Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 008/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 108/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 14 (quatorze) Técnicos de Enfermagem, 10 (dez) Enfermeiros, 20 (vinte) Médicos Clínicos Gerais e 05 (cinco) Fiscais Sanitários para o enfrentamento a pandemia do novo Coronavírus no âmbito do Município de Guaíba, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 008/2021 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 14 (quatorze) Técnicos de Enfermagem, 10 (dez) Enfermeiros, 20 (vinte) Médicos Clínicos Gerais e 05 (cinco) Fiscais Sanitários para o enfrentamento a pandemia do novo Coronavírus no âmbito do Município de Guaíba, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

O Projeto de Lei nº 008/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, pretende gerar autorização para que o Município de Guaíba contrate temporariamente quatorze Técnicos de Enfermagem, dez Enfermeiros e vinte Médicos Clínicos Gerais e 05 (cinco) Fiscais Sanitários, com fulcro no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal e na Lei Municipal nº 2.586/2010.

O Poder Executivo apresenta justificativa no sentido de haver necessidade de contratação em razão da alta demanda comum em todas as linhas de frente de enfrentamento à COVID-19 e do afastamento temporário de inúmeros profissionais da área da saúde advinda dos efeitos da emergência em saúde pública devido à COVID-19 (folha 2 dos autos). A pretendida contratação temporária, portanto, seria necessária para fazer frente às demandas da Prefeitura de Guaíba que decorrem diretamente da pandemia do novo coronavírus. Os profissionais contratados atuarão, dessa forma, no enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo na autonomia política do Município, insculpida no artigo 18 da CF/88, e na competência para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I, da CF/88), assim dispostas:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes expõe que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

Está correta a eleição de encaminhamento de proposta legislativa para que se dê a contratação temporária. Como regra, não é possível dispensar a autorização legislativa específica em contratações temporárias, conforme previsto no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal (nesse sentido já decidiu o STF, na ADI n° 3.237).

Há comando constitucional que prevê a contratação por tempo determinado, desde que atenda à necessidade temporária de excepcional interesse público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Analogicamente, a disciplina da previsão constitucional de contratação temporária foi regulada pela Lei nº 8.745, de 9 de Dezembro de 1993, que “Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências.”

No âmbito local, tal comando constitucional foi regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba – Lei nº 2.586/2010, a qual dispõe, em seu Título X, sobre a contratação temporária de excepcional interesse público e prevê especificamente a contratação para o atendimento de situações de calamidade pública e ainda para o combate de surtos epidêmicos:

                                                           TÍTULO X

DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

 

Art. 216 Para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas contratações de pessoal por tempo determinado.

Art. 217 Consideram-se como necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visam a:

I - atender a situações de calamidade pública;

II - combater surtos epidêmicos;

III - atender outras situações de emergência que vierem a ser definidas em lei específica;

IV - atender programas ou ações governamentais temporários definidos por lei especifica.

Art. 218 As contratações de que trata este capítulo serão realizadas por prazo determinado, de 06 (seis) meses com possibilidade de serem prorrogadas por igual período.

Art. 219. Os contratos serão de natureza administrativa, ficando assegurados os seguintes direitos ao contratado:

I - remuneração equivalente à percebida pelos servidores de igual ou assemelhada função no quadro permanente do Município;

II - jornada de trabalho, serviço extraordinário, repouso semanal remunerado, adicional noturno e gratificação natalina proporcional, nos termos desta lei;

III - férias proporcionais, ao término do contrato;

IV - inscrição no regime geral de previdência social.

Parágrafo Único. No caso de contratação para programas específicos, a remuneração será aquela definida na lei que instituiu o referido programa.

Nos casos de contratação temporária, não é necessária a realização de concurso público, exigindo-se, via de regra, a realização de processo seletivo simplificado (art. 3º, caput, da Lei nº 8.745/93).

Por outro lado, na ocorrência de calamidade pública ou de emergência de saúde pública, a legislação prevê que seja prescindido o processo seletivo para a contratação, consoante se extrai do previsto no § 1º do art. 3º da Lei Federal nº 8.745/93, como forma de impulsionar a pronta ação do Poder Público para fazer face às necessidades de interesse público:

 

Lei Federal nº 8.745/93

Art. 3º (...)

§ 1º Prescindirá de processo seletivo a contratação para atender às necessidades decorrentes de:

I - calamidade pública;

II - emergência em saúde pública;

III - emergência e crime ambiental;

IV - emergência humanitária; e

V - situações de iminente risco à sociedade.

Diante desse cenário, considerando a pandemia do novo Coronavírus reconhecida a situação de Calamidade Pública pelo Congresso Nacional em 20 de março de 2020 - Decreto Legislativo nº 6 de 20/03/2020, as razões expostas na justificativa para a contratação, no sentido de que a demanda se deve ao afastamento de profissionais de saúde, a princípio nos termos da Lei Federal nº 13.979/2020, pode a administração pública municipal prescindir da realização de processo seletivo, porquanto as funções de Técnico de Enfermagem, Enfermeiro, de Médico Clínico Geral e de Fiscais Sanitários são compatíveis com as possibilidades excepcionais descritas no § 1º do art. 3º.

 

As Cortes de Contas têm sido rígidas quanto à obrigatoriedade de realizar o processo seletivo com critérios objetivos para efetivação das contratações autorizadas em lei.

