Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 055/2021
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 111/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Determina a fixação de placa, cartaz ou banner Informando o endereço e o número telefônico de plantão do Conselho Tutelar nos Estabelecimentos de ensino público e privado e dá outras providências"

1. Relatório

O Vereador Marcos SJ apresentou o Projeto de Lei nº 055/2021 à Câmara Municipal, objetivando determinar a afixação de placa, cartaz ou banner em estabelecimentos de ensino no Município de Guaíba contendo dados de contato do Conselho Tutelar. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fundamento no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida pretendida por meio do Projeto de Lei nº 055/2021 se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (art. 227 da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (art. 22, CF/88), a proposta estabelece a publicidade do contato com o Conselho Tutelar nas escolas públicas e privadas, medida que concretiza a proteção da infância e juventude, a publicidade e a transparência da gestão pública, com sustentação nos princípios da Administração Pública (artigo 37, caput, da CF/88).

Quanto à matéria, não há qualquer violação ao conteúdo material da CF/88 e da CE/RS. A proposta é materialmente compatível com a disciplina constitucional dos princípios da Administração Pública (art. 37 da CF/88): “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”. Ou seja, desde a promulgação da CF/88, o princípio da publicidade é aplicado no âmbito da Administração Pública, pautando toda a atividade pública. Lembra-se, também, que o artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, prevê o direito fundamental ao acesso à informação: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Na Constituição Estadual Gaúcha, por sua vez, o princípio da publicidade é consagrado no artigo 19, caput, nos seguintes termos: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação e o seguinte”.

Por fim, tratando-se de medida para a proteção de crianças e adolescentes, tem-se compatibilidade com o art. 227 da CF/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Desse modo, não há dúvidas de que todas as medidas políticas que, de algum modo, impliquem a obrigação de assegurar publicidade à atividade pública, sobretudo para a proteção de crianças e adolescentes, possuem respaldo constitucional. Inclusive, a determinação que se pretende instituir também encontra amparo na legislação federal. A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regula o direito ao acesso a informações previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, disciplinando os procedimentos a serem observados pela União, Estados, DF e Municípios para a garantia dessa prerrogativa pública. Importante, nesse caso, transcrever o artigo 3º, que institui as diretrizes da publicidade das informações de interesse coletivo ou geral:

Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:

I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;

II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;

III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;

IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;

V - desenvolvimento do controle social da administração pública.

Assim, sob os aspectos da competência e da conformidade material da proposta com a Constituição Federal de 1988 e com a Constituição Estadual Gaúcha, não se vê a ocorrência de obstáculos à tramitação.

Cabe, neste momento, enfrentar a questão da iniciativa para a propositura do projeto de lei. Para externar o entendimento deste Procurador sobre a matéria, foi utilizado, como base, o artigo “Limites da iniciativa parlamentar sobre políticas públicas: uma proposta de releitura do art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal”, de autoria de João Trindade Cavalcante Filho, representando o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal[1]. O referido trabalho propõe uma visão atual sobre os limites à iniciativa parlamentar previstos na CF especialmente no que concerne à formulação de políticas públicas, com base em algumas decisões proferidas pelo STF em controle de constitucionalidade.

A República Federativa do Brasil, tendo adotado o sistema constitucional de tripartição dos Poderes, dividiu as funções de legislar, administrar e julgar aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, todos independentes e harmônicos, na forma do artigo 2º da CF. No campo do Poder Legislativo, duas são, essencialmente, as funções típicas: a legislativa e a fiscalizadora, esta de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial sobre os atos do Poder Executivo. As funções executiva e jurisdicional, como a criação de normas de organização interna, provimento de cargos, realização de licitações, julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal – no âmbito da União –, são exercidas de forma atípica pelo Poder Legislativo, com fundamento no sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”), que equilibra o exercício das tarefas públicas entre os Poderes de Estado.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos Poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu artigo 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser uma norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos da Federação, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um Poder sobre o outro. Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12). Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. Inclusive, o STF já decidiu não ser possível interpretação ampliativa quanto às regras de iniciativa parlamentar:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEI MUNICIPAL – INICIATIVA – SEPARAÇÃO DOS PODERES – PRECEDENTES DO PLENÁRIO – PROVIMENTO. [...] 2. Assiste razão ao recorrente. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submetem-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas – medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 724/RS, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça em 27 de abril de 2001, ação direta de inconstitucionalidade nº 2.464/AP, relatora a ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no Diário da Justiça em 25 de maio de 2007, e ação direta de inconstitucionalidade nº 3.394/AM, relator o ministro Eros Grau, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 de agosto de 2007. [...] A reserva de iniciativa material é exceção e surge apenas quando presente a necessidade de se preservar o ideal de independência entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Incumbe ao município complementar a legislação relativa à proteção do meio ambiente, pelo qual respondem indistintamente as instâncias políticas representativas dos interesses locais. Verificada a ausência de proposição normativa tendente a suprimir ou limitar as atribuições essenciais do Chefe do Executivo no desempenho da função de gestor superior da Administração, descabe cogitar de vício formal de lei resultante de iniciativa parlamentar. 3. Ante os precedentes, provejo o extraordinário para assentar a constitucionalidade da Lei nº 3.338/2009, do Município de Cubatão/SP. 4. Publiquem. (RE 729729, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2016, publicado em DJe-017 DIVULG 31/01/2017 PUBLIC 01/02/2017).

