PARECER JURÍDICO |
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"Dá nova Redação ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal, incluindo como disciplina curricular obrigatória a Prevenção à Violência Contra a Mulher, criança e adolescente, nos moldes da Lei Federal n˚ 14.164/21 e no Estatuto da Criança e do Adolescente" 1. RelatórioO Ver. Alex Medeiros apresentou o Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 003/21 à Câmara Municipal, objetivando acrescentar o inciso XI ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). 2.1 Da competência legislativa municipal No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. As matérias de educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação estão previstas como competências concorrentes, atribuídas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, como se vê:
Na competência concorrente, a União tem por tarefa estabelecer normas gerais sobre as matérias especificadas no artigo 24, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las de acordo com as suas peculiaridades regionais (§§ 1º e 2º). Os Estados e o Distrito Federal só possuem autorização constitucional para legislar plenamente caso a União não tenha editado normas gerais; do contrário, deverão obrigatoriamente respeitá-las, especificando suas regras à luz do ordenamento federal. Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esses temas. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no artigo 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber. No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88:
Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de educação e ensino esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. 2.2 Da iniciativa do processo legislativo Constata-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que, tratando-se de emenda à Lei Orgânica, exige o artigo 35, § 1º, da Lei Orgânica que a proposta, se veiculada por Vereador, seja subscrita por 1/3 dos membros da Câmara Municipal, requisito que foi devidamente observado, pois há 7 assinaturas ao final da exposição de motivos. 2.3 Do conteúdo do projeto A respeito da educação para a prevenção e combate à violência contra a mulher, tem-se na Lei Maria da Penha a previsão de que uma das diretrizes para as políticas públicas é “o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher”, o que aponta para a viabilidade jurídica do projeto sob o ponto de vista material, na medida em que apenas institui um novo objetivo para o ensino público municipal, sem interferir nas questões de organização administrativa. No mesmo sentido é o objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente ao definir o direito ao respeito, que consiste na “[...] inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (art. 17 do ECA), o que demonstra a possibilidade de que, pela via da educação, se busque a orientação para a prevenção e o combate de contextos de violência familiar contra crianças e adolescentes. Veja-se, ainda, que o art. 227, caput, da CF/88 prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Portanto, considerando a existência de competência legislativa fundada no interesse local (art. 30, I, da CF/88), a regular iniciativa do processo legislativo (art. 35, § 1º, da Lei Orgânica) e a compatibilidade material com a CF/88, com a Lei Maria da Penha e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, nada obsta a tramitação regimental do projeto, que deverá seguir o rito do art. 36 da Lei Orgânica e ser promulgado pela própria Mesa da Câmara (art. 37 da Lei Orgânica). 3. ConclusãoDiante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 003/2021, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que atendidos os requisitos procedimentais previstos na Lei Orgânica para a deliberação da proposta. Recomenda-se, para fins de adequação da técnica legislativa, a correção da ementa do projeto, que cria obrigação distinta e formalmente inconstitucional, uma vez que a criação de disciplina curricular obrigatória é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Nesses termos, recomenda-se a apresentação do substitutivo em anexo, redigido com o propósito de adequar a redação à LC nº 95/1998. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 24 de junho de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B ANEXO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE EMENDA À LEI ORGÂNICA Nº 003/2021
Art. 1º Inclui o inciso XI ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal, com a seguinte redação: Art. 146 [...] XI – promover a educação voltada à prevenção e ao combate da violência contra as mulheres, crianças e adolescentes. Art. 2º Esta Emenda à Lei Orgânica em vigor na data da sua publicação. Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 24/06/2021 19:48:38 |
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