PARECER JURÍDICO |
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"Assegura à criança e ao adolescente cujos pais ou responsáveis sejam pessoas com deficiência ou com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos a máxima prioridade de vaga em unidade da rede pública municipal de ensino mais próxima de sua residência" 1. RelatórioO Vereador Miguel Crizel apresentou o Projeto de Lei nº 079/2021 à Câmara Municipal, objetivando assegurar à criança e ao adolescente cujos pais ou responsáveis sejam pessoas com deficiência ou idosos a máxima prioridade de vaga em unidade da rede pública municipal de ensino mais próxima de sua residência. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores. 2. MÉRITOA forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Em relação à matéria de educação e ensino, a CF/88 estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, incisos I e II, da CF/88 é claro ao assegurar aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que proíbe aos Municípios a atividade legislativa tão somente sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que no sentido de detalhar regras presentes na legislação federal e estadual, conferindo-lhes maior efetividade:
Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de educação e ensino esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, suplementando as disciplinas federais e estaduais, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. No presente caso, a suplementação ocorre sobre o art. 4º, inciso X, da Lei Federal nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que torna obrigatória a garantia, pelo Poder Público, de “vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.” Ou seja, tratando-se de suplementação de norma federal condizente com o direito à educação, na forma do art. 30, incisos I e II, da CF/88, é preciso delimitar-se ao alcance da norma federal para que não ocorra inconstitucionalidade devido à lógica de distribuição de competências legislativas. Assim, embora sejam necessárias algumas adaptações, não se verifica inconstitucionalidade flagrante relativa ao exercício da competência legislativa municipal. No que diz respeito à iniciativa legislativa para deflagrar o processo legislativo, trata-se de matéria complexa, havendo correntes distintas na jurisprudência sobre a criação de programas municipais por projetos de lei de iniciativa parlamentar. Quando do julgamento do RE 290.549 AgR, em 2012, a Primeira Turma do STF entendeu que a criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Também o TJRJ, em seu acórdão – mantido naquele julgamento do STF –, entendera por afastar a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei Municipal nº 2.621/98 com base em interpretação sistemática desses dispositivos, sob o fundamento de que eles não se relacionam com a matéria de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Afirmou, ainda, o TJRJ que houve simplesmente a previsão de um programa social, cuja execução depende de regulamentação a ser, ao seu tempo, implementada. Cabe trazer à análise da constitucionalidade da presente proposição julgado de 2017 do Plenário do Supremo Tribunal Federal em que a Corte assentou inexistir usurpação de iniciativa pela promulgação da Lei 16.285/2013, de Santa Catarina, em disposições que regulam a assistência a vítimas incapacitadas por queimaduras graves:
O próprio STF já considerou constitucionais leis que não tratavam de questões atinentes à estrutura administrativa do Estado, previstas nas alíneas “a” e “f” do inciso II do § 1º do artigo 61 da CF/88, apenas regulamentando pequenos aspectos:
Pode-se identificar claramente uma evolução e alteração na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto aos limites da iniciativa parlamentar para legislar sobre políticas públicas, todavia consistindo tópico deveras complexo. Verifica-se que a jurisprudência da Suprema Corte tem revelado possibilidades amplas de formulação de políticas públicas por iniciativa parlamentar, desde que respeitados determinados parâmetros constitucionais. Tem-se verificado, na jurisprudência dos tribunais, uma interpretação mais aberta e consentânea com a finalidade das normas constitucionais de competência, a qual vem afirmando, em casos como os referidos, não encerrar inconstitucionalidade, seja formal, seja material, desde que a leitura do intérprete das normas constitucionais incidentes à espécie seja a teleológica, ou seja, busque alcançar a sua finalidade, conforme a interpretação de que a vinculação do Legislador à CF/88 impõe que os direitos fundamentais sejam legislativamente desenvolvidos, inclusive através de leis promotoras desses direitos, assim entendidas aquelas que visam criar condições favoráveis ao exercício dos direitos fundamentais. Deste modo, as interpretações do art. 61, § 1º, II, da CF/88 passaram, de fato, por uma verdadeira releitura pela jurisprudência. Da mesma forma, a doutrina especializada leciona que “essa cláusula deve ser interpretada de forma restritiva, por conta de fatores históricos e dogmáticos. Não se pode nela ver uma inconstitucionalidade (por vício de iniciativa) de qualquer projeto de lei proposto pelo Legislativo e que trate sobre políticas públicas. (...) Dessa maneira, é possível defender uma interpretação da alínea e do inciso II do § 1º do art. 61 que seja compatível com a prerrogativa do legislador de formular políticas públicas... desde que não promova o redesenho de órgãos do Executivo.”[1] É o que considerou o TJRS quando do julgamento da ADI Nº 70076014240, objetivando a retirada do ordenamento jurídico da Lei Municipal nº 3.506, de 26 de agosto de 2005, do Município de São Borja, a qual dispõe sobre a instituição de patrocínio nos uniformes escolares da rede pública de ensino:
Identifica-se julgado do TJSP em que o órgão declarou a inconstitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar que determina prioridade de matrículas:
Por outro lado, verifica-se jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a constitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar instituindo a preferência de matrícula para dependentes de mulheres vítimas de violência doméstica:
Portanto, especificamente a partir da jurisprudência do STF, pode-se considerar, em tese, constitucional a lei que venha a criar prioridades de acesso a vagas em instituições de ensino para estudantes pertencentes a grupos vulneráveis, ressaltando-se que, no caso acima destacado, a norma definia prioridade aos dependentes de mulheres vítimas de violência doméstica, situação não idêntica à do projeto em apreciação, porém análoga considerando a sua finalidade, que é proteger o direito à educação dos filhos de pessoas especialmente vulneráveis (pessoas com deficiência e idosos). Assim, devido à recente decisão do STF (15/12/2020), identificada em pesquisa desta Procuradoria, retifica-se o parecer jurídico anterior para tornar possível a tramitação do Projeto de Lei nº 079/2021, por não haver inconstitucionalidade manifesta, uma vez que há divergência jurisprudencial sobre leis de iniciativa parlamentar que definam critérios de prioridade de vagas em instituições de ensino. De qualquer forma, há necessidade de adequações devido ao conteúdo do art. 4º, inciso X, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que garante o direito prioritário de vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência às crianças a partir do dia em que completarem 4 anos de idade. Portanto, cabe a apresentação de substitutivo para tornar a proposição compatível com a disciplina federal da matéria. [1] João Trindade Cavalcante Filho, 2013. 3. ConclusãoDiante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 079/2021, de autoria do Ver. Miguel Crizel, havendo jurisprudência do STF assentando a constitucionalidade de propositura legislativa similar, desde que venha a suplementar a Lei Federal nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e desde que haja adequações no sentido da garantia do direito prioritário de vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência às crianças a partir do dia em que completarem 4 anos de idade. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 11 de junho de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 11/06/2021 14:03:44 |
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