PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Guaíba" 1. RelatórioO Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Resolução nº 007/2021, objetivando instituir o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, pois o projeto propõe a instituição de um Código de Ética e Decoro Parlamentar, com regras sobre a disciplina no mandato, matéria para a qual a iniciativa é da Câmara Municipal, nos termos do art. 28 da Lei Orgânica Municipal. A propósito, é relevante destacar a previsão do artigo 51, inc. IV, e do artigo 52, inc. XIII, da CF/88, segundo os quais é competência privativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal “dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.” No mesmo sentido, o artigo 53, inc. XXXV, da Constituição Estadual Gaúcha prevê a competência exclusiva da Assembleia Legislativa para “dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, bem como elaborar sua folha de pagamento.” Tais dispositivos são aplicáveis por simetria em âmbito municipal, visto que, em termos gerais, são normas de organização do Poder Legislativo. 2.1 Da recepção do Decreto-Lei nº 201/67 pela Constituição Federal de 1988 O Decreto-Lei nº 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Esse diploma legal dispõe sobre os casos e o processo de responsabilização de Prefeitos e Vereadores, estabelecendo crimes de responsabilidade (art. 1º) e infrações político-administrativas/ético-parlamentares (arts. 4º e 7º), puníveis, respectivamente, com pena privativa de liberdade e com cassação do mandato. O Supremo Tribunal Federal, no HC nº 70.671-1/PI, reconhecendo a recepção do Decreto-Lei nº 201/67 pela Constituição Federal de 1988, lançou argumentação no sentido de que as condutas do art. 1º têm natureza jurídica de infrações comuns, apuráveis perante o Poder Judiciário por denúncia pelo Ministério Público, enquanto os verdadeiros crimes de responsabilidade estão previstos no art. 4º, já que investigados e julgados na Câmara Municipal, pelos Vereadores. Veja-se a ementa do referido acórdão:
Verifica-se, então, que as condutas nominadas pelo Decreto-Lei nº 201/67 como crimes de responsabilidade são, na realidade, crimes comuns, porque punidas na forma disciplinada pelas leis processuais penais ordinárias, isto é, por meio de processo judicial, cujo início se dá por ação penal pública movida pelo Ministério Público e se conclui, se procedente o pedido, com a condenação transitada em julgado à pena privativa de liberdade. As verdadeiras condutas consideradas crimes de responsabilidade, em relação aos Prefeitos, são as dispostas no art. 4º, porque punidas com a cassação do mandato, em processo de natureza eminentemente política. O mesmo ocorre em relação aos Vereadores, no que diz respeito às infrações estabelecidas pelo art. 7º, também nominadas pela doutrina como infrações ético-parlamentares. Em ambos os casos (de infrações do art. 4º e do art. 7º), o procedimento a ser aplicado é o previsto no art. 5º do Decreto-Lei nº 201/67. Nesse sentido, refere José Nilo de Castro (“A defesa dos Prefeitos e Vereadores”, Editora Del Rey, 1996, p. 82):
2.2 Da competência privativa da União para definir os crimes de responsabilidade e estabelecer as respectivas normas de processo e julgamento Esse esclarecimento é essencial para o que aqui se expõe, uma vez que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a competência legislativa para dispor sobre crimes de responsabilidade é privativa da União (art. 22, I, CF/88), não cabendo aos Municípios tratar dessa matéria, sob pena de transgredir o sistema constitucional de repartição de competências. Eis o teor da Súmula nº 722 e da Súmula Vinculante nº 46, esta de observância obrigatória pela Administração Pública:
Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem constantemente afirmando que os Municípios não têm competência legislativa para dispor sobre crimes de responsabilidade, e, quando o fazem, ainda que na sua Lei Orgânica Municipal, as normas resultantes são formalmente inconstitucionais, porquanto atravessam a competência legislativa privativa da União:
Também é válido lembrar que aos Estados falta a competência para dispor sobre crimes de responsabilidade, ainda que tenham autonomia política à semelhança dos Municípios. Isso porque, quanto aos Governadores e aos Secretários Estaduais, aplica-se o disposto na Lei nº 1.079/50, editada e promulgada pela União, sendo pacífica a impossibilidade de os Estados disporem diferentemente ao que está previsto na citada norma federal. Portanto, se os Estados, que também possuem autonomia política, não podem legislar sobre crimes de responsabilidade por estarem sujeitos à Lei Federal nº 1.079/50, com mais razão ainda não podem os Municípios legislar sobre a temática, por se sujeitarem ao Decreto-Lei nº 201/67 e por sua competência legislativa ser restrita aos assuntos de interesse local. Nesses termos, a doutrina de Silvio Paulo Brabo Rodrigues e Oirama Valente Santos Brabo Rodrigues (Lei Orgânica Municipal e o Decreto-Lei 201/67, 1995, p. 56):
