Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 058/2021
PROPONENTE : Ver. João Caldas
     
PARECER : Nº 119/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a destinação de área exclusiva para o estacionamento de bicicletas (bicicletário) no âmbito do município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório

O Projeto de Lei nº 058/2021, de autoria do Vereador João Caldas (PT), o qual “Dispõe sobre a destinação de área exclusiva para o estacionamento de bicicletas (bicicletário) no âmbito do município de Guaíba e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

Constata-se que a matéria constante do Projeto de Lei nº 058/2021, de autoria do Vereador João Caldas (PT), de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I, da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II, da CF/88.

Dispõe o artigo 30 da Constituição Federal, prevendo a faculdade normativa dos Municípios, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

Como se vê, os objetivos traçados pela propositura legislativa em análise coadunam-se com as atribuições conferidas aos Municípios pela Constituição Federal no que diz respeito à política de mobilidade urbana, motivo pelo qual não padecem de inconstitucionalidade sob o ponto de vista da repartição de competências. Na verdade, o Projeto vai ao encontro da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para ''proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" (artigo 23, inciso VI, da CF/88).

As disposições propostas claramente não dispõem sobre trânsito ou transporte, pois tratam de questões relativas à acessibilidade. A proposta consiste em um estímulo para o uso de meio de transporte não motorizado, contribuindo para a melhoria da mobilidade urbana e até mesmo do meio ambiente, uma vez que as bicicletas não são poluentes como os veículos motorizados.

Por outro lado, a análise da proposição permite concluir que, de forma geral, incorre em inconstitucionalidade formal, visto que ao criar obrigações e atribuições a órgãos públicos, usurpa a esfera de competência do Poder Executivo Municipal prevista no art. 61 da Constituição Federal, tendo quanto a isso não observado os requisitos formais do processo legislativo, além de ultrapassar o disposto no art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul quanto à separação dos poderes.

Especificamente, o projeto trata da atribuição de órgãos do Poder Executivo municipal (dentre estes a Secretaria de Mobilidade Urbana e Segurança), esbarrando nas normas constitucionais de iniciativa e afrontando o referido princípio da separação entre os Poderes (art. 2º da CF/88).

As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:

 “Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e á Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

Com base nesses fundamentos, vê-se que o alcance material da norma diz respeito ao transporte, ao lazer e ao esporte no âmbito do Município de Guaíba, porém esbarra na reserva de iniciativa, já que se insere dentre o rol taxativo de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, visto que a propositura legislativa traz em seu bojo determinação legal de que o Poder Executivo destine áreas exclusivas para o estacionamento público de bicicletas, e pode vir a criar, ainda, a obrigação de implantação e instalação dos bicicletários por parte da administração pública municipal.[1]

Nessa perspectiva, quanto à inocorrência de invasão de competência do Poder Executivo da proposição (com exceção do referido art. 2º), cabe trazer a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 2156359-85.2016.8.26.0000 e na ADI Nº 2001626-64.2016.8.26.0000:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal nº 7.433, de 22 dezembro de 2015, do Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a criação de estacionamentos de bicicletas em locais abertos à frequência de público e dá outras providências”. Origem parlamentar. Alegada inconstitucionalidade por vício formal de iniciativa. Afrontado o princípio da independência e harmonia dos Poderes. Falta de indicação de fonte de receita para fazer frente às despesas. - Parcial procedência. Inconstitucionalidade quando determina criação obrigatória de bicicletários em estabelecimentos públicos. Matéria própria de gestão de bens públicos, inserida na prerrogativa da administração publica. Violação ao princípio da separação de poderes - ofensa aos arts. 5º, 25, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Bandeirante. Quando determina a criação em estabelecimentos privados não há inconstitucionalidade. Inexiste interferência em atos de gestão e nem criação de nova obrigação a órgão da Administração Pública. – Parcial procedência para declarar a inconstitucionalidade do inciso I e do termo “públicos” presente no inciso V, ambos do art. 2º, da Lei nº 7.433, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Guarulhos, e a interpretação conforme à Constituição das expressões “parques”, “hospitais”, “instalações desportivas” e “equipamentos de natureza cultural (teatros, cinemas, casas de cultura, etc.), previstas nos incisos II, VIII, IX e X do art. 2º, da Lei nº 7.433, de 22 de dezembro de 2015, do município de Guarulhos, restringindo a sua aplicação aos locais/estabelecimentos privados, excluindo-se de sua abrangência os bens públicos.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI Nº 1.098, DE 25 DE AGOSTO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE ILHABELA, QUE DISPÕE SOBRE 'A OBRIGATORIEDADE DE INSTALAÇÃO DE BICICLETÁRIOS EM PRÉDIOS PÚBLICOS' A SEREM CONSTRUÍDOS, REFORMADOS OU AMPLIADOS, NO ÂMBITO DAQUELA LOCALIDADE INICIATIVA ORIUNDA DO PODER LEGISLATIVO LOCAL INVIABILIDADE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA LEI QUE DISCIPLINA MATÉRIA PRÓPRIA DE GESTÃO DE BENS PÚBLICOS, INSERIDA NA PRERROGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, CUJA INICIATIVA CABE EXCLUSIVAMENTE AO CHEFE DO EXECUTIVO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ATO LEGISLATIVO IMPUGNADO, ADEMAIS, QUE ACARRETA CRIAÇÃO DE DESPESA SEM INDICAR RESPECTIVA FONTE DE CUSTEIO OFENSA AOS ARTIGOS 5º, 25, 47, INCISOS II E XIV, 144, E 176, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE PRECEDENTES PRETENSÃO PROCEDENTE.

