Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 019/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 157/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o cargo de Agente de Combate a Endemias no Quadro Permanente de Cargos do Município e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 019/2021 à Câmara Municipal, o qual “Cria o cargo de Agente de Combate a Endemias no Quadro Permanente de Cargos do Município e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO:

3.1 Da competência e da iniciativa

 

Quanto à competência, não há óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

Alexandre de Moraes expõe que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe alterações na estrutura administrativa do Executivo, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, ao qual cabem as competências privativas dos arts. 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei nº 019/2021, uma vez que apresentado pelo Executivo Municipal, enquanto responsável pela sua organização administrativa.

3.2 Do conteúdo do projeto de lei

A respeito do teor do Projeto de Lei nº 019/2021, tem-se que o seu objeto é a criação do cargo público de provimento efetivo de Agente de Combate a Endemias.

A justificativa ao projeto esclarece que “é essencial a coleta de informações para alimentação de dados em sistemas epidemiológicos, através da busca ativa de informações epidemiológicas, que se justifica para o conhecimento da demanda local, buscando uma atuação eficiente dos profissionais”.

A matéria está disciplinada na Emenda Constitucional nº 51/2006 e Emenda Constitucional nº 63/2010, que acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição da República, bem como na Lei Federal nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, que regulamentou o § 5º do art. 198 da Constituição Federal, que trata da contratação dos Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate as Endemias:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

(...)

§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)

§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006) (Vide Medida provisória nº 297. de 2006)

§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 63, de 2010)

§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)

Quanto à forma de provimento, o regime jurídico de trabalho dos Agentes de Saúde passou a não ser necessariamente o celetista, uma vez que o art. 8º da Lei n.º 11.350/2006 facultou os entes federativos a dispor de modo diverso, por meio de regime estatutário. É o que define, por exemplo, a Lei nº 13.026/2014, ao prever a adequação dos Agentes de Combate às Endemias ao regime jurídico obrigatório no ano de 2014, ano da publicação da referida lei federal.

 

Em relação à questão do regime jurídico e provimento dos Agentes de Combate às Endemias, cabe alertar que tramita no âmbito do STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.554/DF, ainda pendente de julgamento, na qual está sendo discutida a transformação de emprego em cargo público estatutário, por força da Lei nº 13.026/2014, sem a realização de concurso público (parecer da PGR pela procedência da Ação).

 

Verifica-se, logo, que os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. Como se sabe, a regra geral para o provimento de cargos e empregos na Administração Pública é a do concurso público (art. 37, II, da CF/88). A Constituição Federal, contudo, traz algumas exceções, tais como as hipóteses de nomeação para cargos em comissão e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, e agora também a contratação de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate às endemias, diante da possibilidade de sua admissão por processo seletivo público.

Segundo Cunha Júnior (2012, p. 972), o princípio do prévio concurso público para acesso aos cargos ou empregos públicos é mitigado por algumas previsões constitucionais, em suma, são cargos em que sua acessibilidade não está condicionada à prévia aprovação em concurso público. São situações especiais em que a Constituição Federal dispensa o concurso público. Como exemplos de alguns desses casos especiais, destacam-se: a investidura em cargos vitalícios, ministros do STF e STJ; os cargos comissionados declarados em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, V, Constituição Federal); contratação de agentes temporários segundo o artigo 37, IX, da Constituição Federal; e a contratação de agentes comunitários de saúde e agentes de combates às endemias por meio de processo seletivo público (SCATOLINO; TRINDADE, 2016).

Efetivamente, o E. Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135/DF, de 02/08/2007, suspendeu, com efeitos ex nunc, a eficácia do caput do art. 39 da Constituição Federal, em face de vícios formais na tramitação legislativa da Emenda, e repristinou a redação original do art. 39, caput, da Constituição Federal, para permitir apenas o regime jurídico único. Essa decisão, contudo, não alcança as contratações dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, pois são considerados, constitucionalmente, como exceção à regra do regime jurídico único. Nessa linha, sobre a inaplicabilidade dos efeitos da ADIN 2.135/DF, Rafael Maffini leciona (Direito Administrativo. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2008, p. 245):

