PARECER JURÍDICO |
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"Institui o Dia da Igreja Universal do Reino de Deus na cidade de Guaíba e dá outras providências" 1. RelatórioO Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 093/2021 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, o Dia da Igreja Universal do Reino de Deus, a ser comemorado, anualmente, em 09 de julho. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITOO artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
Alexandre de Moraes refere que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). O Projeto de Lei nº 093/2021 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, já que institui, no Município de Guaíba, o Dia da Igreja Universal do Reino de Deus, a ser comemorado, anualmente, em 09 de julho. A fixação de datas comemorativas em âmbito municipal atende ao interesse local porque busca homenagear setores, grupos ou atividades relevantes para a comunidade, incentivando o debate e a reflexão. Consoante tem sido o entendimento desta Procuradoria Jurídica nos pareceres aos Projetos de Lei nº 099/2017, 152/2017, 127/2018, entre outros, tendo a presente proposta buscado estabelecer data comemorativa alusiva a entidade religiosa, importa realizar análise pormenorizada quanto à função orientadora do princípio da laicidade que informa a ordem constitucional da República Federativa do Brasil, questão complexa que envolve a apreciação de princípios constitucionais e de valores metajurídicos. O princípio da laicidade é previsto no artigo 19 da Constituição Federal 1988:
Faz-se necessário amoldar ainda o pluralismo religioso aos ditames democráticos e ao princípio da laicidade, não cabendo a um Estado Democrático de Direito incentivar determinada religião. Nesse sentido, a liberdade de expressão, e mais especificamente a liberdade religiosa, deve ter tratamento distinto no âmbito privado, em que todos são livres para exercerem sua religiosidade como preferirem, e no âmbito público, em que a religião deve ser tratada com completa imparcialidade, sem ofender o pluralismo e o respeito à liberdade de crença e de religião de todos. O Estado, para salvaguardar o pluralismo religioso e a liberdade de religião, tem o dever de garantir que as instituições públicas e as políticas públicas permaneçam neutras, sem dar preferência a nenhuma religião ou culto. Portanto, a matéria pretendida a principio não afronta a CF/88, desde que a organização e a promoção de eventos não se deem por parte ou colaboração da Administração Pública. O princípio da laicidade e neutralidade religiosa e ideológica do Estado pretende garantir o livre-arbítrio às pessoas para optar ou não entre os vários credos ou religiões existentes, ampliando, tanto quanto possível, estas liberdades nos diversos contextos sociais e institucionais, favorecendo o pluralismo de ideias e proibindo condutas tais como: a doutrina forçada, a afirmação positiva de crenças ou a discriminação religiosa e/ou ideológica.[1] Assim, o Estado deve salvaguardar tanto a posição jurídica de preservação do princípio da laicidade quanto a posição jurídica de proteção ao direito de liberdade de crença. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que a defesa do princípio do secularismo consiste em um dos princípios fundamentais dos Estados em respeito aos direitos dos indivíduos, sendo considerada a laicidade necessária para a proteção do Estado Democrático. A criação de datas oficiais que promovam a comemoração de símbolos e/ou entidades religiosas pode ser considerada, nesses termos, contrária aos princípios do secularismo e da laicidade, se ocorresse favorecimento com recursos públicos a tais eventos. Assim, consideramos que, em respeito ao direito fundamental de liberdade de crença e religião, o Estado possui deveres eminentemente negativos, devendo abster-se de incentivar ou mesmo promover, ainda que indiretamente, determinadas religiões. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem compreendeu que a dimensão negativa da liberdade de consciência e de religião não se satisfaz apenas com a simples ausência de símbolos religiosos, mas contempla também as práticas e símbolos que expressam uma crença, uma religião ou o ateísmo, devendo o Estado ter especial atenção e proteção para não expressar uma convicção religiosa. Essa abstenção evita ainda que o Poder Público adentre em eventuais tensões de ordem religiosa. Levando em conta tal dimensão negativa e o dever de não estabelecer preferências ou promoção de convicções religiosas, a jurisprudência de nossos tribunais tem sido no sentido de que nada impede a criação de data comemorativa com esse intuito. Lapidar a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto à lei que institui como evento cultural do Município de Suzano o Dia da Bíblia, estabelecendo, ainda, a inexistência de vício de competência ou de iniciativa:
Quanto à instituição de datas comemorativas alusivas a figuras ou símbolos religiosos, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal analisou a constitucionalidade de lei que instituiu o Dia do Evangélico, tendo assentado o entendimento de que não houve afronta ao principio da laicidade. No julgamento da AC 20010110875766 DF pela 4ª Turma Cível, o TJ do Distrito Federal entendeu ser constitucional o feriado associando a ele o exercício regular de direito de culto religioso (art. 5º, VI, da CF/88). Da decisão extrai-se o seguinte ponto digno de nota, sublinhando ainda que o ordenamento jurídico brasileiro admite inclusive a instituição de feriados religiosos:
Identificaram-se diversos casos em que o Ministério Público ingressou com ação civil pública pelo fato de o Poder Público ter participado da organização de eventos de cunho religioso instituídos por lei, como, por exemplo, Apelação Cível 0141339-06.2007.8.26.0000 e Ação Civil Pública nº 533.01.2011.011832-9 (ambos na Justiça Estadual de SP), também por ferirem o disposto no art. 19, inciso I, da CF/88. O Conselho Nacional do Ministério Publico produziu importante documento intitulado “Em defesa do Estado Laico – Prática Processual”, de 2014[2], que traz ações civis públicas, réplicas, razões e contrarrazões de recursos e, inclusive, representação para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, todas elas com um traço em comum: a defesa da laicidade do Estado e a busca pela garantia do direito de crença e de não crença. Portanto, em relação à matéria de fundo ora em análise, como não houve previsão de inclusão da data no calendário oficial de eventos municipais, nem qualquer disposição que, direta ou indiretamente, atribua ao Poder Público o dever ou a faculdade de contribuir financeiramente ou com bens ou recursos humanos para a organização de eventos, inexiste afronta ao princípio da laicidade, insculpido no art. 19, inciso I, da CF/88. [1] Jónatas Machado (2013, p. 137) afirma que, a partir disso e dos princípios subjacentes ao Estado Constitucional, não se deduz uma absoluta neutralidade religiosa e nem um dever de igualdade de tratamento de doutrinas, ritos ou símbolos. [2] Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/Publicacoes/ESTADO_LAICO_Volume_2__web.PDF. Acesso em: 17 jun. 2021. 3. ConclusãoDiante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei nº 093/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, feita a advertência da impossibilidade de inclusão da data no calendário oficial e de qualquer subvenção pública a eventos. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 17 de junho de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 17/06/2021 16:29:51 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 17/06/2021 ás 16:29:10. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação d51c527b6f8c36faed20d6e17c218e51.
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