Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 109/2021
PROPONENTE : Ver. Tiago Green e Ver. Juliano Ferreira
     
PARECER : Nº 220/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o impedimento dos estabelecimentos que não cumprirem a cota de contratação de aprendiz prevista no caput do artigo 429 da CLT, contratarem com o Município de Guaíba"

1. Relatório:

Os Vereadores Juliano Ferreira (PTB) e Tiago Green (PTB) apresentaram à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 109/2021, o qual “Dispõe sobre o impedimento dos estabelecimentos que não cumprirem a cota de contratação de aprendiz prevista no caput do artigo 429 da CLT, contratarem com o Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Mérito:

 

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º) - parlamento em que o controle vem sendo exercido, e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Cabe, antecipadamente, analisar se a proposição encontra respaldo no que diz respeito à competência legislativa e à competência material propriamente dita do Município, contemplando ou não o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios.

Em se tratando de repartição de competências para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, a CF/88 estabelece competência da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República (CR), consoante jurisprudência do TJRS e do E. STF:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

II - desapropriação;

III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

(...)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PELOTAS. LEI MUNICIPAL N.º 6.275, DE 23 DE SETEMBRO DE 2015. PROJETO DE LEI ORIGINÁRIO DA CÂMARA DE VEREADORES QUE PROÍBE OS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CELEBRAR OU PRORROGAR CONTRATO COM PESSOA JURÍDICA QUE TENHA EFETUADO DOAÇÃO PARA PARTIDO POLÍTICO OU CAMPANHA ELEITORAL. OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO LEGISLAR ACERCA DE MATÉRIA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS. VÍCIO MATERIAL. OFENSA AO ARTIGO 22, INCISO XXVII, DA CF/88, E ARTIGOS 1º E 8º, CAPUT, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70067053199, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 06/06/2016)

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 3.041/05, DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES COM O PODER PÚBLICO. DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA HABILITAÇÃO. CERTIDÃO NEGATIVA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DO CONSUMIDOR. DISPOSIÇÃO COM SENTIDO AMPLO, NÃO VINCULADA A QUALQUER ESPECIFICIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR INVASÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA (ART. 22, INCISO XXVII, DA CF). 1. A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida pela Constituição (art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante o estabelecimento de condições de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela autoridade responsável pela condução do processo licitatório, que poderá estabelecer elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e econômica, sempre vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas. 2. Somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. 3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a Administração local. 4. Ao dispor nesse sentido, a Lei Estadual 3.041/05 se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos, e, com isso, usurpou a competência privativa da União de dispor sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3735, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017)

Diante desse contexto constitucional normativo, deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município institua norma sobre impedimento de contratar com a administração, como pretende a proposição, caracterizando desarmonia com o as regras constitucionais de competência, sendo as regras de distribuição de competências legislativas alicerces do federalismo.

 

Constata-se que a Constituição Federal assegura à União a competência legislativa para dispor sobre restrições ao direito de participar de licitações (artigo 22, XXVII, da Constituição Federal), efetivamente a matéria sobre a qual o Projeto de Lei nº 109/2021 pretende dispor (cabe referir que a jurisprudência do E. STF considera que a competência que assiste aos Estados e ao Distrito Federal, em matéria de licitação, é de natureza suplementar - ADI 3059, cujo julgamento foi concluído em 09/04/15).[1]

Assim, verifica-se que a carta republicana, na repartição das competências aos entes federados não conferiu aos municípios a possibilidade de legislar sobre o assunto, que diz respeito à competência da União, a qual, no desempenho desta competência, promulgou a lei federal 8.666/93, em que se encontram elencados, de forma exaustiva, os documentos exigíveis para a participação em procedimento licitatório.

A lição de Marçal Justen filho corrobora tal entendimento, tendo o eminente doutrinador afiançado categoricamente que os requisitos de participação em licitações estão compreendidos na categoria de normas gerais no sistema brasileiro, portanto de competência legislativa da União:

“Assim, pode-se afirmar que norma geral sobre licitação e contratação administrativa é um conceito jurídico indeterminado cujo núcleo de certeza positiva compreende a disciplina imposta pela União e de observância obrigatória por todos os entes federados (inclusive da Administração indireta), atinente à disciplina de:

(a) requisitos mínimos necessários e indispensáveis à validade da contratação administrativa;

(b) hipóteses de obrigatoriedade e de não obrigatoriedade de licitação;

 (c) requisitos de participação em licitação;

(d) modalidades de licitação;

(e) tipos de licitação;

(f) regime jurídico de contratação administrativa.”

(JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 16)

Sendo assim, a proposição local vai de encontro ao entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, que vem assentando que só à União cabe a competência legislativa sobre a matéria. O acórdão a seguir ementado se amolda perfeitamente à propositura legislativa ora em análise:

Ação direta de inconstitucionalidade: Lei distrital 3.705, de 21-11-2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão de obra: inconstitucionalidade declarada. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre direito do trabalho e inspeção do trabalho (CF, art. 21, XXIV, e art. 22, I). [ADI 3.670, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 2-4-2007, P, DJ de 18-5-2007.]

[1] (...) Rigorosamente, a disciplina do art. 22, inc. XXVII, da CF/88 não produz maiores efeitos ou inovações na sistemática geral. A União dispõe de competência para editar normas gerais seja por força do referido art. 22, inc. XXVII, seja por efeito do art. 24. Existe a competência privativa dos entes federativos para editar normas especiais. A eventual omissão da União em editar normas gerais não pode ser um obstáculo ao exercício pelos demais entes federativos de suas competências. Assim, por exemplo, a eventual revogação da Lei nº 8.666, sem que fosse adotado outro diploma veiculador de normas gerais, não impediria que os demais entes federativos exercitassem competência legislativa plena.

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos e da jurisprudência expostos, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver aos autores o Projeto de Lei do Legislativo n.º 109/2021, por inconstitucionalidade formal manifesta (art. 105 RI), por invadir a competência legislativa da União, notadamente por consistir em norma que trata sobre normas gerais de licitações e contratos, em desrespeito às regras de distribuição de competência conferidas à União pelo art. 22, XXVII, da CF/88, embora louvável em seu mérito na qualificação das contratações públicas.

É o parecer.

Guaíba, 08 de julho de 2021.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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