos repasses de ICMS. Destarte, como o art. 160, da Constituição Federal, trata de limitação imposta ao ente responsável pela realização da transferência, e não àquele por ela beneficiada, constitucional a norma municipal que autoriza o Poder Executivo a vincular transferências de ICMS ao cumprimento de obrigação celebrada com concessionária de serviço público. 2. Arguição julgada improcedente. (Arguição de Inconstitucionalidade n° 0142749-60.2011.8.26.0000, Órgão Especial, data do julgamento 14/09/2011, Relator Artur Marques).

 Embora haja divergência (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 665.291/RS, Primeira Turma, Relator Min. Roberto Barroso, 16/02/2016), também há precedente do STF afirmando que a vedação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal só alcança os  tributos da competência própria do ente político, já que as receitas decorrentes de transferências constitucionais não teriam natureza de receitas de impostos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MOLDURA FÁTICA. Na apreciação do enquadramento do recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais, parte-se da moldura fática delineada pela Corte de origem. Impossível é pretender substituí-la para, a partir de fundamentos diversos, chegar-se a conclusão sobre o desrespeito a dispositivo da Lei Básica Federal. CONDENAÇÃO JUDICIAL - ACORDO - PARCELAMENTO. Em se tratando de acordo relativo a parcelamento de débito previsto em sentença judicial, possível é a dispensa do precatório uma vez não ocorrida a preterição. ACORDO - DÉBITO - ICMS - PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO. Inexiste ofensa ao inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, no que utilizado o produto da participação do município no ICMS para liquidação de débito. A vinculação vedada pelo Texto Constitucional está ligada a tributos próprios. (RE 184116, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 07/11/2000, DJ 16-022001 PP-00139 EMENT VOL-02019-02 PP-00419)

Quanto à receita proveniente do Fundo de Participação dos Municípios, ressalta-se, não há proibição de sua vinculação por haver parecer vinculante exarado pela AGU nesse sentido[1] e, quanto às receitas decorrentes de transferências constitucionais (art. 158 da CF), há profunda divergência jurisprudencial, existindo, todavia, razoável interpretação pela viabilidade dessa vinculação.

Por sua vez, a Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF), estabelece em seu art. 32 as seguintes considerações sobre operação de crédito, exigindo a prévia e expressa autorização na LOA para a contratação de operações de crédito:

Da Contratação

Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.

§ 1º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:

I – existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica.

[...]

Deve ser observado pelo ente Municipal quanto à contratação de operação de crédito, ademais, no sentido do que estabelecem as normas constitucionais e da LOM referidas supra, as regras da Resolução nº 43, do Senado Federal, incluída a exigência de autorização legislativa (art. 21, inciso II), estando correto nesse sentido o envio do projeto de lei por parte do Executivo aos Legislativos Municipais.

A realização da operação de crédito deve ser analisada diante do balizamento do valor do empréstimo com os juros e prazos de amortização comparando-se esse valor com a situação financeira do Município de Guaíba. Cabe, por seu turno, aos Vereadores, a análise quanto ao interesse público advindo do financiamento, analisando as informações encaminhadas pelo Poder Executivo junto ao Projeto.

Pode-se constatar que a Lei Orçamentária Anual para o exercício financeiro de 2021 (Lei nº 3.938/2021 - Estima Receita e Fixa a Despesa do Município para o exercício financeiro de 2021), em seu artigo 4º, autoriza o Poder Executivo Municipal a realizar operações de crédito por antecipação de receita orçamentária no decorrer do exercício, estando assim atendido o disposto no art. 32, inciso I, da LRF, no que diz respeito à existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica.

 

No que diz respeito ao que prevê o art. 5º do PLE 036/2021, prevendo autorização para abertura de crédito adicional, recomenda-se sua verificação pormenorizada para preferencialmente constar o valor ou estimativa do crédito adicional a ser autorizado (art. 167, VII, da Constituição Federal). Ainda, ressalta-se que acompanham o PLE, em anexo, algumas das condições do financiamento, havendo prazo de amortização, carência, mas não a taxa de juros e o custo efetivo total.

 

Por fim, refoge à esta Procuradoria a análise quanto ao cumprimento do disposto no art. 167, inciso III da CF/88 (ou art. 12, § 2º da LRF) no que se referem à vedação da realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.

2.1. DOS QUÓRUNS DE PRESENÇA E DE APROVAÇÃO

 

Tratando-se de proposição que diz respeito à matéria que autoriza operação de crédito, a Lei Orgânica Municipal exige quóruns específicos, tanto de presença quanto de aprovação do empréstimo (presença de 11 vereadores e aprovação de 9 vereadores, respectivamente). É o que se depreende da leitura da norma orgânica prevista no art. 18, § 2º:

Art. 18 (...)

§ 2º Quando se tratar de votação do Plano Diretor, do Orçamento, de empréstimo, de auxilio a empresa, de concessão de privilégios e de matéria que verse interesse particular, o quórum mínimo prescrito é de 2/3 (dois terços) de seus membros, e as deliberações são tomadas pelo voto da maioria absoluta dos Vereadores.

[1] Advocacia-Geral da União. Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 033/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Faz-se necessária Emenda Retificativa da Comissão de Constituição, Justiça e Redação ou elaboração de Redação Final para correção da Ementa, para que conste a expressão “oferecer garantia à União”.

Por último, cabe ressaltar os quóruns exigidos pelo art. 18, § 2º da LOM - presença de 2/3 e aprovação por maioria absoluta, por se tratar de votação de empréstimo.

É o parecer.

Guaíba, 29 de julho de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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29/07/2021 19:20:20
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