Dessa forma, considerando a jurisprudência levantada, a doutrina majoritária e, sobretudo, o disposto na Súmula nº 722 do Supremo Tribunal Federal e na Súmula Vinculante nº 46, cabe exclusivamente à União definir os crimes de responsabilidade e estabelecer as respectivas normas de processo e julgamento, pelo que se entende como inviável juridicamente toda a regulamentação do Projeto de Resolução nº 007/2021 atinente à Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, medidas disciplinares e processo de perda de mandato. 2.3 Da viabilidade da definição de condutas violadoras do decoro parlamentar Em respeito à jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tem-se que a definição de condutas violadoras do decoro parlamentar está inserida na competência legislativa municipal, na medida em que não estabelece novas hipóteses de crimes de responsabilidade (ou infrações ético-parlamentares), mas apenas detalha o que se considera como quebra de decoro parlamentar, a sujeitar o agente político ao processo disciplinado pelo Decreto-Lei nº 201/67:
Conforme o precedente jurisprudencial, a descrição das condutas consideradas contrárias ao decoro parlamentar não viola a competência legislativa privativa da União, visto que não se trata de criação de novas hipóteses de crimes de responsabilidade, mas do detalhamento daquilo que se entende como violação da ética parlamentar, cuja observância é dever e responsabilidade de todos os membros do Poder Legislativo. A propósito do assunto, veja-se o argumento da relatora do precedente identificado:
Inclusive, esse é o sentido da previsão constante no § 1º do art. 55 da CF/88, ao dispor que cabe ao Regimento Interno estabelecer as hipóteses de quebra do decoro parlamentar, que se somam às outras causas já previstas no próprio texto constitucional (abuso de prerrogativas e percepção de vantagens indevidas), sendo todas essas aptas à instauração de processo de responsabilização política, que, para os Vereadores, deve seguir a sistemática do Decreto-Lei nº 201/67, recepcionado pela ordem constitucional vigente. Assim, nada obsta que, no Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, estejam previstas as hipóteses de quebra do decoro parlamentar, como mero detalhamento a tornar apta, concretamente, a constatação da ruptura da ética parlamentar e o ensejo à punição da conduta irregular por meio de processo de responsabilização política, que, como já referido, deverá sempre observar o disposto no Decreto-Lei nº 201/67. Por esse motivo, entende-se que o art. 8º do Projeto de Resolução nº 007/2021, que trata dos atos incompatíveis com o decoro parlamentar, pode ser incluído no Regimento Interno da Câmara a partir de nova proposição legislativa, respeitada a regra de iniciativa do seu art. 138. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, tece as seguintes considerações sobre o Projeto de Resolução nº 007/2021: a) a iniciativa do processo legislativo foi regularmente exercida, já que o projeto propõe a instituição de um Código de Ética e Decoro Parlamentar, com regras sobre a disciplina no mandato, matéria para a qual a iniciativa é da Câmara Municipal, nos termos do art. 28 da Lei Orgânica Municipal; b) a competência legislativa é apenas em parte municipal, tendo em vista que, na forma da Súmula nº 722 do Supremo Tribunal Federal, da Súmula Vinculante nº 46, da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e da doutrina utilizada, compete privativamente à União definir os crimes de responsabilidade e estabelecer as respectivas normas de processo e julgamento, de modo que a regulamentação sobre a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, medidas disciplinares e processo de perda de mandato é inviável; c) nada obsta que, no Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, sejam previstas as hipóteses de quebra do decoro parlamentar, como mero detalhamento a tornar apta, concretamente, a constatação da ruptura da ética parlamentar e o ensejo à punição da conduta irregular por meio de processo de responsabilização política, razão pela qual se entende que o art. 8º do Projeto de Resolução nº 007/2021, que trata dos atos incompatíveis com o decoro parlamentar, pode ser incluído no Regimento Interno da Câmara a partir de nova proposição legislativa, respeitada a regra de iniciativa do seu art. 138; d) salienta-se, por fim, que o Decreto-Lei nº 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, foi recepcionado pela CF/88, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, devendo ser o referencial jurídico a ser aplicado nos casos de responsabilização política do Prefeito e de Vereadores. Por esses motivos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por incompetência legislativa (art. 22, I, da CF/88), destacando-se, por outro lado, a possibilidade de que as hipóteses de quebra do decoro parlamentar (art. 8º) sejam incluídas no Regimento Interno a partir de nova proposição apresentada pela Mesa Diretora ou pela maioria absoluta dos Vereadores (art. 138 do Regimento Interno da Câmara de Guaíba). É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 10 de maio de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 10/05/2021 16:04:17 |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 10/05/2021 ás 16:03:19. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 13bea6ee85e9129e794bfe19460c9245.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 89424. |