O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo, portanto, é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF/88, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148).

O artigo 61, § 1º, da CF/88, assim como o artigo 60, II, “d”, da CE/RS não preveem restrição expressa à deflagração de projeto de lei, por parlamentar, estabelecendo medidas de transparência e publicidade da atividade administrativa.

A propósito, essa matéria já foi levada a julgamento em diversas ações diretas de inconstitucionalidade, cujo problema versou sobre a existência de vício de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo) na instituição do dever de dar publicidade a informações de interesse público sobre a Administração Pública. O TJRS, por exemplo, julgou constitucional a Lei Municipal nº 2.976/2016, de Novo Hamburgo, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a obrigatoriedade da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis e lista de espera das vagas para a educação infantil no Município:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI 2.976/2016. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. DIVULGAÇÃO DA CAPACIDADE DE ATENDIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL MUNICIPAL. 1. A Lei 2.976/2016, que "dispõe sobre a determinação da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis, e a lista de espera das vagas para a Educação Infantil no Município, e dá outras providências", conquanto deflagrada por iniciativa da Câmara Municipal, não conduz a vício de natureza formal do diploma em tela. 2. Diploma legal que não disciplina o conteúdo, a forma de prestação ou as atribuições próprias do serviço público municipal relativo à educação infantil, cingindo-se a especificar a obrigação de divulgação e publicidade de informações acerca da capacidade de atendimento, vagas preenchidas e a preencher e critérios de classificação, cuja imperatividade já decorre do próprio mandamento constitucional constante do art. 37, caput, da CRFB. 3. Interpretação dos art. 60, inc. II, alínea d, e 82, inc. III e VII da Constituição Estadual que deve pautar-se pelo princípio da unidade da Constituição, viabilizando-se a concretização do direito fundamental à boa administração pública, em especial... aquela que se refere ao amplo acesso à educação pública infantil. 4. Necessidade de se evitar - quando não evidente a invasão de competência - o engessamento das funções do Poder Legislativo, o que equivaleria a desprestigiar suas atribuições constitucionais, de elevado relevo institucional no Estado de Direito. 5. Constitucionalidade da norma que se reconhece. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072679236, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em 24/07/2017).

Como bem defendeu o Tribunal de Justiça Gaúcho, leis aprovadas nesse sentido não regulam a forma ou o conteúdo da prestação de serviços públicos, nem dispõem sobre as atribuições dos órgãos públicos, apenas garantindo a efetividade do direito fundamental ao acesso à informação e à transparência da atividade administrativa, razão por que inexiste violação às hipóteses de iniciativa reservada previstas constitucionalmente. Destacam-se, ainda, os seguintes trechos do acórdão gaúcho:

O que faz a lei, apenas e simplesmente, é dar concretude ao elementar princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos – mais especificamente, aqueles tendentes à persecução da educação infantil – evidenciando o interesse público primário da população municipal de ter amplo acesso às informações acerca da capacidade de atendimento de cada escola de educação básica, do preenchimento das respectivas vagas e da existência de lista de espera, com a explicitação do respectivo critério para preenchimento.

[...]

A interpretação dos dispositivos que prevêem a competência privativa para iniciativa de lei – sobretudo aqueles que empregam conceitos jurídicos vagos, como “organização e funcionamento” da Administração – deve guardar harmonia com as demais normas de mesma estatura, não podendo desconsiderar o princípio da unidade da Constituição, que preconiza que o “intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.”