Quanto a este ponto específico, o Tribunal de Contas da União já admitiu a utilização de análise curricular e a avaliação de títulos para seleção de candidatos pela Administração para a celebração de contratos, observados certos requisitos:

9.2.3.1. Utilize critérios objetivos de seleção de pessoal, assegurando a isonomia entre os interessados, a impessoalidade, a transparência e a publicidade dos procedimentos; restrinja a avaliação de habilidades dos candidatos, inclusive a avaliação psicológica, àquelas que sejam indispensáveis ao desempenho das funções a serem executadas, adotando sempre critérios claros, objetivos, previamente definidos e divulgados em edital; e suprima a fase de entrevista nas hipóteses em que sua finalidade não for avaliar os conhecimentos dos candidatos por meio de critérios objetivos pré-fixados e com conteúdo programático previamente divulgado em edital; (Acórdão nº 969/2006 – Plenário)

  1. Como já abordado em instrução preliminar, esse Tribunal já reconheceu a ilegalidade de contratação de profissionais sem aplicação de prova escrita (Acórdão 1289/2005 - TCU - Plenário), que embora tenha abordado caso relativo à competência na esfera federal, os preceitos são os mesmos para todas as esferas administrativas, em prestígio aos princípios da isonomia, impessoalidade, finalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Assim, a seleção restrita à análise curricular só é aceitável quando há parâmetros objetivos que permitam correlacionar o produto desejado com a formação especializada dos candidatos. Em nenhum momento o edital definiu objetivamente os critérios para análise curricular. (AC-0455-06/14-P. Sessão de 26/02/2014)

O TCE-RS enfrentou a questão quanto à possibilidade de contratação de pessoal na área da saúde dispensando-se o processo seletivo no Boletim Informativo Covid-19. Em suma, a Corte de Contas entendeu ser possível a contratação sem processo seletivo, desde que sejam observados critérios objetivos, em homenagem ao princípio da impessoalidade, devendo haver ao menos a publicização da seleção pública “(que é o procedimento capaz de, ao menos, divulgar a necessidade de contratação perante a comunidade”)[1]:

A matéria foi enfrentada na Informação nº 010/20113 deste Tribunal e no voto do Relator, Conselheiro Cezar Miola, foi esclarecido:

Por derradeiro, pontuo que há reconhecimento, por parte deste Tribunal, das situações verdadeiramente excepcionais de emergencialidade, que conduzem à instantaneidade da decisão administrativa (p. ex., calamidades públicas, degradações ambientais iminentes, epidemias e outras situações críticas), para as quais se admite a indicação direta, sem reservas. Contudo, como regra, todos os recrutamentos, ainda que para demandas eventuais, devem ser precedidos de procedimentos objetivos de seleção que preservem, sobretudo, a impessoalidade, a igualdade e a moralidade, além, por evidente, dos demais princípios constitucionais aplicáveis à gestão governamental.

Considerando que o procedimento de recrutamento dos agentes públicos temporários não prescinde da observância aos princípios da Administração Pública, é recomendado que, caso a contratação seja formalizada de forma direta (sem processo seletivo), esteja prevista na lei autorizadora e devidamente justificada diante do estado de calamidade ou urgência. Ressalte-se, em face da decisão acima reproduzida, que processo seletivo público não se confunde com seleção pública, que é o procedimento capaz de, ao menos, divulgar a necessidade de contratação perante a comunidade, permitindo assim aos potenciais interessados (que preencham os requisitos necessários para a função) se candidatarem para a contratação a ser realizada pela Administração.

Também se verifica estar correta a proposição no sentido de fixar um prazo determinado à duração do contrato, com previsão da possibilidade de prorrogação por até 06 (seis) meses, tendo em vista que a providência está justificada na exata medida das necessidades de atendimento às demandas enquanto não for possível realizar o concurso.

Importante destacar o tema de repercussão geral do STF nº 612, quanto aos requisitos para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos:

Tema 612. Nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração.

Analisando a proposição e os motivos que a determinaram, percebe-se: (1) existe previsão legal para a contratação temporária em casos emergenciais definidos em lei específica (art. 217, inciso III, do Estatuto do Servidor Público de Guaíba); (2) há previsão de prazo de vigência do contrato (06 meses, prorrogáveis por igual período – art. 218 da Lei nº 2.586/2010); (3) a necessidade é temporária, visto que deriva de demandas que não podem ser atendidas pelo contingente hoje existente na estrutura administrativa, especificamente em razão dos efeitos da pandemia da COVID-19; (4) o interesse público é excepcional; (5) presume-se pelo exposto na justificativa que a contratação não está relacionada a contingências normais da Administração Pública, é fundada na excepcional necessidade temporária de interesse público, pois perdurará enquanto não cessarem os afastamentos ou os efeitos da pandemia, sendo esse o motivo justificante para o ato, conforme exposição de motivos do proponente.

Já no que diz respeito às normas de responsabilidade na gestão fiscal, especificamente quanto à Lei Complementar 173/2020, esta previu a possibilidade da realização de contratação temporária, ainda que resulte em aumento de despesa, consoante ressalva prevista em seu art. 8º, IV:

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

(...)

IV - admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;

Foram essas as conclusões do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul na Nota Técnica nº 03/2020, da Consultoria Técnica e no ESTUDO SOBRE A LEI COMPLEMENTAR Nº 173/2020:

“Diversamente dos cargos de direção, chefia ou assessoramento, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares não possuem a vedação relativa ao aumento de despesa”.

[1] http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/institucional/esgc/ead/orientacoes_corona/cartilha-famurstce-coronavirus.pdf

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 008/2021, de iniciativa do Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 19 de abril de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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19/04/2021 13:28:34
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