PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade da presença de Intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou de sistema que integre e supra essa função em todas as agências bancárias do Município de Guaíba" 1. RelatórioO Ver. Cristiano Eleu apresentou o Projeto de Lei nº 096/2021 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade de presença de Intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou de sistema que integre e supra essa função nas agências bancárias do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Em relação à matéria de proteção e integração social das pessoas com deficiência, a CF/88, de fato, estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, incisos I e II, da CF/88 é claro ao garantir aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências legislativas é a que garante ampla outorga de poderes aos Municípios, que só não podem criar normas que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre as matérias de competência concorrente, como proteção e integração social das pessoas com deficiência. Tanto é que, caso não se admitisse aos Municípios a competência para legislar sobre matérias versadas no art. 24 da CF, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que no sentido de detalhar regras presentes na legislação federal e estadual, conferindo-lhes maior efetividade:
Leia-se, também, o entendimento do STF no sentido de que, não havendo vedação expressa à regulamentação de matérias pelos Estados e pelos Municípios, não há como restringir a competência legislativa dos “entes menores”:
Portanto, consoante fundamentaram as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de proteção das pessoas com deficiência esteja presente no art. 24 da CF/88 como uma competência legislativa concorrente da União e dos Estados, não há dúvidas de que os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de acessibilidade às pessoas com deficiência, sendo esse o objetivo principal da norma proposta. Nesse sentido, refere o art. 23, inciso II, da CF/88: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;” O Decreto nº 6.949, de 25/8/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1º). A Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, define, no art. 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:
Desse modo, a partir da introdução, na Constituição Federal de 1988, de todas as normas previstas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado, abrangendo não só as condições previstas no art. 5º do Decreto nº 5.296/04, como também todo impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais. O TJRS, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70083245431, decidiu declarar a constitucionalidade da Lei Municipal nº 8.362/2019, do Município de Santo Antônio da Patrulha, no que se refere à obrigatoriedade da presença de Intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou de sistema que integre e supra essa função em agências bancárias instaladas no Município:
Assim, em termos gerais, e observando-se a específica jurisprudência do TJRS acima transcrita, é inegável que o Projeto de Lei nº 096/2021 é juridicamente viável em relação à obrigatoriedade sobre agências bancárias, uma vez que a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local e com as normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção das pessoas com deficiência. Alerta-se, porém, para a possível desproporcionalidade das demais previsões de alcance do projeto, sobretudo em relação ao “comércio em geral” (art. 1º, caput), uma vez que a contratação de intérprete de LIBRAS, treinamentos de funcionários ou compra de sistemas de acessibilidade podem repercutir prejudicialmente sobre as finanças das pequenas empresas e escritórios, devendo apurar-se com cautela e razoabilidade a extensão do dever, tendo em balanço os custos de manutenção e os benefícios ao público com deficiência. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do PL nº 096/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, especificamente quanto às agências bancárias. Alerta-se, porém, para a possível desproporcionalidade das demais previsões de alcance do projeto, sobretudo em relação ao “comércio em geral” (art. 1º, caput), uma vez que a contratação de intérprete de LIBRAS, treinamentos de funcionários ou compra de sistemas de acessibilidade podem repercutir prejudicialmente sobre as finanças das pequenas empresas e escritórios, devendo apurar-se com cautela e razoabilidade a extensão do dever, tendo em balanço os custos de manutenção e os benefícios ao público com deficiência. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 23 de junho de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 23/06/2021 14:46:28 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 23/06/2021 ás 14:45:35. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 66cbf91381081217a68a27114b1b4de5.
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