Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 058/2021
PROPONENTE : Ver. João Caldas
     
PARECER : Nº 152/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a destinação de área exclusiva para o estacionamento de bicicletas (bicicletário) no âmbito do município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 058/2021, de autoria do Vereador João Caldas (PT), o qual “Dispõe sobre a destinação de área exclusiva para o estacionamento de bicicletas (bicicletário) no âmbito do município de Guaíba e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. O parecer opinou, quanto à proposta original, pela afronta ao princípio da separação entre os poderes (art. 2º da CF/88) e por extrapolar a iniciativa legislativa do Prefeito Municipal expressa no art. 61, § 1º da CF/88.

Em 18 de maio de 2021, o proponente apresentou Substitutivo visando adequar a proposição à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, tendo retornado a esta Procuradoria Jurídica para parecer nos termos do art. 105 do RI.

2. MÉRITO:

 2.1. COMPETÊNCIA MUNICIPAL

Com efeito, a matéria constante do Substitutivo ao Projeto de Lei n.º 058/2021, de autoria do Vereador João Caldas (PT), de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II da CF/88.

Dispõe o artigo 30 da Constituição Federal, prevendo a faculdade normativa dos Municípios, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais, bem como organizar os serviços públicos de interesse local:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

 

Como se vê, os objetivos traçados pela propositura legislativa em análise coadunam-se com as atribuições conferidas aos Municípios pela Constituição Federal no que diz respeito à política de mobilidade urbana, motivo pelo qual não padecem de inconstitucionalidade sob o ponto de vista da repartição de competências. Na verdade, o Projeto vai ao encontro da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para ''proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" e ainda para “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito”. (artigo 23, incisos VI e XII, da CF/88).

As disposições propostas claramente não dispõem sobre trânsito ou transporte, pois tratam de questões relativas à acessibilidade e notadamente de matéria acerca da mobilidade urbana e com objetivo de incentivar o desenvolvimento sustentável no âmbito local, promovendo o crescimento urbano equilibrado. A proposta consiste em um estímulo para o uso de meio de transporte não motorizado, contribuindo para a melhoria da mobilidade urbana e até mesmo do meio ambiente, uma vez que as bicicletas não são poluentes como os veículos motorizados.

 2.2. INICIATIVA PARLAMENTAR

Foi devidamente observada quando da apresentação do Substitutivo a iniciativa para a deflagração do processo legislativo. Da análise do Substitutivo à propositura legislativa não se verifica qualquer imposição de atribuições a órgãos públicos ou interferência na Administração do Município, não incorrendo em inconstitucionalidade formal, nem usurpa a esfera de competência do Poder Executivo Municipal prevista no art. 61 da Constituição Federal, tendo quanto a isso observado os requisitos formais do processo legislativo, além de ultrapassar o disposto no art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul quanto à separação dos poderes. De tal sorte que descabida eventual afirmação de ofensa ao princípio da reserva da administração em relação ao Projeto Substitutivo.

As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:

 “Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e á Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

Foram corretamente suprimidas através do Substitutivo as disposições da propositura legislativa que traziam em seu bojo determinações legais para que o Poder Executivo destinasse áreas exclusivas para o estacionamento público de bicicletas, e pudesse vir a criar, ainda, obrigação de implantação e instalação dos bicicletários por parte da administração pública municipal.[1]

