PARECER JURÍDICO |
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"Institui o Programa IPTU Verde no Município de Guaíba, e dá outras providências" 1. RelatórioO Vereador Miguel Crizel apresentou o Projeto de Lei nº 056/2021 à Câmara Municipal, objetivando instituir o Programa IPTU Verde no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. méritoPreliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). 2.1 Da competência legislativa municipal A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Em relação à matéria de tributação, a CF/88, de fato, estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, incisos I e II, da CF/88 é claro ao assegurar aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa “suplementar complementar” dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que no sentido de detalhar regras presentes na legislação federal e estadual, conferindo-lhes maior efetividade:
Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, em que pese a matéria de tributação esteja presente no art. 24 da CF/88 como competência legislativa concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre o tema, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. 2.2 Da iniciativa do processo legislativo Quanto à iniciativa legislativa, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a deflagração dos referidos projetos, por não haver restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:
As matérias de iniciativa reservada são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando Hely Lopes Meirelles que:
As leis que dispõem sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, afirmando os tribunais que a iniciativa para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente:
A temática proposta também não trata de lei orçamentária, mas meramente de matéria tributária, possuindo viabilidade quanto à iniciativa:
Assim, verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. 2.3 Do conteúdo do projeto de lei De acordo com a justificativa, o projeto pretende instituir um programa de incentivos fiscais em contrapartida a medidas que preservem, protejam e recuperem o meio ambiente na realidade local. Para tanto, propõe reduções de alíquotas do IPTU nos imóveis residenciais e não residenciais que contenham determinadas funcionalidades sustentáveis. Nesse sentido, a Constituição Federal, no artigo 225, caput, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição Estadual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” A jurisprudência dos tribunais estaduais já apreciou a constitucionalidade de leis similares que instituíram políticas de incentivos fiscais em contrapartida a práticas sustentáveis como forma de motivar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecendo a ausência de vícios formais e materiais:
Como se constata da leitura das ementas, não há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo na proposição de projetos envolvendo matéria tributária, porque não estão compreendidos nas hipóteses restritas do art. 61, § 1º, da CF/88 e do art. 60 da CE/RS. De tal forma, em termos gerais, a proposição em análise é válida, desde que suprimido o art. 9º, já que define, por iniciativa parlamentar, o órgão competente para a fiscalização do cumprimento das condicionantes do benefício tributário, o que invade a reserva de administração baseada na separação dos poderes, como indica a última ementa transcrita. Além da retirada do art. 9º, necessário o cumprimento das condições do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para a concessão de benefício de natureza tributária, pois a dispensa de observância das limitações legais sobre renúncia de receitas é circunscrita às proposições legislativas e atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar o estado de calamidade pública e suas consequências, cuja vigência e efeitos sejam restritos à duração desse estado excepcional de calamidade, o que não é o caso da proposição, já que a política de benefícios é definitiva, tendo vigência por tempo ilimitado.[1] Obrigatória, logo, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que a política de benefícios deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na LDO e, ao menos, de uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia ampliada foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA vigente e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da LRF sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:
A propósito do assunto, leia-se a Súmula Administrativa nº 1 da Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba: “Os projetos de lei que visem conceder ou ampliar benefícios de natureza tributária, tais como isenções, anistias e remissões sobre tributos municipais, além dos demais constantes no § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são da competência legislativa municipal e de iniciativa concorrente, demandando, contudo, a instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, ao menos, uma das seguintes condições: a) prévia consideração da renúncia na receita da lei orçamentária vigente e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b) existência de medidas de compensação pelo aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.” (Enunciado aprovado em 3/12/2019, no Expediente de Súmula Administrativa nº 001/2019). [1] Art. 167-D da Constituição Federal de 1988: “As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.” 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria, em conclusão, entende que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 056/2021 está condicionada: a) à retirada do art. 9º; b) à instrução com estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, que comprove a compatibilidade com a LDO e, ao menos, uma das seguintes condições: b.1) prévia consideração da renúncia na receita da lei orçamentária vigente e não comprometimento das metas de resultados fiscais; b.2) existência de medidas de compensação pelo aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Recomenda-se, ainda, uma revisão ortográfica e da técnica legislativa (Lei Complementar nº 95/1998) por ocasião da redação final, caso o projeto seja aprovado. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 3 de maio de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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