Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 094/2021
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 190/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Declara de Utilidade Pública o Conselho de Pastores Evangélicos de Guaíba – COPEG"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros (PP) apresentou o Projeto de Lei nº 094/2021 à Câmara Municipal, o qual “Declara de Utilidade Pública o Conselho de Pastores Evangélicos de Guaíba – COPEG”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

(...)

No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

Dispor sobre o reconhecimento público destas entidades é matéria de competência comum, cabendo a cada um dos entes federativos – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – legislar sobre o assunto, visto que diz respeito a uma relação direta entre a Administração Pública e os administrados, e não se insere no rol de matérias que a Constituição reservou exclusividade à União, aos Estados-Membros e ao Distrito Federal legislar.

Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, na forma do artigo 61 da CF e do artigo 59 da CE/RS, aplicáveis por simetria aos Municípios. No mesmo sentido, consagra o artigo 38 da Lei Orgânica Municipal: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente na Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado”. Não há na CF/88 ou na Carta gaúcha disposição que confira ao chefe do Executivo, com exclusividade, a iniciativa para declarar entidade de direito privado como de utilidade pública para fins locais.

                                                                                  

Com efeito, a jurisprudência do C. TJ/SP já decidiu pela inexistência de vício de iniciativa em casos semelhantes, em que proposituras legislativas deflagradas pelo Poder Legislativo objetivam declarar entidades como de utilidade pública:

"Ação direta objetivando a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.256/2012 do Município de Itapecerica da Serra. O ato normativo dispõe sobre as condições para as Sociedades, Associações e Fundações serem declaradas de utilidade pública. II - Lei de iniciativa parlamentar que estabelece iniciativa concorrente da lei para a declaração de utilidade pública. Ausência de reserva legal para iniciativa exclusiva do Poder Executivo. III - Há previsão na Constituição Estadual paulista no sentido que compete exclusivamente à Assembleia Legislativa a iniciativa das leis que disponham sobre a declaração de utilidade pública de entidades de direito privado (art. 24, § 1º, V, da CE). Aplica-se, no caso, o princípio da simetria para a Câmara Legislativa de Itapecerica da Serra. IV - A lei em questão não fere o princípio constitucional da separação de Poderes, bem como não gera qualquer aumento direto da despesa ao Município. V - Ação improcedente, cassada a liminar". (ADI 1069744720128260000 SP 0106974-47.2012.8.26.0000, São Paulo, Órgão Especial, Relator: Guerrieri Rezende, j. 17/10/12)

Direta de Inconstitucionalidade - Lei municipal que declara instituição como sendo de utilidade pública - Vício de iniciativa - Inocorrência - Competência expressamente afeta ao Poder Legislativo, ex vi do disposto no art 24, § 1º, IV, da Constituição do Estado - Ademais, no Estado de São Paulo são inúmeras as leis, inclusive sancionadas pelo Governador, que declaram entidades como de utilidade pública - Outrossim, não restou demonstrado, como seria de rigor, eventual aumento de despesa pública - Inconstitucionalidade não configurada - Ação improcedente. DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 0131960-65.2012.8. 26.0000. 27-03-2013. Rel.: Walter de Almeida Guilherme.

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.773, de 12 de maio de 2016, do Município de Catanduva. Diploma de origem parlamentar que declara como de utilidade pública a associação que indica. Vício de iniciativa não caracterizado. Constituição paulista que textualmente confere ao Legislativo a iniciativa de leis que disponham sobre “declaração de utilidade pública de entidades de direito privado”. Diploma legal que tampouco criou despesa. Descabimento da instauração de incidente de inconstitucionalidade do dispositivo da Carta paulista. Ação improcedente. Direta de Inconstitucionalidade nº 2167727-91.2016.8.26.0000. São Paulo, 22 de fevereiro de 2017. Arantes Theodoro RELATOR.

 

No mesmo sentido é a orientação da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO DO ARTIGO 1º, INCISO IX, DA LEI Nº 3.402/2014, DO MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO. OBRIGATORIEDADE DE APRESENTAÇÃO DE "DECLARAÇÃO DO PODER EXECUTIVO ATESTANDO A EFETIVA EXISTÊNCIA E FUNCIONAMENTO DE ASSOCIAÇÃO" PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE UTILIDADE PÚBLICA. PRELIMINAR. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL ANTE SUPOSTA REPRISTINAÇÃO DE LEGISLAÇÃO COM O MESMO CONTEÚDO DA NORMA IMPUGNADA. NÃO ACOLHIMENTO. LEGISLAÇÃO ANTERIOR DIVERGENTE DA ATUAL. INICIATIVA PARLAMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO RELATIVA APENAS À INICIATIVA DE LEI QUE TENHA POR OBJETO A ORGANIZAÇÃO, GESTÃO OU FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. HIPÓTESES RESTRITAS. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA EFICIÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEI QUE NÃO ACARRETA DESPESAS AO EXECUTIVO, VISANDO SOMENTE A EMISSÃO DE DECLARAÇÕES A FIM DE REDUZIR RISCOS DE FRAUDES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO IMPROCEDENTE.

