Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 001/2021
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 203/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a modernização da gestão e fiscalização de contratos administrativos no âmbito da Administração Pública Municipal, a obrigatoriedade da implantação do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Município de Guaíba, regulamenta a Lei Federal 12.846, de 1º de agosto de 2013, no âmbito municipal, autoriza a criação de Fundo Vinculado de Combate à Corrupção e dá outras providências."

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o 2º Substitutivo ao Projeto de Lei nº 001/2021, apresentado pelo Vereador Dr. João Collares (PDT), o qual “Dispõe sobre a modernização da gestão e fiscalização de contratos administrativos no âmbito da Administração Pública Municipal, a obrigatoriedade da implantação do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Município de Guaíba, regulamenta a Lei Federal 12.846, de 1º de agosto de 2013, no âmbito municipal, autoriza a criação de Fundo Vinculado de Combate à Corrupção e dá outras providências”. A proposta, após a apresentação de 2º Substitutivo foi encaminhada à Procuradoria para nova análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. mérito:

Preliminarmente, em se tratando de repartição de competências para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, a CF/88 estabelece competência da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição da República (CR), consoante jurisprudência do TJRS e do E. STF:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PELOTAS. LEI MUNICIPAL N.º 6.275, DE 23 DE SETEMBRO DE 2015. PROJETO DE LEI ORIGINÁRIO DA CÂMARA DE VEREADORES QUE PROÍBE OS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CELEBRAR OU PRORROGAR CONTRATO COM PESSOA JURÍDICA QUE TENHA EFETUADO DOAÇÃO PARA PARTIDO POLÍTICO OU CAMPANHA ELEITORAL. OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO LEGISLAR ACERCA DE MATÉRIA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS. VÍCIO MATERIAL. OFENSA AO ARTIGO 22, INCISO XXVII, DA CF/88, E ARTIGOS 1º E 8º, CAPUT, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70067053199, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 06/06/2016)

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 3.041/05, DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES COM O PODER PÚBLICO. DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA HABILITAÇÃO. CERTIDÃO NEGATIVA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DO CONSUMIDOR. DISPOSIÇÃO COM SENTIDO AMPLO, NÃO VINCULADA A QUALQUER ESPECIFICIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR INVASÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA (ART. 22, INCISO XXVII, DA CF). 1. A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida pela Constituição (art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante o estabelecimento de condições de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela autoridade responsável pela condução do processo licitatório, que poderá estabelecer elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e econômica, sempre vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas. 2. Somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. 3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a Administração local. 4. Ao dispor nesse sentido, a Lei Estadual 3.041/05 se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos, e, com isso, usurpou a competência privativa da União de dispor sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Por outro lado, pode-se considerar que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local, visto que suplementa a legislação federal quanto ao Programa de Integridade, além de veicular outras normas que, a priori, não tratam de regras gerais de licitações e contratos.

Constata-se que diversos parlamentos aprovaram projetos de lei similares ao texto em estudo, dentre os quais: Câmara Municipal de Porto Alegre (Lei Municipal Nº 12.827 – autoria parlamentar); ALRS (Lei Estadual nº 7.753/17); Câmara Legislativa do Distrito Federal (Lei nº 6.112/18).

Ainda, a Nova Lei de Licitações – Lei Federal nº 14.133/2021, prevê na redação do seu artigo 25, § 4º, a implementação de programas de integridade e compliance por parte da empresa vencedora da licitação.

A exigência de programas de integridade ou compliance nas relações contratuais com a administração pública não possui inconstitucionalidade manifesta de ordem formal por estar em conformidade com as diretrizes básicas da Nova Lei Geral de Licitações, além de buscar exaltar os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da probidade e de buscar a concretização dos princípios dispostos na Lei 14.133/2021 e da integridade contratual, da mitigação e da redução dos riscos e obtenção de melhores resultados.

Por outro lado, pode a propositura legislativa em apreço caracterizar ingerência em espaço reservado à Administração (princípio da reserva de administração[3]), ainda que tenham sido suprimidas no 2º Substitutivo previsões normativas que dispunham sobre organização administrativa, funcionamento da administração pública e da atribuição de seus órgãos. Nesse sentido foram suprimidas as previsões contidas nos anteriores art. 3º, art. 9º §§ 1º, 2º e 3º, art. 10., art. 25, § 2º, art. 28 e art. 35, parágrafo único, todos do 1º Substitutivo. Foi observada, ainda, a impossibilidade de criação de fundo por iniciativa parlamentar.

Verifica-se, ademais, que foram suprimidas previsões que iam de encontro às alterações advindas com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, especialmente nos anteriores art. 13 e § 1º do art. 21 do 1º Substitutivo.

Não obstante, a doutrina e a jurisprudência são pródigas em entendimentos no sentido de que certas disposições da proposta podem vir a adentrar em matérias que dizem respeito a margem de discricionariedade da Administração Pública, nas quais cabe ao Presidente da Câmara Municipal e ao Chefe do Poder Executivo Municipal levar em conta as especificidades de cada relação jurídica e os efeitos dos direitos e obrigações contemplados nos contratos (juízo de conveniência e oportunidade do gestor).

A propositura é meritória, dispondo sobre a modernização da gestão e fiscalização de contratos administrativos no âmbito da Administração Pública Municipal, sobre a obrigatoriedade da implantação do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com o Município de Guaíba (nos termos do que estabelece a Lei federal nº 14.133/2021 em seu art. 25, § 4º), mecanismos eficientes de gestão e a obrigatoriedade do planejamento de dispêndio em manutenção de obras públicas.

O Projeto prevê ainda a obrigatoriedade da publicação anual das apurações realizadas e das sanções eventualmente aplicadas pelo Município em decorrência da Lei Municipal no 3.611, de 15 de dezembro de 2017, Lei Anticorrupção Municipal.

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

[3] O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...) Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultravires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político--jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (STF – Tribunal Pleno. ADI-MC n.º 2.364/AL. DJ de 14/12/2001, p. 23. Rel. Min. CELSO DE MELLO).

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do 2º Substitutivo ao Projeto de Lei nº 001/2021, em que pese a ausência de segurança jurídica que permita opinar pela constitucionalidade de todas as previsões normativas da matéria proposta, havendo substancial divergência jurisprudencial no que diz respeito à iniciativa parlamentar para legislar sobre algumas disposições da propositura legislativa, cabendo uma análise pormenorizada pelas Comissões permanentes, notadamente pela Comissão de Justiça e Redação.

Do ponto de vista material, a propositura dispõe sobre a modernização da gestão e fiscalização de contratos administrativos no âmbito da Administração Pública Municipal, sobre a obrigatoriedade da implantação do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com o Município de Guaíba (nos termos do que estabelece a Lei Federal nº 14.133/2021 em seu art. 25, § 4º), sobre mecanismos eficientes de gestão e sobre a obrigatoriedade do planejamento de dispêndio em manutenção de obras públicas.

É o parecer.

Guaíba, 28 de junho de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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28/06/2021 11:54:47
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