Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 028/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 195/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 2.586 de 20 de abril de 2010, que dispõe sobre o Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 028/2021 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 2.586 de 20 de abril de 2010, que dispõe sobre o Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

No que diz respeito à competência, não há qualquer óbice à propositura legislativa em apreço. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

Luís Roberto Barroso destaca a autonomia municipal para se auto-organizar:

Ressalte-se, por oportuno, que a capacidade de auto-organização é, do ponto de vista formal, a mais relevante manifestação da autonomia às Unidades federadas e o poder de se estruturarem tal qual um Estado, gozando de titularidade de funções da mesma natureza daquelas que compõem o Estado federal.[1]

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o Projeto de Lei do Executivo apresentado propõe alterações no Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, consoante a pacífica jurisprudência do E. STF:

Ao provocar alteração no regime jurídico dos servidores civis do Estado do Rio Grande do Sul e impor limitações ao exercício da autotutela nas relações estatutárias estabelecidas entre a administração e seus servidores, a LC estadual 11.370/1999, de iniciativa parlamentar, padece de vício formal e material de incompatibilidade com a CF. [ADI 2.300, rel. min. Teori Zavascki, j. 21-8-2014, P, DJE de 17-9-2014.]

(...) a norma prevista em Constituição estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. [ADI 2.873, rel. min. Ellen Gracie, j. 20-9-2007, P, DJ de 9-11-2007.] = ADI 2.856, rel. min. Gilmar Mendes, j. 10-2-2011, P, DJE de 1º-3-2011

Para os fins do direito municipal, relevante é ainda a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei do Executivo nº 028/2021, uma vez que apresentado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, enquanto responsável pelo regime jurídico dos servidores públicos municipais.

A respeito do teor do Projeto de Lei do Executivo nº 028/2021, tem-se que o seu objeto é alterar disposições específicas do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, no que diz respeito à ampliação de 5% do limite da margem consignável até 31 de dezembro de 2021. A exposição de motivos justifica a apresentação do Projeto visto que “tal medida vem ao encontro de tantas outras que já vem sendo tomadas para reduzir os impactos econômicos ocasionados pela pandemia do novo coronavírus, que da mesma forma impactaram os servidores que no ano de 2021 não tiveram a reposição anual diante das vedações previstas na LC 173/2020...”.

Em exame da legislação municipal, observa-se que as averbações das consignações em folha de pagamento estão previstas no art. 106 da Lei n° 2.586/2010, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, estabelecendo em 30% o limite da margem consignável para consignação facultativa de operações de crédito:

Art. 106. É permitida a consignação sobre o vencimento e as parcelas permanentes da remuneração do servidor, desde que expressamente autorizada, visando à garantia de:

I - quantia devida à Fazenda Pública;

II - cota para o cônjuge ou dependente, em cumprimento de decisão judicial;

III - contribuição para aquisição de casa própria;

IV - contribuição dos sistemas de saúde e assistência social;

V - contribuições para mensalidade de sindicatos e associações de servidores.

VI - Acesso a concessão de crédito ao servidor por instituição financeira interessada, que não ultrapasse a 30% (trinta por cento) de sua remuneração líquida. (Redação acrescida pela Lei nº 3199/2014)

A fim de elucidar a natureza jurídica e os parâmetros acerca das consignações em folha de pagamento dos servidores, a título de conhecimento, cabe elencar posicionamento paradigmático do Superior Tribunal de Justiça sobre a temática, no sentido de que a fixação de percentual máximo para os descontos consignáveis tem por objetivo evitar a privação de recursos indispensáveis à sobrevivência do servidor, com base no princípio da dignidade da pessoa humana:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS. ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Trata-se, em suma, da limitação dos descontos efetuados mediante consignações em folha de pagamento, fixados em 40% dos vencimentos dos servidores públicos do Estado do Mato Grosso do Sul. 2. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior está firmada no sentido de que "ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador" (REsp 1.186.965/RS, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 03.02.2011). Outros precedentes do STJ. 3. Em suma, a fixação de percentual máximo para os descontos consignáveis visa a evitar a privação de recursos indispensáveis à sua sobrevivência e a de sua família, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, e se configura como meio para facilitar o pagamento de dívida, não como garantia de pagamento.

Quanto à alteração do limite da margem consignável até 31 de dezembro de 2021, o objetivo da propositura legislativa, de fato, vai ao encontro da novel legislação federal. Com efeito, recentemente foi editada a Lei Federal nº 14.131, de 30 de março de 2021, resultante da conversão da Medida Provisória n° 1.006, de 2020, que "Dispõe sobre o acréscimo de 5% (cinco por cento) ao percentual máximo para a contratação de operações de crédito com desconto automático em folha de pagamento até 31 de dezembro de 2021”. Importante registrar que o texto da legislação federal referida estabelece que o aumento da margem consignável, na forma prevista em seu art. 1°, só se aplica quando leis ou regulamentos locais não definirem percentuais maiores do que os previstos no caput deste artigo (40%), o que é o caso do Município de Guaíba.

Dessa forma, está adequada a ampliação em 5% para as consignações dispostas no inciso IV do art. 106 da Lei Municipal nº 2.586/2010.

Por fim, como o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba é uma Lei Complementar (art. 46, inciso VI, da LOM), só pode ser alterado por outra lei da mesma natureza, aprovada por maioria absoluta, razão pela qual devem ser garantidas à proposição a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões, na forma do § 1º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 46 São leis complementares que dependem da aprovação da maioria absoluta dos membros da Câmara:

I - código de obras;

II - código de posturas;

III - código tributário;

IV - plano diretor;

V - código do meio ambiente;

VI - estatuto do servidor público;

VII - planos de carreira dos servidores;

VIII - lei que trata da elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

§ 1º Observado o Regimento Interno da Câmara Municipal, é assegurada a ampla divulgação e a realização de consulta pública aos projetos de leis complementares referidos no caput para recebimento de sugestões.

Quanto ao disposto no § 1º do art. 46 da LOM, o Regimento Interno estabelece a obrigatoriedade de divulgação dos Projetos de Lei Complementar com a maior amplitude possível com prazo de 15 dias para apresentação de sugestões:

 

Regimento Interno:

Art. 135. São objeto de Lei Complementar, entre outros:

I - código de obras;

II - código administrativo;

III - código tributário e fiscal;

IV - lei do plano diretor;

V - estatuto dos funcionários públicos;

VI - código de posturas;

VII - aquelas determinadas pela Lei Orgânica.

§ 1º Os Projetos de Lei Complementar serão examinados pelas Comissões Permanentes.

§ 2º Dos projetos de códigos e respectivas exposições de motivos, antes de submetidos à discussão, será dada divulgação com maior amplitude possível.

§ 3º Dentro de 15 (quinze) dias, contados da data da divulgação de tais projetos, qualquer cidadão ou entidade poderá apresentar sugestões ao Presidente da Câmara, que as encaminhará às Comissões Permanentes.

[1] Barroso, Luís Roberto, Direito Constitucional Brasileiro: O Problema da Federação, Rio de Janeiro, p. 22.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do PLE nº 028/2021, observada da necessidade de ampla divulgação nos termos do art. 46 da LOM para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal, por tratar-se de alteração em Lei Complementar – Estatuto do Servidor.

Quanto à técnica legislativa, recomenda-se que a alteração seja incluída no Capítulo, Título XII - Das Disposições Transitórias, visto que a alteração goza de caráter de temporalidade.

É o parecer.

Guaíba, 22 de junho de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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22/06/2021 16:43:53
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