Mesmo diante da referida decisão do STF, que suspendeu preceitos da EC 19/1998 e retomou o texto original do art. 39 da CF, o texto constitucional, ao que parece, mantém uma exceção à regra geral do RJU. Trata-se de situação dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às epidemias, referidos o art. 198, § 4º e seguintes da Constituição Federal. Em relação a tais profissionais, admitidos pelos gestores locais do sistema único de saúde, dispõe o art. 198, § 5º, da CF, com a redação dada EC 51/2006, que “lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação” de suas respectivas atividades. A referida Lei Federal consiste na Lei 11.350/2006, cujo art. 8º dispõe que os “Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais dos SUS e pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa”. Ou seja, admitiu-se a possibilidade de aplicação de um regime celetista a pessoas que exercem funções em entidades que, em geral, estariam submetidas a um regime funcional único de natureza estatutária. Cumpre salientar que tal conclusão, ou seja, o entendimento de que a referida exceção continua em vigor, mesmo diante do pronunciamento do STF, se deve ao fato de que a Corte Constitucional não proclamou a inconstitucionalidade material da EC 19/1998, mas o seu vício formal. Isso implica dizer que o STF não decidiu que a Constituição Federal, em seu conteúdo, obriga a existência de um RJU, como, aliás, defendem vários autores, capitaneados por Celso Antônio Bandeira de Mello. Decidiu-se, no referido precedente, de natureza cautelar, tão só pela grande plausibilidade de inconstitucionalidade formal da regra da EC 19/1998 que alterara o texto original da Constituição. Por fim, coube à Lei nº 11.350/2006 regulamentar o § 5º do art. 198 da CF, prevendo, em seu art. 8º, que “os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4o do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa”.

Cabe o alerta de que os Requisitos para Provimento previstos no PL nº 019/2021 estão em descompasso com a Lei Federal nº 11.350/2006 - ter concluído o ensino médio:

 

Art. 7º O Agente de Combate às Endemias deverá preencher os seguintes requisitos para o exercício da atividade:

I - ter concluído, com aproveitamento, curso de formação inicial, com carga horária mínima de quarenta horas; (Redação dada pela Lei nº 13.595, de 2018)

II - ter concluído o ensino médio(Redação dada pela Lei nº 13.595, de 2018)

§ 1º Quando não houver candidato inscrito que preencha o requisito previsto no inciso II do caput deste artigo, poderá ser admitida a contratação de candidato com ensino fundamental, que deverá comprovar a conclusão do ensino médio no prazo máximo de três anos. (Incluído pela Lei nº 13.595, de 2018)

Percebe-se, ademais, que a propositura pretende também a extinção dos 30 empregos públicos de Agente de Combate a Endemias, regidos pela CLT, criados pela Lei Municipal nº 3.211, de 12 de novembro de 2014.

 

Cabe alertar que a propositura em análise não pode apresentar aumento de despesas, sob pena de incidir na vedação da Lei Complementar nº 173/2020 - art. 8º, II, da LC 173/2020, até 31 de dezembro de 2021.

 

A Lei Complementar nº 173/2020 foi editada para o enfrentamento de uma crise sanitária sem precedentes e trouxe regras proibitivas – transitórias – que se aplicam aos Municípios, conforme estabelece o “caput” do art. 8º, que possuem um caráter de contraprestação pelos recursos repassados pela União no âmbito do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19). As proibições impostas aos entes públicos pelo artigo 8º da Lei Complementar nº 173/2020 terão eficácia temporal de 28 de maio de 2020 até 31 de dezembro de 2021:

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I - conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

II - criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;

V - realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

[...]

VII - criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

[...]

§ 1º O disposto nos incisos II, IV, VII e VIII do caput deste artigo não se aplica a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

§ 2º O disposto no inciso VII do caput não se aplica em caso de prévia compensação mediante aumento de receita ou redução de despesa, observado que:

I - em se tratando de despesa obrigatória de caráter continuado, assim compreendida aquela que fixe para o ente a obrigação legal de sua execução por período superior a 2 (dois) exercícios, as medidas de compensação deverão ser permanentes; e

II - não implementada a prévia compensação, a lei ou o ato será ineficaz enquanto não regularizado o vício, sem prejuízo de eventual ação direta de inconstitucionalidade. (grifamos)

O legislador federal estipulou proibições e restrições, especialmente voltadas a obstar aumento de despesas com pessoal. Sendo assim, frisamos que a legalidade da proposição exige que não haja a incidência das vedações trazidas pela Lei Complementar nº 173/2020.

