Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 077/2021
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 156/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a alínea “f”, inc. I, Art. 4˚, inc. VI do mesmo art. e inclui inc. XXXIII do Art. 6˚, parágrafo 3˚ do Art. 66 da Lei 2146/2006 – que Define os objetivos da política de desenvolvimento urbano, rural, social, ambiental, econômico, histórico – cultural e industrial e institui o plano diretor de planejamento e gestão do município de Guaíba e dá outras providências -, e alterações posteriores, incluindo medidas para o aproveitamento do potencial hidroviário do Município"

1. Relatório

O Ver. Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 077/2021 à Câmara Municipal, em que busca alterar e incluir dispositivos à Lei Municipal nº 2.146/2006, a qual define o Plano Diretor do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva, no sentido de alertar para inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de urbanismo (art. 24, I), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Nesses termos, a alteração que se pretende instituir no Plano Diretor se insere, efetivamente, no interesse local e respeita o regramento geral instituído pela Lei Federal nº 12.587/2012. Isso porque, além de veicular tema de relevância para o Município, a proposta se refere à mobilidade urbana de passageiros com aproveitamento da malha hidroviária existente, o que tem relação com as competências do art. 30, V e VIII, da CF/88.

No que diz respeito à iniciativa, também está adequada, porque não há qualquer dispositivo constitucional que restrinja o poder de iniciativa no que concerne aos projetos de lei sobre o plano diretor. Aplica-se, em razão disso, a regra geral prevista no artigo 61, caput, da CF/88, artigo 59, caput, da CE/RS e artigo 38, caput, da LOM, segundo os quais a iniciativa dos projetos de lei, salvo disposição contrária, cabe a qualquer membro do Legislativo, comissão permanente da Câmara Municipal, ao Prefeito e ao eleitorado.

Quanto à matéria de fundo, o Projeto de Lei nº 077/2021 objetiva alterar e introduzir dispositivos à Lei Municipal nº 2.146/2006, que define o Plano Diretor do Município de Guaíba, no sentido de prever novos objetivos, instrumentos e definições da política de desenvolvimento urbano, visando à regulação do aproveitamento da malha hidroviária existente e dos potenciais que lhe são relacionados, o que, como referido, é de interesse local e suplementa a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012).

Salienta-se, contudo, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade. Além disso, por tratar-se de projeto de lei complementar municipal, são exigidas a ampla divulgação e a realização de consulta pública para recebimento de sugestões da comunidade (art. 46, IV e § 1º, da LOM). Inclusive, o TJRS já declarou a inconstitucionalidade formal de lei municipal que, alterando plano diretor, deixou de oportunizar a participação popular na discussão da proposta:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.960/16, DO MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, A QUAL ALTERA A REDAÇÃO DA LEI INSTITUIDORA DO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DA OBRIGATÓRIA PARTICIPAÇÃO POPULAR PARA DISCUSSÃO ACERCA DO PLANO DIRETOR. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. A lei municipal objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade padece de vício formal, pois alterou a lei instituidora do plano diretor de desenvolvimento urbano do Município sem observar o regular processo legislativo, que deve assegurar a participação popular na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, nos termos do preceito constante no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual. Da mesma forma, restou violada a regra disposta no art. 29, inc. XII, da Constituição Federal, que determina a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, norma de observância obrigatória pelos Municípios. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70072802689, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em: 11-12-2017)

Assim, em termos gerais, o PL nº 077/2021 é juridicamente viável, uma vez que a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local e com as demais normas existentes em âmbito federal. No entanto, devem ser garantidas a ampla divulgação e a realização de audiências, consultas e debates objetivando a participação popular na construção das políticas, tal como exigem as normas de parâmetro.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei nº 077/2021, por inexistirem, até o momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Ressalta-se, porém, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da CE/RS e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade. A mesma obrigação se extrai do § 1º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal, porquanto a proposição tem natureza de lei complementar municipal. Logo, a completa viabilidade jurídica do projeto, sob o aspecto formal, está condicionada à ampla divulgação e à realização de consultas/audiências públicas para discussão da proposta e para o recebimento de sugestões da comunidade.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 24 de maio de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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24/05/2021 11:00:08
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