PARECER JURÍDICO |
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"Acrescenta o inciso XI ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal" 1. RelatórioO Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 002/2021 à Câmara Municipal, objetivando acrescentar o inciso XI ao art. 146 da Lei Orgânica Municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). 2.1 Da competência legislativa municipal No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. As matérias de educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação estão previstas como competências concorrentes, atribuídas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, como se vê:
Na competência concorrente, a União tem por tarefa estabelecer normas gerais sobre as matérias especificadas no artigo 24, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las de acordo com as suas peculiaridades regionais (§§ 1º e 2º). Os Estados e o Distrito Federal só possuem autorização constitucional para legislar plenamente caso a União não tenha editado normas gerais; do contrário, deverão obrigatoriamente respeitá-las, especificando suas regras à luz do ordenamento federal. Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esses temas. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no artigo 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber. No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88:
Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de educação e ensino esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. 2.2 Da iniciativa do processo legislativo Constata-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que, tratando-se de emenda à Lei Orgânica, exige o artigo 35, § 1º, da Lei Orgânica que a proposta, se veiculada por Vereador, seja subscrita por 1/3 dos membros da Câmara Municipal, requisito que foi devidamente observado, pois há 6 assinaturas ao final da exposição de motivos. 2.3 Do conteúdo do projeto A respeito do ensino da história da África, dos africanos e dos negros no Brasil, há dois referenciais que se destacam no ordenamento jurídico: a Lei Federal nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e a Lei Federal nº 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial). Em ambos, verifica-se a presença de regras que tornam obrigatório o ensino da história africana e da população negra brasileira em todas as instituições de ensino fundamental e médio, públicas e privadas:
Salienta-se que ambas as leis federais referem que o ensino dessas temáticas deve ser feito no âmbito de todo o currículo escolar, permeando as disciplinas oficiais na medida de sua compatibilidade, de modo que é acertada a sua inclusão como princípio do ensino público municipal (art. 146 da Lei Orgânica), já que não seria possível, por exemplo, a criação de uma disciplina específica de história africana e história afro-brasileira. Portanto, considerando a existência de competência legislativa fundada no interesse local (art. 30, I, da CF/88), a regular iniciativa do processo legislativo (art. 35, § 1º, da Lei Orgânica) e a compatibilidade material com a Lei Federal nº 9.394/96 e a Lei Federal nº 12.288/10, nada obsta a tramitação regimental do projeto, que deverá seguir o rito do art. 36 da Lei Orgânica e ser promulgado pela própria Mesa da Câmara (art. 37 da Lei Orgânica). 3. ConclusãoDiante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 002/2021, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que atendidos os requisitos procedimentais previstos na Lei Orgânica para a deliberação da proposta. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 11 de maio de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 11/05/2021 14:29:39 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 11/05/2021 ás 14:28:41. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 54c759a3e0c9e1925e6cf7cba816ed14.
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