PARECER JURÍDICO |
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" Institui no Município de Guaíba a Declaração dos Direitos dos Animais" 1. RelatórioO Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 074/2021 à Câmara Municipal, que institui, no Município de Guaíba, a Declaração dos Direitos dos Animais. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. O proponente apresentou um substitutivo, entregue à Procuradoria para análise jurídica. 2. MÉRITODe fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. A Constituição Federal, em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber. No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. A respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no RE nº 586.224/SP, julgado em 5 de maio de 2015, que “O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88)”. Assim, ao menos até o momento, o entendimento predominante é pela competência legislativa dos Municípios para disporem sobre matéria ambiental, desde que respeitados os limites do seu interesse local. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém destacar que o objetivo principal do substitutivo ao PL nº 074/2021 é promover a proteção dos animais, o que vai ao encontro do art. 225 da CF/88, que refere: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção ambiental, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inciso VII). Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade”. Como se percebe da leitura do substitutivo, os objetivos de proteção direcionam-se para além da consideração dos animais como elementos do meio ambiente. Trata-se, evidentemente, de tutelar o valor da vida – independentemente se humana ou animal – contra atos cruéis que afrontem os interesses de seres sencientes, isto é, daqueles capazes de sentir dor. Nessa linha, a jurisprudência do STF vem avançando cada vez mais no sentido da defesa da vida animal enquanto valor constitucional autônomo, destacando-se, por exemplo, as decisões que interditam manifestações culturais que impliquem crueldade contra os animais: RE nº 153.531 e ADIs nº 2.514, 3.776, 1.856 e 4.983. No caso das vaquejadas (ADI nº 4.983), o Min. Luís Roberto Barroso desenvolveu sólidas considerações quanto à ética animal e ao dever constitucional de proteção dos interesses dos seres sencientes, sendo pertinente a transcrição de alguns trechos:
Ademais, o substitutivo está alinhado com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 15/10/1978, elaborada perante a UNESCO e da qual o Brasil foi signatário. Embora a declaração não tenha sido incorporada à ordem jurídica interna, trata-se de diretriz representativa dos interesses do país sobre a matéria, a validar o conteúdo do projeto. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do substitutivo ao Projeto de Lei nº 074/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 20 de maio de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 20/05/2021 17:30:14 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 20/05/2021 ás 17:28:18. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 8ad18e0defaed197bca6f45c16555c66.
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