Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 084/2021
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 169/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de Equipes de Brigada Civil de Emergência, composta por Bombeiro Civil, nos estabelecimentos que esta lei menciona no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Marcos SJ (DEM) apresentou o Projeto de Lei nº 084/2021 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de Equipes de Brigada Civil de Emergência, composta por Bombeiro Civil, nos estabelecimentos que esta lei menciona no Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera algumas das competências dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A disposições normativas trazidas na proposta se inserem na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 084/2021, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um meio de segurança de pessoas, interesse público concernente à segurança dos munícipes, o que se encontra no âmbito do dever de todos os entes federados.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” No presente caso, a medida está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município.

O art. 78 do Código Tributário Nacional conceitua o poder de polícia atividade da administração pública como aquele que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 084/2021 é determinar, através da legislação local, medida voltada à melhoria das condições de segurança dos frequentadores dos estabelecimentos que dispõe – exclusivamente estabelecimentos privados, sem afronta à separação de poderes.

Cabe lembrar que o Procurador-Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.761 no Supremo Tribunal Federal, em face da Lei nº 3.271/2013, do Estado de Rondônia, que regulamenta a atividade de bombeiro civil em âmbito estadual, argumentando que houve violação da competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho, além de ofensa ao princípio da livre iniciativa, em razão de restrições impostas a empresas prestadoras de serviços de bombeiros civis e às escolas de formação desses profissionais. Ocorre que a norma impugnada no STF, diferentemente do Projeto de Lei nº 084/2021, estabeleceu grandes limitações ao exercício da profissão, exigindo a conclusão de curso de formação com grade curricular já delimitada e carga horária mínima, além de outras especificidades a serem definidas pelo Corpo de Bombeiros Militar. A proposta em análise, por sua vez, no artigo 3º, apenas se refere à habilitação dos bombeiros civis de conformidade com o disposto na Lei Federal nº 11.901/2009, não usurpando qualquer competência privativa da União no que concerne às condições para o exercício da profissão.

Por fim, cabe trazer à tona um julgado relevante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que corrobora toda a fundamentação já apresentada. Trata-se do acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2251925-61.2016.8.26.0000, em que se discutiu a constitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 852, de 15 de setembro de 2016, do Município de Catanduva, que dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de bombeiros civis, nos estabelecimentos que menciona, e dá outras providências. De acordo com o relator, Desembargador Borelli Thomaz:

Não entrevejo invasão de competência normativa do Poder Executivo, porquanto, como realcei por ocasião da decisão pela qual indeferi a liminar, não entrevi, como ainda não entrevejo invasão de competência normativa do Poder Executivo, porque instituída obrigatoriedade de manutenção de uma brigada profissional composta por bombeiros civis naquela municipalidade, o artigo 2º não vai além de especificar os estabelecimentos sujeitos à obrigação, sem imposição de obrigação ao Executivo, conquanto incumba a este alguma fiscalização que, entretanto, não vai além da que de é mesmo de seu ofício e competência, a não exigir peculiaridades características de aumento de despesas ordenadas pelo Legislativo. [...] Cuida-se de expediente legislativo passível de iniciativa parlamentar, por não violar o princípio da separação dos poderes, inserido no artigo 5º da Constituição Estadual, mesmo porque, contrariamente ao deduzido na petição inicial, os dispositivos legais não trazem alteração de despesa, dado que a fiscalização não vai além da que de comum acontece pela Administração Municipal.

A Constituição Federal, no artigo 144, prevê que a segurança pública, embora constitua dever do Estado, é direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que fundamenta a manutenção de serviços paralelos destinados à prevenção e ao combate de incêndio, tais como os desempenhados pelos bombeiros civis. A atividade desenvolvida pelos bombeiros civis, no mais, otimiza a ampla aplicação dos direitos fundamentais à vida e à saúde (CF, artigo 5º, caput, e artigos 6º e 196).

Cabe ressaltar que a ordem econômica na Constituição de 1988 define uma opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa, mas essa circunstância não legitima a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. O que se deve levar em conta é a harmonização dos princípios da livre iniciativa e da razoabilidade das medidas de poder de polícia, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em relação ao tamanho dos estabelecimentos.

Por fim, quanto ao aspecto da técnica legislativa, a proposição merece ser corrigida através de Emenda ou Redação Final em seu art. 1º, alterando a disposição “Município de Santa Maria” para que conste “Município de Guaíba”.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 084/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada as correções sugeridas quanto ao art. 1º para que conste “Município de Guaíba”.

Guaíba, 02 de junho de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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02/06/2021 16:13:35
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