PARECER JURÍDICO |
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"Determina a fixação de placa, cartaz ou banner Informando o endereço e o número telefônico de plantão do Conselho Tutelar nos Estabelecimentos de ensino público e privado e dá outras providências" 1. RelatórioO Vereador Marcos SJ apresentou o Projeto de Lei nº 055/2021 à Câmara Municipal, objetivando determinar a afixação de placa, cartaz ou banner em estabelecimentos de ensino no Município de Guaíba contendo dados de contato do Conselho Tutelar. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fundamento no art. 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITOO artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A medida pretendida por meio do Projeto de Lei nº 055/2021 se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (art. 227 da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (art. 22, CF/88), a proposta estabelece a publicidade do contato com o Conselho Tutelar nas escolas públicas e privadas, medida que concretiza a proteção da infância e juventude, a publicidade e a transparência da gestão pública, com sustentação nos princípios da Administração Pública (artigo 37, caput, da CF/88). Quanto à matéria, não há qualquer violação ao conteúdo material da CF/88 e da CE/RS. A proposta é materialmente compatível com a disciplina constitucional dos princípios da Administração Pública (art. 37 da CF/88): “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”. Ou seja, desde a promulgação da CF/88, o princípio da publicidade é aplicado no âmbito da Administração Pública, pautando toda a atividade pública. Lembra-se, também, que o artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, prevê o direito fundamental ao acesso à informação: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Na Constituição Estadual Gaúcha, por sua vez, o princípio da publicidade é consagrado no artigo 19, caput, nos seguintes termos: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação e o seguinte”. Por fim, tratando-se de medida para a proteção de crianças e adolescentes, tem-se compatibilidade com o art. 227 da CF/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Desse modo, não há dúvidas de que todas as medidas políticas que, de algum modo, impliquem a obrigação de assegurar publicidade à atividade pública, sobretudo para a proteção de crianças e adolescentes, possuem respaldo constitucional. Inclusive, a determinação que se pretende instituir também encontra amparo na legislação federal. A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regula o direito ao acesso a informações previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, disciplinando os procedimentos a serem observados pela União, Estados, DF e Municípios para a garantia dessa prerrogativa pública. Importante, nesse caso, transcrever o artigo 3º, que institui as diretrizes da publicidade das informações de interesse coletivo ou geral:
Assim, sob os aspectos da competência e da conformidade material da proposta com a Constituição Federal de 1988 e com a Constituição Estadual Gaúcha, não se vê a ocorrência de obstáculos à tramitação. Cabe, neste momento, enfrentar a questão da iniciativa para a propositura do projeto de lei. Para externar o entendimento deste Procurador sobre a matéria, foi utilizado, como base, o artigo “Limites da iniciativa parlamentar sobre políticas públicas: uma proposta de releitura do art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal”, de autoria de João Trindade Cavalcante Filho, representando o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal[1]. O referido trabalho propõe uma visão atual sobre os limites à iniciativa parlamentar previstos na CF especialmente no que concerne à formulação de políticas públicas, com base em algumas decisões proferidas pelo STF em controle de constitucionalidade. A República Federativa do Brasil, tendo adotado o sistema constitucional de tripartição dos Poderes, dividiu as funções de legislar, administrar e julgar aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, todos independentes e harmônicos, na forma do artigo 2º da CF. No campo do Poder Legislativo, duas são, essencialmente, as funções típicas: a legislativa e a fiscalizadora, esta de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial sobre os atos do Poder Executivo. As funções executiva e jurisdicional, como a criação de normas de organização interna, provimento de cargos, realização de licitações, julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal – no âmbito da União –, são exercidas de forma atípica pelo Poder Legislativo, com fundamento no sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”), que equilibra o exercício das tarefas públicas entre os Poderes de Estado. A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos Poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu artigo 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente. Por ser uma norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos da Federação, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um Poder sobre o outro. Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:
Dessas afirmações é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12). Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. Inclusive, o STF já decidiu não ser possível interpretação ampliativa quanto às regras de iniciativa parlamentar:
O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo, portanto, é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF/88, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148). O artigo 61, § 1º, da CF/88, assim como o artigo 60, II, “d”, da CE/RS não preveem restrição expressa à deflagração de projeto de lei, por parlamentar, estabelecendo medidas de transparência e publicidade da atividade administrativa. A propósito, essa matéria já foi levada a julgamento em diversas ações diretas de inconstitucionalidade, cujo problema versou sobre a existência de vício de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo) na instituição do dever de dar publicidade a informações de interesse público sobre a Administração Pública. O TJRS, por exemplo, julgou constitucional a Lei Municipal nº 2.976/2016, de Novo Hamburgo, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a obrigatoriedade da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis e lista de espera das vagas para a educação infantil no Município:
Como bem defendeu o Tribunal de Justiça Gaúcho, leis aprovadas nesse sentido não regulam a forma ou o conteúdo da prestação de serviços públicos, nem dispõem sobre as atribuições dos órgãos públicos, apenas garantindo a efetividade do direito fundamental ao acesso à informação e à transparência da atividade administrativa, razão por que inexiste violação às hipóteses de iniciativa reservada previstas constitucionalmente. Destacam-se, ainda, os seguintes trechos do acórdão gaúcho:
O mero fato de a norma se destinar ao Poder Executivo não contamina a proposta de vício formal de inconstitucionalidade, uma vez que, como foi visto, as hipóteses de reserva de iniciativa previstas na CF/88 e na CE/RS não admitem interpretação ampliativa, por consistirem em exceções à regra geral da iniciativa concorrente. Caso se admitisse interpretação tão rígida, o Poder Legislativo ficaria, basicamente, de mãos amarradas, impedido de exercer uma de suas funções típicas. Obviamente, não é esse o interesse da Constituição, que apenas limita os casos de iniciativa nas hipóteses em que evidentemente houver usurpação da independência e harmonia dos demais poderes. Quanto a esse aspecto, traz-se excerto do acórdão já citado:
Outros julgados já declararam a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar versando sobre a obrigatoriedade de publicação de informações de interesse público. A Lei Estadual nº 11.521/00, do Estado do Rio Grande do Sul, teve reconhecida a sua constitucionalidade pelo STF, com base nos mesmos fundamentos deste parecer:
Para reafirmar a ausência de vício de iniciativa, esclarece-se que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.911/RJ, com repercussão geral, no qual registrou que as hipóteses de restrição previstas no artigo 61, § 1º, da CF/88 – e, portanto, as correspondentes nas Constituições Estaduais – são taxativas, não admitindo interpretação extensiva por consistirem em normas de exceção ao poder de iniciativa do processo legislativo:
O entendimento do STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF/88), sem dúvidas ecoa pelos tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC). Portanto, considerando todos os fundamentos e precedentes apresentados, com destaque para a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70072679236, julgada improcedente pelo TJRS, tem-se que a proposição, em termos gerais, está adequada juridicamente. Considera-se que deve haver a retirada apenas do art. 2º, caput e incisos I e II, do projeto de lei, uma vez que, na forma da jurisprudência do TJSP, ao determinar as dimensões mínimas das placas, o legislador invade a reserva de administração para determinar os pormenores da publicidade a ser realizada:
Recomenda-se, também, a revisão da proposição quanto ao conteúdo a constar nas placas, pois a ementa determina que serão informados o endereço e o número telefônico de plantão e o art. 1º menciona número de telefone e celular de plantão. Por fim, registra-se que, embora a jurisprudência mais recente venha declarando a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que determinem a publicação de informações de transparência e interesse público por órgãos públicos vinculados administrativamente ao Poder Executivo, uma parcela da jurisprudência ainda reconhece que há reserva de iniciativa do Chefe do Executivo nesses casos.[2] Dessa forma, ainda que o parecer jurídico seja favorável, não se exclui a possibilidade de que a lei seja declarada inconstitucional caso se proponha ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça. [1] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-122-limites-da-iniciativa-parlamentar-sobre-politicas-publicas-uma-proposta-de-releitura-do-art.-61-ss-1o-ii-e-da-constituicao-federal>. [2] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE IGREJINHA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal que torna obrigatória a colocação de placas informativas nas obras públicas de infraestrutura realizadas no Município, por se tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é da Administração. Competência exclusiva do Chefe do Executivo. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. Precedente. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70057499055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 07-04-2014). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.615, DE 01 DE NOVEMBRO DE 2010, DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA, QUE DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA COLOCAÇÃO DE PLACAS DE IDENTIFICAÇÃO EM OBRAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA AOS ARTS. 5º, 8º, 10, 60, II, "D", 82, VII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. A Lei nº 1.615, do Município de Estância Velha, ao dispor sobre a obrigatoriedade da colocação de placas de identificação em obras públicas do Município, imiscuiu-se na organização e funcionamento da Administração. O que inquina de inconstitucionalidade a norma é exatamente o vício de iniciativa, considerando que a competência legislativa para regular tal matéria é do Chefe do Executivo. Há, pois, ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo Municipal, violando o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, em ofensa ao disposto nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, "d", e 82, VII, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70043214055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 23-01-2012). 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina, em termos gerais, pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no Projeto de Lei nº 055/2021, sendo necessária, no entanto, a retirada do art. 2º, caput e incisos I e II, pois a jurisprudência levantada compreende que não cabe ao legislador definir as dimensões das placas. Recomenda-se, por fim, a revisão da proposição quanto ao conteúdo a constar nas placas, pois a ementa determina que serão informados o endereço e o número telefônico de plantão e o art. 1º menciona número de telefone e celular de plantão. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 20 de abril de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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