 

Ainda no que diz respeito à iniciativa, tramita no Supremo Tribunal Federal, por mais de uma década (!) Ação Declaratória na qual o Governador do Estado de São Paulo questiona dispositivo daquela Carta estadual (ADI nº 4052) que tornou a ALSP exclusivamente competente para produzir leis que declarem a utilidade pública de entidades de direito privado, argumentando o Chefe do Executivo que a iniciativa seria sua, feito em que não houve concessão de liminar. Portanto, enquanto não houver o julgamento da referida ADI, o fato é que não se pode vislumbrar contrariedade manifesta da proposta à Constituição Federal.[1]

 

Com efeito, a Lei Municipal nº 489, de 23/05/1979, estabelece as regras pelas quais as sociedades civis serão declaradas de utilidade publica. Portanto, quanto ao conteúdo normativo da proposição, deve o proponente identificar e satisfazer os requisitos previstos nos termos da Lei Municipal nº 489/79, a qual “Estabelece Condições para o Reconhecimento de Sociedade de Utilidade Pública”. Cabe salientar que o ato normativo municipal que regula a matéria merece atualização para estar em consonância com o atual ordenamento jurídico.

 

Nesse sentido, cabe ao autor acostar aos autos documentos que comprovam que a entidade em tela constitui-se em associação civil de defesa dos direitos sociais no Município de Guaíba e que a medida serve para a consecução de finalidades de relevante interesse público, bem como demonstrar que os cargos que compõem sua diretoria não são remunerados (Estatuto, e.g.).

Art. 1º As sociedades civis, associações e fundações constituídas no Município de Guaíba, com o fim de servir desinteressadamente a coletividade, podem ser declaradas de utilidade pública, a juízo do prefeito, provados os seguintes requisitos:

personalidade jurídica na forma da lei;

prova de funcionamento nos últimos dois anos...;

c) que os cargos da diretoria não são remunerados;
d) prestação de serviços relevantes a coletividade.

Ademais, para que os objetivos da propositura legislativa possam produzir efeito no mundo jurídico, não basta a declaração de utilidade pública, devendo a referida Organização da Sociedade Civil observar a regulamentação prevista no Decreto Municipal nº 103, de 1º de julho de 2020, o qual “Regulamenta, na esfera municipal, a expedição do Atestado de Pleno e Regular Funcionamento para as organizações da sociedade civil, referido na Lei Municipal nº 489, de 23 de maio de 1979”[2].

Importante destacar, ainda, que a declaração de utilidade pública não implica na concessão de isenção fiscal, ou de qualquer favor semelhante, nos termos do disposto no art. 2º da Lei nº 489/79:

 

Art. 2º Nenhuma isenção do município decorrerá do título de utilidade pública, ficando assegurada as entidades dele portadoras, o uso de emblemas, flâmulas, bandeiras ou distintivos próprios, devidamente registrados na secretaria da saúde e Ação Social.

 

Merece ser reiterada, quanto à matéria de fundo, que com a entrada em vigor do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC - Lei nº 13.204, de 2015, foi revogada a Lei nº 91, de 1935, que determinava as regras pelas quais as organizações sociais poderiam ser declaradas de utilidade pública.

Com efeito, por força da norma inscrita no inciso I, art. 9º, da Lei nº 13.204/2015, revogando a Lei nº 91/1935, não se faz mais necessário legislar nesse sentido em âmbito local, recomendando-se tão somente para que sejam observados os requisitos estabelecidos no MROSC para que a utilidade pública seja concedida.

Quanto à técnica legislativa, a proposição merece ser corrigida, sugerindo-se a supressão ou ainda a alteração da previsão “Nos termos do art. 28 e incisos da Lei Orgânica do Município de Guaíba.”, prevista no art. 1º da propositura legislativa.

[1] Cumpre salientar que a AGU lavrou parecer pela procedência parcial da ADI nº 4.052-9, para que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 4º da EC  nº 24/2008 do Estado de São Paulo, por entender que a declaração de utilidade pública a entidades sem fins lucrativos é atividade de natureza administrativa, a competir privativamente ao Chefe do Poder Executivo, nos termos dos arts. 2º e 61 da CF/88.

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=331690

[2] https://leismunicipais.com.br/a/rs/g/guaiba/decreto/2020/10/103/decreto-n-103-2020-regulamenta-na-esfera-municipal-a-expedicao-do-atestado-de-pleno-e-regular-funcionamento-para-as-organizacoes-da-sociedade-civil-referido-na-lei-municipal-n-489-de-23-de-maio-de-1979

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 094/2021, (em que pese haver entendimento de que a declaração de utilidade pública a entidades sem fins lucrativos é atividade de natureza administrativa, a competir privativamente ao Chefe do Poder Executivo, nos termos dos arts. 2º e 61 da CF/88), sendo que, enquanto não houver o julgamento da ADI 4052, o fato é que não se pode vislumbrar contrariedade manifesta da proposta à Constituição Federal.

Deve ser observada a necessidade de apresentação de documentos que atendam aos requisitos estabelecidos pela legislação municipal elencados neste parecer0 e ressaltando a desnecessidade de legislar sobre a matéria em razão da entrada em vigor da Lei Federal nº 13.204/2015, já que o instrumento previsto no MROSC é através de parceria entre as entidades e o Poder Executivo Municipal.

 

Quanto à técnica legislativa, para que a propositura esteja em consonância com a Lei Complementar nº 095/1998, recomenda-se a supressão ou a alteração da previsão “Nos termos do art. 28 e incisos da Lei Orgânica do Município de Guaíba.”, prevista no art. 1º.

É o parecer.

Guaíba, 17 de junho de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

    OAB/RS 107.136    



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