Consoante já assentou o TJSP, a leitura do texto do Projeto de Lei nº 058/2021 revela que foram impostas obrigações diretas e imediatas ao Executivo, bem como foram criadas novas tarefas para seus órgãos.

Alternativamente, o autor pode apresentar Substitutivo em consonância com o entendimento jurisprudencial no sentido de que as propostas que determinam a criação em estabelecimentos privados não padecem de inconstitucionalidade. Nesse sentido, o próprio Plano Diretor do Município de Guaíba (Lei Nº 2.146/2006) já prevê como um de seus objetivos a implantação de redes alternativas de transporte (art. 4º, I, f) e possui como uma de suas diretrizes para a obtenção dos objetivos gerais da política de desenvolvimento urbano a melhora na oferta desse tipo de equipamentos urbanos:

Art. 5º Para a obtenção dos objetivos gerais, serão adotadas as seguintes diretrizes:

(...)

V - melhorar a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

Prevê ainda o Plano Diretor a obrigação do poder público em executar políticas de melhoria das condições de circulação por bicicletas:

Art. 326 (...)

f) compete à Prefeitura Municipal de Guaíba executar políticas voltadas à melhoria das condições de circulação a pé, por bicicletas e por transportes coletivos, bem como desenvolver gestões junto a órgãos do Governo do Estado, da União e de concessionárias do setor rodoviário e de transportes, de modo a viabilizar obras de interesse do Município, notadamente nos dispositivos de acesso de vias locais a rodovias que cruzam o Município, e dos vários modais de transporte.

Além de estabelecer a implantação de Ciclovias:

IX - Ciclovias - deverá ser implantado um circuito de ciclovias, ao longo das vias especiais e principais (anexo 05 - Mapa do Sistema Viário), e das vias laterais das rodovias no trecho inserido dentro do perímetro urbano, devendo obedecer os seguintes critérios:

a) largura mínima de cada ciclovia/ciclofaixa deverá ser de 1,50 metros (um metro e cinqüenta centímetros).

b) dependendo da ocupação e do volume de pedestres e veículos, a ciclofaixa poderá ser incorporada ao passeio, resguardando-se a largura mínima de 1,50 m (um metro e meio) para o passeio;

c) a localização e trajeto das ciclovias deve evitar ao máximo o cruzamento de bicicletas com veículos acessando estabelecimentos lindeiros e/ou vias transversais;

d) as ciclofaixas (junto a pistas de rolamento de veículos) e ciclovias (separadas fisicamente das pistas de rolamento de veículos) serão acompanhadas de coerente sinalização horizontal, vertical e semafórica, se necessário;

e) os trechos de ciclovias e/ou ciclofaixas devem ser integrados para permitir a circulação direta de bicicletas entre os bairros da cidade;

f) A pavimentação das ciclovias deverá ser executada em material especificado pela Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor.