A lapidar jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 2156359-85.2016.8.26.0000, permite concluir pela inocorrência de invasão de competência do Poder Executivo da proposição (com exceção do referido art. 2º), já que quando determina a criação de bicicletários em estabelecimentos privados não há inconstitucionalidade:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal nº 7.433, de 22 dezembro de 2015, do Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a criação de estacionamentos de bicicletas em locais abertos à frequência de público e dá outras providências”. Origem parlamentar. Alegada inconstitucionalidade por vício formal de iniciativa. Afrontado o princípio da independência e harmonia dos Poderes. Falta de indicação de fonte de receita para fazer frente às despesas. - Parcial procedência. Inconstitucionalidade quando determina criação obrigatória de bicicletários em estabelecimentos públicos. Matéria própria de gestão de bens públicos, inserida na prerrogativa da administração publica. Violação ao princípio da separação de poderes - ofensa aos arts. 5º, 25, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Bandeirante. Quando determina a criação em estabelecimentos privados não há inconstitucionalidade. Inexiste interferência em atos de gestão e nem criação de nova obrigação a órgão da Administração Pública. – Parcial procedência para declarar a inconstitucionalidade do inciso I e do termo “públicos” presente no inciso V, ambos do art. 2º, da Lei nº 7.433, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Guarulhos, e a interpretação conforme a Constituição das expressões “parques”, “hospitais”, “instalações desportivas” e “equipamentos de natureza cultural (teatros, cinemas, casas de cultura, etc.), previstas nos incisos II, VIII, IX e X do art. 2º, da Lei nº 7.433, de 22 de dezembro de 2015, do município de Guarulhos, restringindo a sua aplicação aos locais/estabelecimentos privados, excluindo-se de sua abrangência os bens públicos.

Consoante já assentou o TJSP, a leitura do texto do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 058/2021 revela que vai ao encontro da jurisprudência no sentido de que as propostas que determinam a criação em estabelecimentos privados não padecem de inconstitucionalidade.

 2.3. MATÉRIA DE FUNDO

Quanto à matéria de fundo, de fato, os incentivos do poder público, dentre outros meios através do poder de polícia, para a utilização de meios de transportes alternativos como as bicicletas – mobilidade sustentável, são motivados por diversos aspectos ambientais, energéticos de custo e de ocupação espacial e contribuem para a qualidade de vida dos Municípios. Tem sido cada vez mais premente a instituição de políticas públicas assegurando os direitos dos ciclistas no âmbito das cidades sustentáveis em face do direito ambiental brasileiro.

A Lei Federal nº 12.587/2012 - Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelece como prioritários os modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado (art. 4º, V). Elenca, ainda, princípios que fundamentam a Política Nacional da Mobilidade Urbana, como o princípio da acessibilidade universal, do desenvolvimento sustentável das cidades e da equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo.

Ademais, o art. 2º do Estatuto da Cidade estabeleceu as diretrizes gerais a serem observadas pelos Municípios na execução da política urbana, entre as quais está o direito a cidades sustentáveis (art. 2º, I), compreendido como a possibilidade efetiva de todos os habitantes de determinado território usufruírem de um conjunto de direitos fundamentais à promoção de sua dignidade.

Nesse sentido, o próprio Plano Diretor do Município de Guaíba (Lei Nº 2.146/2006) já prevê como um de seus objetivos a implantação de redes alternativas de transporte (art. 4º, I, f) e possui como uma de suas diretrizes para a obtenção dos objetivos gerais da política de desenvolvimento urbano a melhora na oferta desse tipo de equipamentos urbanos:

Art. 5º Para a obtenção dos objetivos gerais, serão adotadas as seguintes diretrizes:

(...)

V - melhorar a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

            Prevê ainda o Plano Diretor a obrigação do poder público em executar políticas de melhoria das condições de circulação por bicicletas:

Art. 326 (...)

f) compete à Prefeitura Municipal de Guaíba executar políticas voltadas à melhoria das condições de circulação a pé, por bicicletas e por transportes coletivos, bem como desenvolver gestões junto a órgãos do Governo do Estado, da União e de concessionárias do setor rodoviário e de transportes, de modo a viabilizar obras de interesse do Município, notadamente nos dispositivos de acesso de vias locais a rodovias que cruzam o Município, e dos vários modais de transporte.