O mero fato de a norma se destinar ao Poder Executivo não contamina a proposta de vício formal de inconstitucionalidade, uma vez que, como foi visto, as hipóteses de reserva de iniciativa previstas na CF/88 e na CE/RS não admitem interpretação ampliativa, por consistirem em exceções à regra geral da iniciativa concorrente. Caso se admitisse interpretação tão rígida, o Poder Legislativo ficaria, basicamente, de mãos amarradas, impedido de exercer uma de suas funções típicas. Obviamente, não é esse o interesse da Constituição, que apenas limita os casos de iniciativa nas hipóteses em que evidentemente houver usurpação da independência e harmonia dos demais poderes. Quanto a esse aspecto, traz-se excerto do acórdão já citado:

Conclui-se, portanto, que o simples fato de a norma estar direcionada ao Poder Executivo não implica, por si só, que ela deva ser de iniciativa do Prefeito Municipal, sob pena de nefasto engessamento do Poder Legislativo, em franco desprestígio à sua elevada função institucional no Estado de Direito. Ora, acaso toda a iniciativa de norma capaz de gerar algum tipo de despesa à Administração fosse reservada ao Chefe do Executivo, até mesmo a disciplina relativa ao nome de logradouros públicos seria suprimida do Poder Legislativo, tendo em vista a necessidade de confecção de novas placas, sua colocação nos locais próprios, etc. o que evidencia a insubsistência da premissa invocada.

Tampouco o diminuto custo a ser arcado pelo Município decorrente da implementação da lei poderia implicar algum tipo de empecilho à sua validade, pois a Administração pode se desonerar da obrigação de divulgação de forma bastante econômica e racional, já dispondo previamente de todo o aparato administrativo para a fiel execução do comando legal.

Outros julgados já declararam a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar versando sobre a obrigatoriedade de publicação de informações de interesse público. A Lei Estadual nº 11.521/00, do Estado do Rio Grande do Sul, teve reconhecida a sua constitucionalidade pelo STF, com base nos mesmos fundamentos deste parecer:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.521/2000 do Estado do Rio Grande do Sul. Obrigação do Governo de divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas. Ausência de vício formal e material. Princípio da publicidade e da transparência. Fiscalização. Constitucionalidade. 1. O art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal atribuiu à União a competência para editar normas gerais de licitações e contratos. A legislação questionada não traz regramento geral de contratos administrativos, mas simplesmente determina a publicação de dados básicos dos contratos de obras públicas realizadas em rodovias, portos e aeroportos. Sua incidência é pontual e restrita a contratos específicos da administração pública estadual, carecendo, nesse ponto, de teor de generalidade suficiente para caracterizá-la como “norma geral”. 2. Lei que obriga o Poder Executivo a divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas não depende de iniciativa do chefe do Poder Executivo. A lei em questão não cria, extingue ou modifica órgão administrativo, tampouco confere nova atribuição a órgão da administração pública. O fato de a regra estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica que ela deva ser de iniciativa privativa do Governador do Estado. Não incide, no caso, a vedação constitucional (CF, art. 61, § 1º, II, e). 3. A legislação estadual inspira-se no princípio da publicidade, na sua vertente mais específica, a da transparência dos atos do Poder Público. Enquadra-se, portanto, nesse contexto de aprimoramento da necessária transparência das atividades administrativas, reafirmando e cumprindo o princípio constitucional da publicidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88). 4. É legítimo que o Poder Legislativo, no exercício do controle externo da administração pública, o qual lhe foi outorgado expressamente pelo poder constituinte, implemente medidas de aprimoramento da sua fiscalização, desde que respeitadas as demais balizas da Carta Constitucional, fato que ora se verifica. 5. Não ocorrência de violação aos ditames do art. 167, I e II, da Carta Magna, pois o custo gerado para o cumprimento da norma seria irrisório, sendo todo o aparato administrativo necessário ao cumprimento da determinação legal preexistente. 6. Ação julgada improcedente. (ADI 2444, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015).

Para reafirmar a ausência de vício de iniciativa, esclarece-se que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.911/RJ, com repercussão geral, no qual registrou que as hipóteses de restrição previstas no artigo 61, § 1º, da CF/88 – e, portanto, as correspondentes nas Constituições Estaduais – são taxativas, não admitindo interpretação extensiva por consistirem em normas de exceção ao poder de iniciativa do processo legislativo:

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, cito o julgamento da ADI 2.672, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator p/ acórdão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 10.11.2006; da ADI 2.072, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 2.3.2015; e da ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, DJe 215.8.2008.

[...]