Ressalte-se que o Plano Diretor, em seu artigo 179, VIII, estabelece normas que regulam os passeios, as quais merecem ser observadas em caso de instalação de bicicletários:

VIII - Passeios - terão dimensões mínimas de 2,50 m (dois metros e cinquenta centímetros), para vias locais e 3,50m (três metros e cinquenta centímetros) para as demais, devendo apresentar resistência adequada e superfície antiderrapante, oferecendo aos pedestres plenas condições de segurança para boa circulação, mesmo quando molhado, devendo seguir os desenhos do anexo 17, e atender as seguintes exigências:

a) na pavimentação dos passeios públicos serão admitidos: placas de concreto; basalto irregular; basalto regular sem polimento; blocos de concreto, do tipo usinado; lajes de grês regular; pisos especiais a critério da Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor, e que observem padrões adequados de segurança ao pedestre, facilidade de reposição do material assentado, resistência e durabilidade quanto ao uso, de modo a serem utilizados para revestimento de passeios que atendam a projetos de adequação à paisagem urbana e projetos urbanísticos especiais.

b) o revestimento do passeio público deverá ser executado, respeitando a largura mínima de 1,50m (um metro e cinquenta centímetros) livre, partindo do meio-fio no sentido do alinhamento predial, em consonância com os níveis de altura dos passeios dos imóveis lindeiros, exceto os passeios inseridos nas zonas Zona Central 1 (anexo 02- Mapa de Zoneamento) e Corredores de Comércio e Serviço Local e Urbano (anexo 03 - Corredores de Comércio e Serviços), devendo, nestes casos serem pavimentados na sua totalidade.

c) a declividade transversal máxima deverá ser de 3% (três por cento) e sem formação de degraus, salvo quando se referirem a ajustes face a topografia do terreno ou a necessidade de resguardar a segurança dos pedestres, neste caso podendo ser

d) modificadas, mediante a autorização da Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor.

e) qualquer obra de construção ou de colocação de elementos construtivos ou de mobiliário urbano no passeio, deverá ser precedida de licença junto a Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor, devendo ser anexado ao pedido de licença um croqui elucidativo contendo as disposições, dimensões e especificações dos mesmos. Esta licença poderá ser revogada atendendo a projetos de adequação à paisagem urbana e projetos urbanísticos especiais.

f) os rebaixos de meio-fio destinados aos acessos de veículos, não deverão ultrapassar 0,60m (sessenta centímetros) medidos no sentido da largura transversal do passeio público e metade da largura do lote ou no máximo 7,00m(sete metros) no sentido longitudinal dos mesmos, observando uma distância mínima de 5,00m (cinco metros) da esquina.

g) será obrigatório junto as esquinas e locais onde houver faixa de segurança rebaixar o meio-fio destinado a facilitar o trânsito de portadores de necessidades especiais, em dimensões a serem definidas pela Secretaria responsável pela gestão do Plano Diretor.

h) os canteiros destinados a plantio de árvores deverão ter no mínimo 1,00m² (um metro quadrado) e o tronco da árvore deve estar a 0,50m (cinquenta centímetros) do meio-fio. Os canteiros deverão ser cercados por uma mureta com 0,10m (dez centímetros) de altura, executada de tijolos ou concreto, a fim de sinalizar sua existência aos portadores de necessidades especiais.

[1] TJSP, ADI nº 2156359-85.2016.8.26.0000.

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver ao autor o Projeto de Lei nº 058/2021, de autoria parlamentar, visto que caracteriza invasão da iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal e inconstitucionalidade manifesta, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a iniciativa legislativa do Prefeito Municipal expressa no art. 61, § 1º, da CF/88.

Alternativamente, já que a jurisprudência assentou que quando determinada criação de bicicletários em estabelecimentos privados não há inconstitucionalidade, sugere-se ao autor que apresente Substitutivo estabelecendo a obrigação para que grandes estabelecimentos privados instalem bicicletários, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em relação ao tamanho dos estabelecimentos e dos bicicletários a serem instalados pelos particulares.

É o parecer.

Guaíba, 29 de abril de 2021.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS 110.114B



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