Além de estabelecer a implantação de Ciclovias:

IX - Ciclovias - deverá ser implantado um circuito de ciclovias, ao longo das vias especiais e principais (anexo 05 - Mapa do Sistema Viário), e das vias laterais das rodovias no trecho inserido dentro do perímetro urbano, devendo obedecer os seguintes critérios:

a) largura mínima de cada ciclovia/ciclofaixa deverá ser de 1,50 metros (um metro e cinquenta centímetros).

b) dependendo da ocupação e do volume de pedestres e veículos, a ciclofaixa poderá ser incorporada ao passeio, resguardando-se a largura mínima de 1,50 m (um metro e meio) para o passeio;

c) a localização e trajeto das ciclovias deve evitar ao máximo o cruzamento de bicicletas com veículos acessando estabelecimentos lindeiros e/ou vias transversais;

d) as ciclofaixas (junto a pistas de rolamento de veículos) e ciclovias (separadas fisicamente das pistas de rolamento de veículos) serão acompanhadas de coerente sinalização horizontal, vertical e semafórica, se necessário;

e) os trechos de ciclovias e/ou ciclofaixas devem ser integrados para permitir a circulação direta de bicicletas entre os bairros da cidade;

f) A pavimentação das ciclovias deverá ser executada em material especificado pela Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor.

 

Ressalte-se ainda que vigora no Município de Guaíba a Lei Municipal nº 3.647, de 23 de março de 2018, a qual “Reconhece e incentiva o uso da bicicleta como meio efetivo de mobilidade urbana sustentável”.

Recomenda-se que as Comissões Permanentes analisem a proposta quanto ao estabelecimento da obrigação para que grandes estabelecimentos privados instalem bicicletários, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em relação ao tamanho dos estabelecimentos e dos bicicletários a serem instalados pelos particulares. Correta, do ponto de vista da LC 95/98, a previsão de entrada em vigor após 180 dias da eventual publicação, de modo a contemplar prazo razoável para que se tenha amplo conhecimento da norma (LC 95/98, art. 8º).

     Por se tratar de alteração do Código de Posturas, com natureza de Lei Complementar[2], faz-se necessária a ampla divulgação do projeto antes de sua aprovação, por força do art. 46 da LOM:

Art. 46 São leis complementares que dependem da aprovação da maioria absoluta dos membros da Câmara:

I - código de obras;

II - código de posturas;

III - código tributário;

IV - plano diretor;

V - código do meio ambiente;

VI - estatuto do servidor público;

VII - planos de carreira dos servidores;

VIII - lei que trata da elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

§ 1º Observado o Regimento Interno da Câmara Municipal, é assegurada a ampla divulgação e a realização de consulta pública aos projetos de leis complementares referidos no caput para recebimento de sugestões.

     Quanto ao disposto no § 1º do art. 46 da LOM, o Regimento Interno estabelece a obrigatoriedade de divulgação dos Projetos de Lei Complementar com a maior amplitude possível com prazo de 15 dias para apresentação de sugestões, sugerindo-se a realização de Audiência Pública:

                       

Regimento Interno

Art. 135. São objeto de Lei Complementar, entre outros:

(...)

III - código tributário e fiscal;

(...)

§ 2º Dos projetos de códigos e respectivas exposições de motivos, antes de submetidos à discussão, será dada divulgação com maior amplitude possível.

§ 3º Dentro de 15 (quinze) dias, contados da data da divulgação de tais projetos, qualquer cidadão ou entidade poderá apresentar sugestões ao Presidente da Câmara, que as encaminhará às Comissões Permanentes.

[1] TJSP, ADI nº 2156359-85.2016.8.26.0000.

[2] A óptica terminológica aduz que a lei complementar é instrumento normativo emanado do órgão legislativo e que, após o devido processo legislativo de tramitação, com aprovação da maioria absoluta dos membros de cada Casa Legislativa, cria, modifica ou extingue as posições jurídicas subjetivas que lhe são constitucionalmente reservadas. KOZIKOSKI, Antonio. Comentários ao artigo 59. In MORAES, Alexandre de; et. al. Constituição federal comentada.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e regular tramitação do Substitutivo ao Projeto de Lei n.º 058/2021, de origem parlamentar, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que observadas as exigências do artigo 46 da Lei Orgânica Municipal - ampla divulgação para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 20 de maio de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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20/05/2021 11:09:25
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