Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Emenda à Lei Orgânica n.º 002/2021
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 136/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta o inciso XI ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal"

1. Relatório

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 002/2021 à Câmara Municipal, objetivando acrescentar o inciso XI ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

2.1 Da competência legislativa municipal

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

As matérias de educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação estão previstas como competências concorrentes, atribuídas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, como se vê:

Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

Na competência concorrente, a União tem por tarefa estabelecer normas gerais sobre as matérias especificadas no artigo 24, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las de acordo com as suas peculiaridades regionais (§§ 1º e 2º). Os Estados e o Distrito Federal só possuem autorização constitucional para legislar plenamente caso a União não tenha editado normas gerais; do contrário, deverão obrigatoriamente respeitá-las, especificando suas regras à luz do ordenamento federal.

Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esses temas. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no artigo 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I).

Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 10.432/12 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - PROIBIÇÃO DE VENDA DE CIGARROS AVULSOS - MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Embora a competência para legislar sobre produção e consumo seja concorrente entre a União e os Estados, assegura-se ao Município competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do artigo 30, da CF e artigos 10 e 169, da Constituição Estadual.- Inexiste inconstitucionalidade na Lei 10.432/12, do Município de Belo Horizonte, ao dispor sobre a proibição da venda de cigarros avulsos, por se tratar de questão afeta a direito do consumidor, de nítido interesse local, e por não haver conflito com a legislação federal. - Improcedência da representação. V.V. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000120699962000 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 17/05/2013)

DIREITO CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.555/13 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR MUNICIPAL. ALCANCE. [...] 1. Decorre da competência legislativa municipal suplementar (CRFB, art. 30, II, e CERJ, art. 358, II) Município editar lei que suplemente, no que couber, atos legislativos da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, logo, daquela e do Estado do Rio de Janeiro, sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (incisos VIII e XII dos arts. 24 e 74, respectivamente das Constituições da República e fluminense); precedentes do STF. 2. Basta interesse também local, não uma especificidade municipal, para que Município possa exercer competência legislativa suplementar; o descabimento só se configura quando a lei municipal dispõe mais do que a ordem normativa a ser por ela suplementada ou quando a lei do Município entra em conflito com o ordenamento constitucional e/ou infraconstitucional federal e/ou estadual. [...] 6. Representação que se julga improcedente. (TJ-RJ - ADI: 00527701420138190000 RJ 0052770-14.2013.8.19.0000, Relator: DES. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA, Data de Julgamento: 05/05/2014, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 10/06/2014)

Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de educação e ensino esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais.

2.2 Da iniciativa do processo legislativo

Constata-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que, tratando-se de emenda à Lei Orgânica, exige o artigo 35, § 1º, da Lei Orgânica que a proposta, se veiculada por Vereador, seja subscrita por 1/3 dos membros da Câmara Municipal, requisito que foi devidamente observado, pois há 6 assinaturas ao final da exposição de motivos.

2.3 Do conteúdo do projeto

A respeito do ensino da história da África, dos africanos e dos negros no Brasil, há dois referenciais que se destacam no ordenamento jurídico: a Lei Federal nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e a Lei Federal nº 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial). Em ambos, verifica-se a presença de regras que tornam obrigatório o ensino da história africana e da população negra brasileira em todas as instituições de ensino fundamental e médio, públicas e privadas:

Lei Federal nº 9.394/96

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

Lei Federal nº 12.288/10

Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

§ 1º Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País.

Salienta-se que ambas as leis federais referem que o ensino dessas temáticas deve ser feito no âmbito de todo o currículo escolar, permeando as disciplinas oficiais na medida de sua compatibilidade, de modo que é acertada a sua inclusão como princípio do ensino público municipal (art. 146 da Lei Orgânica), já que não seria possível, por exemplo, a criação de uma disciplina específica de história africana e história afro-brasileira.

Portanto, considerando a existência de competência legislativa fundada no interesse local (art. 30, I, da CF/88), a regular iniciativa do processo legislativo (art. 35, § 1º, da Lei Orgânica) e a compatibilidade material com a Lei Federal nº 9.394/96 e a Lei Federal nº 12.288/10, nada obsta a tramitação regimental do projeto, que deverá seguir o rito do art. 36 da Lei Orgânica e ser promulgado pela própria Mesa da Câmara (art. 37 da Lei Orgânica).

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 002/2021, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que atendidos os requisitos procedimentais previstos na Lei Orgânica para a deliberação da proposta.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de maio de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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11/05/2021 11:29:39
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