PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Cria a Política Municipal de combate à fome e regulamenta, no âmbito do Município de Guaíba, a Lei Federal número 14.016 de 23 de junho de 2020" 1. RelatórioO Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 065/2021 à Câmara Municipal, visando criar a Política Municipal de Combate à Fome e regulamentar, no Município de Guaíba, a Lei Federal nº 14.016, de 23 de junho de 2020. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITOPreliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir programa sob a responsabilidade do Poder Executivo Municipal, no sentido do desenvolvimento de ações de combate à fome no Município de Guaíba, envolvendo a concessão de benefícios eventuais; atualização, cadastro e habilitação permanente de pessoas em situação de vulnerabilidade; manutenção de cadastros estatísticos atualizados para subsidiar o direcionamento da política; criação de programa de distribuição diária e periódica de alimentos preparados; criação de plano municipal e fundo municipal de combate à fome (art. 1º, incisos I a VI). Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor sobre programa e diversas competências administrativas que devem ser implementadas pelo Executivo, através de seus órgãos, sob a responsabilidade última do Prefeito. O Projeto de Lei nº 065/2021, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:
Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):
A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade do Poder Executivo para o combate à fome, por se tratar de matéria de competência privativa do Prefeito, na seara de sua discricionariedade. Aliás, vejam-se precedentes da jurisprudência relacionados ao caso em análise:
O Projeto de Lei nº 065/2021 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:
Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei nº 065/2021 contém vício de iniciativa, por dispor sobre um programa que envolve atribuições de órgão público, serviços públicos municipais e organização administrativa, matérias de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, dos artigos 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS e do artigo 119, II, da Lei Orgânica. Em relação à regulamentação da Lei Federal nº 14.016, de 23 de junho de 2020, proposta pelos arts. 5º a 9º do Projeto de Lei nº 065/2021, cabe salientar que a Lei Municipal nº 3.859, de 09 de janeiro de 2020, já dispõe sobre a doação de alimentos pelos estabelecimentos comerciais que produzem, preparam, processam ou fracionam alimentos destinados ao consumo humano, devendo ser verificada a conveniência de acrescer novas disposições à lei regulamentadora, visando ampliar sua aplicação e efetividade no Município. Por fim, nada impede que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no art. 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito implemente o programa. 3. ConclusãoDiante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PL nº 065/2021, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como por violação ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no art. 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito implemente o programa. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 05 de maio de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 05/05/2021 15:44:20 |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 05/05/2021 ás 15:43:08. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação e379dacc1b535f67b9f610a7bbda75da.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 88880. |