Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 032/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 226/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Programa Auxílio Emergencial para os licenciados do setor de transportes de escolares do município nos termos da Lei Municipal nº 3221/2014."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 032/2021 à Câmara Municipal, o qual “Institui o Programa Auxílio Emergencial para os licenciados do setor de transportes de escolares do município nos termos da Lei Municipal nº 3.221/2014.”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88), objetos do presente projeto de lei.

Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento em nossa Constituição Federal, pois, em última análise, tutela a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a promoção do bem comum e a solidariedade, valores retratados como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...)

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Título VIII, que trata da “Ordem Social”, mais especificamente no Capítulo II, que ordena a Seguridade Social, estabelece que esta compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194).

Mais especificamente, o art. 203 refere que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Da mesma forma, a Lei Orgânica Municipal possui disposições que visam proteger a população quanto às necessárias medidas de assistência social a cargo do poder público, especialmente em situações de calamidade como a que se vivencia no momento, bem como estabelece o dever de combate à miséria:

Capítulo XI
                  DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

SEÇÃO

PRINCÍPIOS GERAIS


Art. 128 Em cumprimento do que estabelece a Constituição Federal, Estadual e Lei Orgânica Municipal, o Município terá regrada a sua atuação pelos seguintes princípios:

I - promoção do bem estar físico, mental e social do homem com o fim essencial da produção e do desenvolvimento econômico;

II - valorização econômica s social do trabalho e trabalhador, associada a uma política de expansão das oportunidades de emprego e de humanização do processo social de produção, com a defesa dos interesses do povo;

(...)

VIII - integração das ações do Município com as da União Estado, no sentido de garantir a segurança social destinada a tornar efetivos os direitos ao trabalho, à educação, ao desporto, ao lazer, à saúde, à habitação e à assistência social, especialmente dirigidas ao menor e ao idoso;

Art. 130. Na organização de sua economia, o Município combaterá a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a propriedade improdutiva, a marginalizarão do indivíduo, o êxodo rural, a economia predatória e todas as formas de degradação da condição humana.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 032/2021 propõe a criação de um programa de assistência social emergencial para os licenciados do setor de transportes de escolares do município, tratando eminentemente de política de assistência social com considerável repercussão financeira, para o que se considera haver iniciativa privativa devido à reserva de administração baseada na cláusula da separação de poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. A finalidade principal da proposta legislativa, ao instituir a criação do Programa Auxílio Emergencial para os licenciados do setor de transportes de escolares do município, visa reduzir os impactos causados pela pandemia do novo Coronavírus. Nesse sentido, Em 7 de dezembro de 1993, a União editou a Lei n.º 8.742, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, que prevê, em seu art. 1º, que “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”.

Os benefícios eventuais, portanto, caracterizam-se por seu caráter suplementar e provisório, cujo objetivo é de dar suporte aos cidadãos e suas famílias em momentos de fragilidade advindos de nascimento, da morte, das situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.

Por outro lado, quanto à necessidade de apresentação da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, nos termos do inciso I do artigo 14 da LRF, haveria, via de regra, a necessidade de que para a regular tramitação da proposta, esse fosse acostado aos autos, nos termos do que exige o ordenamento jurídico vigente.

Ocorre que a recentíssima Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, acrescentou o art. 167-D à Constituição Federal, flexibilizando e afastando as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal nos casos das proposições legislativas se exclusivamente com objetivo de enfrentamento de calamidade se vigorarem e tiverem efeitos restritos à duração da calamidade:

"Art. 167-D. As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Diante desse fundamento, seria admissível o afastamento da norma constante do art. 14, da LRF, concedendo o auxílio emergencial sem o devido impacto, se comprovadamente se tratar de medida de enfrentamento da pandemia pela COVID-19 com vigência e efeitos restritos à duração da calamidade.

Quanto à abertura de crédito especial (art. 10), a Lei Federal nº 4.320/64, no seu Título V, disciplina a abertura de créditos adicionais. Segundo o artigo 40, créditos adicionais são “as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento ou para aquelas urgentes e não previstas.” Eles podem ser classificados em três modalidades: suplementares, que são destinados a reforço de dotação orçamentária; especiais, que são destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica; e extraordinários, que são destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública (artigo 41, incisos I, II e III). Nesse sentido, questiona-se se não seria a hipótese de autorização de abertura de crédito adicional, se for o caso de a medida não ter sido computada na Lei do Orçamento e tendo em vista que estes são autorizados somente por Lei - o artigo 42 da Lei Federal nº 4.320/64 prevê que “Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo.”

Por fim, a proposição envolve matérias complexas e muito relevantes sob o ponto de vista das políticas públicas, recomendando-se, por sua extensão e relevância, uma análise detida por parte de todos os atores políticos envolvidos.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 032/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, atendidas as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) no caso de o auxílio emergencial ter o propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desnecessária a apresentação de impacto orçamentário-financeiro, nos termos do recentíssimo art. 167-D da Constituição Federal, acrescentado pela EC 109/2021.

 

Cabe observar, ainda, as ressalvas em relação à necessidade de previsão de abertura de crédito adicional para as despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento ou para aquelas urgentes e não previstas.

É o parecer.

Guaíba, 13 de julho de 2021.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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13/07/2021 18:26:34
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