Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 035/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 237/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos já homologados durante o período de vigência do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus (COVID-19) no Município de Guaíba/RS"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 035/2021 à Câmara Municipal, que dispõe sobre a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos já homologados durante o período de vigência do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus (COVID-19) no Município de Guaíba/RS. A proposição foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

O Projeto de Lei nº 035/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, dispõe sobre a suspensão do prazo de validade dos concursos públicos já homologados durante o período de vigência do estado de calamidade pública em razão da COVID-19. O proponente justifica o projeto com o argumento de que se busca amenizar as dificuldades que os candidatos aprovados em concursos públicos vêm enfrentando, situação ocorrida em todo o país e que também afeta o Município de Guaíba. A medida, nesse sentido, visa preservar o prazo de validade desses concursos devido às limitações impostas pela Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, evitando o desperdício de recursos públicos com a realização de novos concursos públicos.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida pretendida por meio do Projeto de Lei nº 035/2021 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que dispõe sobre os prazos de validade dos concursos públicos da esfera estritamente municipal, matéria que diz respeito à autonomia administrativa do Município, insculpida no art. 18 da CF/88: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata de organização administrativa, de servidores públicos e provimento de cargos, medidas de iniciativa privativa do Prefeito, nos termos do art. 60, II, alínea “b”, da Constituição Estadual Gaúcha e, simetricamente, do artigo 119, II e III, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer violação ao conteúdo material da CF/88 e da CE/RS. Nesse sentido, observa-se que a matéria vem sendo aprovada em diversos entes federados e em várias instituições autônomas como forma de evitar o transcurso dos prazos de validade de concursos públicos sem que seja possível a convocação de aprovados – a não ser por reposições de vacâncias – em razão das vedações da LC nº 173/2020.

Tem-se, como exemplo, a Recomendação nº 64, de 24 de abril de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos realizados durante a vigência do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, como meio de mitigar o impacto resultante das medidas de combate à contaminação causada pela COVID-19:

Art. 1º Recomendar a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos realizados pelos órgãos do Poder Judiciário, pelo período de vigência do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

§ 1º Para os fins do caput deste artigo, considerar-se-ão os concursos públicos realizados pelo Poder Judiciário com prazos de validade não expirados até a data da publicação desta Recomendação.

§ 2º Os prazos de que trata o caput deste artigo serão retomados após a cessação dos efeitos do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Art. 2º Os tribunais darão ampla publicidade aos atos relativos aos certames cujos prazos de validade foram prorrogados em veículo oficial e nos respectivos sites institucionais.

Art. 3º Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.

Também, nessa mesma linha, a Recomendação nº 81/2021, que recomenda aos ramos do Ministério Público que avaliem a pertinência de prorrogar, até 31 de dezembro de 2021, a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos vigentes, tendo em conta as necessidades sanitárias da localidade.

Em âmbito municipal, veja-se a Lei Municipal nº 6.918, de 2 de junho de 2021, do Município de Pelotas/RS, que dispõe sobre a suspensão do prazo de validade dos concursos públicos municipais, prevendo em seu art. 2º a suspensão dos certames do período de 19 de março de 2020 a 31 de dezembro de 2021.[1]

A medida vai ao encontro dos princípios da economicidade e do interesse público, considerando que evita desgaste e perdas de recursos orçamentários com a realização de novos concursos públicos após o término da vigência da LC nº 173/2020 e evita, também, a movimentação de toda a máquina administrativa para a execução de certames.

A previsão do parágrafo único do art. 1º está de acordo com o voto do relator da Proposição nº 1.000421/2020-01, Sr. Luiz Fernando Bandeira de Mello, que resultou na referida recomendação do CNMP, tendo sido defendida a posição de que, mesmo com a suspensão do prazo de validade dos concursos, há possibilidade de nomeações em observância aos critérios definidos pelo art. 8º, IV, da LC nº 173/2020:

Descrito o contexto fático e jurídico, entendo que a Recomendação a ser expedida pelo CNMP deve orientar a suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos homologados até a data da decretação do estado de calamidade, não obstando a efetivação de nomeação dos órgãos que se encontrem aptos a fazê-lo, sendo lícito durante o referido lapso temporal que cargos públicos sejam providos, na forma autorizada por lei.

Além disso, cabe destacar que, embora a CF/88 regulamente a questão do prazo de validade dos concursos públicos em termos relativamente rígidos – prazo de até 2 anos, prorrogável uma vez pelo mesmo período (art. 37, III) –, a proteção do princípio da isonomia resguarda a possibilidade dessa suspensão, pois a pandemia de COVID-19 criou uma situação de desigualdade para os candidatos aprovados em concursos públicos durante o período de vigência da LC nº 173/2020, que só podem ser nomeados em situações bastante específicas, notadamente nas reposições de vacâncias de cargos públicos.

Portanto, a partir de uma interpretação constitucional que busca a máxima efetividade dos direitos fundamentais – economicidade, interesse público, isonomia e proteção da confiança –, resulta que o Projeto de Lei nº 035/2021 encontra amparo constitucional e, a nosso ver, está apto juridicamente para votação.

[1] https://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/pelotas/lei-ordinaria/2021/692/6918/lei-ordinaria-n-6918-2021-dispoe-sobre-a-suspensao-do-prazo-de-validade-dos-concursos-publicos-municipais-e-da-outras-providencias?r=p

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 035/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 28 de julho de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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28/07/2021 15:54:30
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