Apesar de a LC nº 173/2020, no art. 8º, II e III, permitir a alteração da estrutura administrativa e a criação de cargos públicos, inclusive comissionados, desde que o ato não importe em aumento de despesa, se houver a criação de novos cargos fica vedado o preenchimento se tratar-se de cargos novos, já que a própria LC 173/2020 autoriza somente a nomeação nas hipóteses de reposição decorrente de vacância (inciso IV).

Para que se afastem as vedações da LC nº 173/2020, especialmente em seu art. 8º, II, deve o Poder Executivo Municipal demonstrar através de estudo de impacto orçamentário-financeiro[1] que a criação de cargo público não importa em aumento de despesa, com a devida compensação com outra despesa permanente, nos termos do art. 8º, VII, e §§ 1º e 2º. Isso porque a medida pretendida com o PL nº 019/2021 possui vigência e efeitos que ultrapassam a duração do combate à pandemia.

Destarte, devem ser observadas as exigências do art. 16 da LRF, que exige que os atos que provoquem aumento da despesa com pessoal deverão ser instruídos com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois exercícios subsequentes da criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental que acarrete aumento da despesa, sendo que tal estimativa deverá ser acompanhada das premissas e da metodologia de cálculo utilizadas – art. 16, I e § 2º, da LRF, e da “declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias - art. 16, II, da LRF.

Quanto à hipótese de provimento de cargos em relação ao disposto no inciso IV, art. 8º, da LC nº 173/2020, verifica-se que, afora a possibilidade de contratações temporárias (de que trata o inc. IX do art. 37 da CF/88 e para o serviço militar), é permitida a reposição de servidores (i) tanto ocupantes de cargos de provimento efetivo e vitalícios, como, inclusive, (ii) para os cargos comissionados. Ressalte-se, porém, importante diferença entre as duas hipóteses: enquanto para os primeiros basta haver a vaga em aberto, em relação aos segundos, essa investidura não pode acarretar aumento de despesa. Porém, diante das vedações da LC 173/2020, está vedada também a realização de concurso e a consequente nomeação de servidores nos casos de cargos novos que nunca foram providos – como no caso em análise.

Ademais, diante da justificativa e da apresentação concomitante do PL nº 020/2021, cabe salientar que não há a necessidade de existência de um cargo público nos quadros de pessoal do órgão público para fins de contratação temporária da correlata função pública. Di Pietro (2012, p. 592) afirma que a “exigência de lei para criação de função não se aplica no caso do art. 37, IX, pela impossibilidade de previsão das ocorrências excepcionais que justificarão a medida”.

Dessa forma, apenas a título de nota, não é necessária a criação ou pré-existência de cargos ou funções em lei, quando a necessidade de contratação temporária é fruto de uma situação excepcional de calamidade pública, permanecendo apenas a obrigatoriedade de lei que regule os casos permissivos para a utilização deste instrumento de contratação.

[1] LC 101/2000 – LRF:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

(...)

Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1o do art. 169 da Constituição;

II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 019/2021, desde que (i) apresentado impacto orçamentário e financeiro comprovando que a criação do cargo não implica aumento de despesa, observadas as vedações impostas pela Lei Complementar nº 173/2020 (art. 8º, II, da LC nº 173/2020); (ii) que seja adequado o requisito de provimento para ensino médio, conforme prevê o art. 7º, II, da Lei nº 11.350/2006; e que, (iii) se a intenção for aplicar o regime estatutário, esteja expressamente prevista na lei essa definição, pois, do contrário, incidirá por regra o regime celetista, de acordo com o que dispõe o art. 8º da Lei nº 11.350/2006.

É o parecer.

Guaíba, 25 de maio de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

 

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
25/05/2021 14:00:40
ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
25/05/2021 14:52:20
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 25/05/2021 ás 13:59:03. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 5b133c6d1806a67aecf4bb678fab95e1.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 90727.