Assim, somente nas hipóteses previstas no art. 61, § 1º, da Constituição, ou seja, nos projetos de lei cujas matérias sejam de iniciativa reservada ao Poder Executivo, é que o Poder Legislativo não poderá criar despesa. [...] No caso em exame, a lei municipal que prevê a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos, motivo pelo qual não vislumbro nenhum vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada.

O entendimento do STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF/88), sem dúvidas ecoa pelos tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC).

Portanto, considerando todos os fundamentos e precedentes apresentados, com destaque para a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70072679236, julgada improcedente pelo TJRS, tem-se que a proposição, em termos gerais, está adequada juridicamente.

Considera-se que deve haver a retirada apenas do art. 2º, caput e incisos I e II, do projeto de lei, uma vez que, na forma da jurisprudência do TJSP, ao determinar as dimensões mínimas das placas, o legislador invade a reserva de administração para determinar os pormenores da publicidade a ser realizada:

ADI. LM 5.965/2015 – JACAREÍ. “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 5.965/15, do Município de Jacareí, que dispõe sobre a colocação de placas indicativas de obras públicas – I. Legislação que não interfere na gestão administrativa do Município – Poder de suplementar a legislação federal e estadual, dando cumprimento ao princípio da publicidade e ao dever de transparência na Administração Pública – Inexistência de vício de iniciativa – II. Inconstitucionalidade, contudo, da expressão “não poderão [as placas] ultrapassar os limites de 3,5 metros de largura por 2,5 metros de altura”, constante do artigo 2º da Lei n. 5.965/15 do Município de Jacareí – Desrespeito aos artigos 5º, 25 e 47, incisos II e XIV, da Constituição Estadual – Vício formal de iniciativa – Lei de iniciativa parlamentar que invadiu as atribuições do Chefe do Poder Executivo, ofendendo o princípio da separação dos poderes – Inconstitucionalidade parcial configurada – Ação julgada parcialmente procedente.” (ADI 22408713520158260000 – São Paulo – Órgão Especial – Relator Moacir Peres – 27/04/2016 – Votação Unânime – Voto nº 29641).

Recomenda-se, também, a revisão da proposição quanto ao conteúdo a constar nas placas, pois a ementa determina que serão informados o endereço e o número telefônico de plantão e o art. 1º menciona número de telefone e celular de plantão.

Por fim, registra-se que, embora a jurisprudência mais recente venha declarando a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que determinem a publicação de informações de transparência e interesse público por órgãos públicos vinculados administrativamente ao Poder Executivo, uma parcela da jurisprudência ainda reconhece que há reserva de iniciativa do Chefe do Executivo nesses casos.[2]

Dessa forma, ainda que o parecer jurídico seja favorável, não se exclui a possibilidade de que a lei seja declarada inconstitucional caso se proponha ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça.

[1] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-122-limites-da-iniciativa-parlamentar-sobre-politicas-publicas-uma-proposta-de-releitura-do-art.-61-ss-1o-ii-e-da-constituicao-federal>.

[2] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE IGREJINHA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal que torna obrigatória a colocação de placas informativas nas obras públicas de infraestrutura realizadas no Município, por se tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é da Administração. Competência exclusiva do Chefe do Executivo. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. Precedente. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70057499055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 07-04-2014).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.615, DE 01 DE NOVEMBRO DE 2010, DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA, QUE DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA COLOCAÇÃO DE PLACAS DE IDENTIFICAÇÃO EM OBRAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA AOS ARTS. 5º, 8º, 10, 60, II, "D", 82, VII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. A Lei nº 1.615, do Município de Estância Velha, ao dispor sobre a obrigatoriedade da colocação de placas de identificação em obras públicas do Município, imiscuiu-se na organização e funcionamento da Administração. O que inquina de inconstitucionalidade a norma é exatamente o vício de iniciativa, considerando que a competência legislativa para regular tal matéria é do Chefe do Executivo. Há, pois, ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo Municipal, violando o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, em ofensa ao disposto nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, "d", e 82, VII, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70043214055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 23-01-2012).

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina, em termos gerais, pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no Projeto de Lei nº 055/2021, sendo necessária, no entanto, a retirada do art. 2º, caput e incisos I e II, pois a jurisprudência levantada compreende que não cabe ao legislador definir as dimensões das placas.

Recomenda-se, por fim, a revisão da proposição quanto ao conteúdo a constar nas placas, pois a ementa determina que serão informados o endereço e o número telefônico de plantão e o art. 1º menciona número de telefone e celular de plantão.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 20 de abril de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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