Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 014/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 117/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o programa Auxílio Assistencial Municipal, no âmbito do Município de Guaíba, a fim de amenizar os impactos sociais causados pela pandemia do novo Coronavírus (Covid-19)"

1. Relatório

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 014/2021 à Câmara Municipal, o qual “Institui o programa Auxílio Assistencial Municipal, no âmbito do Município de Guaíba, a fim de amenizar os impactos sociais causados pela pandemia do novo Coronavírus (Covid-19)”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I da CF/88), visto que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se ao objetivo constitucional de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88).

Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento em nossa Constituição Federal, pois, em última análise, tutela a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a promoção do bem comum e a solidariedade, valores retratados como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...)

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Título VIII, que trata da “Ordem Social”, mais especificamente no Capítulo II, que ordena a Seguridade Social, estabelece que esta compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194 da CF/88).

Mais especificamente, o art. 203 refere que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Da mesma forma, a Lei Orgânica Municipal possui disposições que visam proteger a população quanto às necessárias medidas de assistência social a cargo do Poder Público, especialmente em situações de calamidade como a que se vivencia no momento, bem como estabelece o dever de combate à miséria:

Capítulo XI
DA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

SEÇÃO

PRINCÍPIOS GERAIS
Art. 128 Em cumprimento do que estabelece a Constituição Federal, Estadual e Lei Orgânica Municipal, o Município terá regrada a sua atuação pelos seguintes princípios:

I - promoção do bem estar físico, mental e social do homem com o fim essencial da produção e do desenvolvimento econômico;

II - valorização econômica s social do trabalho e trabalhador, associada a uma política de expansão das oportunidades de emprego e de humanização do processo social de produção, com a defesa dos interesses do povo;

(...)

VIII - integração das ações do Município com as da União Estado, no sentido de garantir a segurança social destinada a tornar efetivos os direitos ao trabalho, à educação, ao desporto, ao lazer, à saúde, à habitação e à assistência social, especialmente dirigidas ao menor e ao idoso;

Art. 130. Na organização de sua economia, o Município combaterá a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a propriedade improdutiva, a marginalizarão do indivíduo, o êxodo rural, a economia predatória e todas as formas de degradação da condição humana.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, na medida em que o Projeto de Lei nº 014/2021 propõe a criação de um programa de assistência emergencial às pessoas em contextos de vulnerabilidade social, tratando eminentemente de política de assistência social com considerável repercussão financeira, para o que se considera haver iniciativa privativa devido à reserva de administração baseada na cláusula da separação de poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. A finalidade principal da proposta legislativa, ao instituir a criação do Programa Auxílio Assistencial Municipal, é reduzir os impactos causados pela pandemia da COVID-19 às famílias em situação de extrema pobreza. Nesse sentido, em 7/12/1993, a União editou a Lei nº 8.742, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, que prevê, em seu art. 1º, que “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

Os benefícios eventuais (art. 22 da Lei nº 8.742/93) caracterizam-se por seu caráter suplementar e provisório, cujo objetivo é dar suporte aos cidadãos e suas famílias em momentos de fragilidade advindos de nascimento, da morte, das situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública, sendo os valores definidos pelos entes federados concedentes. Portanto, a política social instituída na proposta em análise tem compatibilidade com a legislação federal.

Por outro lado, quanto à necessidade de apresentação da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, nos termos do inciso I do artigo 14 da LRF, haveria, via de regra, a necessidade de que para a regular tramitação da proposta, esse fosse acostado aos autos, nos termos do que exige o ordenamento jurídico vigente.

Ocorre que a recentíssima Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, acrescentou o art. 167-D à Constituição Federal, flexibilizando e afastando as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal nos casos das proposições legislativas se exclusivamente com objetivo de enfrentamento de calamidade se vigorarem e tiverem efeitos restritos à duração da calamidade:

Art. 167-D. As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Diante desse fundamento, tratando-se de política social de enfrentamento da pandemia pela COVID-19 com vigência e efeitos restritos à duração da calamidade pública, admissível, em tese, o afastamento das exigências do art. 14 da LRF, que estabelecem limitações às renúncias de receita.

Quanto à abertura de crédito especial (art. 10), a Lei Federal nº 4.320/64, no seu Título V, disciplina a abertura de créditos adicionais. Segundo o artigo 40, créditos adicionais são “as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.” Eles podem ser classificados em três modalidades: suplementares, que são destinados a reforço de dotação orçamentária; especiais, que são destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica; e extraordinários, que são destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública (artigo 41, incisos I, II e III).

No presente caso, o pedido é de autorização para a abertura de crédito especial. O artigo 42 da Lei Federal nº 4.320/64 prevê que “Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo.” Tal exigência foi atendida, porquanto o pedido foi apresentado na forma de projeto de lei.

Em relação à abertura de créditos especiais, é necessária a existência de recursos disponíveis para processar a despesa, devendo ser apresentada exposição justificada com uma das seguintes possibilidades, conforme art. 43 da Lei nº 4.320/64: a) o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; b) os provenientes de excesso de arrecadação; c) os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei; d) o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realizá-las.

Por fim, a proposição envolve matérias complexas e muito relevantes sob o ponto de vista das políticas públicas, recomendando-se, por sua extensão e relevância, uma análise detida por parte de todos os atores políticos envolvidos.

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 014/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que o auxílio emergencial tenha o propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, sendo nesse caso desnecessária a apresentação de impacto orçamentário-financeiro, nos termos do recentíssimo art. 167-D da CF/88, acrescentado pela EC nº 109/2021.

É o parecer.

Guaíba, 27 de abril de 2021.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS                                           GUSTAVO DOBLER

Procurador-Geral                                                                                    Procurador

OAB/RS 107.136                                                                                    OAB/RS 110.114B



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