Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 010/2021
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 095/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá nova redação ao §4.º do artigo 23, ao parágrafo único do artigo 30 e ao artigo 395 da Lei n.º 3.208/2014 - Código Tributário do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 010/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, o qual “Dá nova redação ao §4.º do artigo 23, ao parágrafo único do artigo 30 e ao artigo 395 da Lei n.º 3.208/2014 - Código Tributário do Município de Guaíba.”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

Constata-se que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 010/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I , da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II da CF/88. Também o inciso III, do artigo 30 da Constituição Federal garante aos municípios autonomia financeira através da outorga de competência tributária:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

Luís Roberto Barroso destaca a autonomia municipal para se auto-organizar:

Ressalte-se, por oportuno, que a capacidade de auto-organização é, do ponto de vista formal, a mais relevante manifestação da autonomia às Unidades federadas e o poder de se estruturarem tal qual um Estado, gozando de titularidade de funções da mesma natureza daquelas que compõem o Estado federal.[1]

A lei tributária municipal será viável na medida em que conformar-se às diretrizes traçadas pela Constituição Federal. O próprio Código Tributário Nacional expressa a atribuição constitucional da competência tributária, compreendendo a competência legislativa do município, conforme leciona o E. Ministro Luís Roberto Barroso:

Aos Municípios cabe decretar seus impostos, o que só podem fazer, obviamente, através de leis que, consequentemente, têm que emanar de seu poder legiferante. Elaboram, ainda, inúmeros preceitos regendo as mais diversas relações de âmbito local. Conclusivamente, então, podemos asseverar que, dentro dos limites fixados pela Constituição estadual e pela Lei Orgânica, possuem os Municípios capacidade para legislar sobre as matérias que lhes são especificamente afetadas.[2]

Portanto, compete ao Município, nos termos do art. 30, I e III, da CF/88, relativamente aos tributos de sua competência, a concessão de benefícios fiscais, criação de mecanismos redutores de juros e multa, alteração do número de parcelas, majoração de percentuais de desconto para pagamento do IPTU em cota única para atrair contribuintes, estejam ou não em débito, sendo matérias afeitas à autonomia municipal garantidas pela Constituição Federal.

Compete assim ao Município estabelecer no seu Código Tributário causas de outorga de isenções de tributos municipais, concessão de benefícios fiscais, majoração de descontos, desde que atendidas as exigências de natureza orçamentário-financeiras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse sentido, note-se o que dispõe o art. 150, § 6º, da CF/88:

Art. 150. (...)

§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.

O alcance material da norma diz respeito à matéria tributária no âmbito do município em que o Executivo Municipal busca, mais especificamente:

  • Dar nova redação ao art. 23 do Código Tributário Municipal, delongando a atual previsão de majoração de 80% do fator de comercialização dos imóveis, que teria incidência no presente exercício (instituída pela Lei Municipal nº 3.243/2014), para que passe a ser aplicado na composição do cálculo do IPTU no exercício 2022;
  • Alterar o parágrafo único do art. 30, majorando de 20% para 35% o percentual máximo de desconto do pagamento do IPTU em cota única ou em prestações;
  • Dar nova redação ao art. 395, ampliando o número de parcelas para pagamento da dívida tributária de 36 para 48 parcelas mensais e reduzindo o valor mínimo de cada parcela de 30 para 15 UFIRMs.

As medidas pretendidas pela propositura legislativa estão em consonância com a distribuição de competências estabelecidas pela Constituição Federal e dizem respeito à autonomia do ente municipal. Especificamente, quanto à previsão normativa que pretende alterar o art. 23, cabe enfatizar os comandos derivados do princípio da irretroatividade tributária (art. 150, inciso III, alínea a), da CF/88), previsto no art. 144 do Código Tributário Nacional, ditando que a lei deve alcançar os fatos geradores posteriores à sua edição, o que se poderia argumentar que não é o caso, já que não haverá majoração do tributo, em que pese haver modificação.[3] Há jurisprudência do TJRS que ainda que trate de simples atualização monetária permitiria poderia embasar a legalidade da alteração, ainda que a matéria seja controvertida:

CREDITO TRIBUTARIO. ATUALIZACAO MONETARIA. IRRETROATIVIDADE DA LEI. NAO PODE A NOVA LEI ATINGIR OS FATOS, ATOS E SEUS CONSEQUENTES DIREITOS E EFEITOS JA PRODUZIDOS NO PASSADO, SOB O IMPERIO DE NORMAS ANTERIORES, MAS PODE ALCANCAR OS EFEITOS PRESENTES E FUTUROS DESTES 12 DIREITOS, SEM QUE TAL IMPORTE EM OFENSA AO PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE. A LEI MUNICIPAL QUE INTRODUZ UM NOVO INDEXADOR PARA ATUALIZACAO MONETARIA DOS DEBITOS FISCAIS TEM APLICACAO IMEDIATA AOS DEBITOS PENDENTES, EIS QUE O NOVO INDICE INCIDE APENAS SOBRE O SALDO DEVEDOR E SOBRE PRESTACOES FUTURAS. A LEI VIGENTE NA DATA DO FATO GERADOR DO IMPOSTO PREVIA CORRECAO MONETARIA DESTE, DE SORTE QUE A SIMPLES MODIFICACAO DO FATOR DESSA CORRECAO, EM VIRTUDE DE MEDIDAS DE COMBATE A INFLACAO, NAO VIOLA OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA ANTERIORIDADE TRIBUTARIA, NEM DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. (Apelação Cível, Nº 195031000, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Heitor Assis Remonti, Julgado em: 30-05-1995).

Quanto à alteração pretendida pela propositura legislativa do parágrafo único do art. 30, o art. 160, parágrafo único, do CTN, expressamente admite a concessão de desconto por antecipação de pagamento de tributo, nas condições estabelecidas pela lei, o que caracteriza remissão parcial do crédito tributário, visto que dispensa o pagamento de parte do valor devido quando realizado antes do vencimento, o que pressupõe o efetivo lançamento do crédito.

As alterações de fato consubstanciam benefícios fiscais, os quais exigem condições formais para sua concessão, com o objetivo de garantir que os benefícios de política tributária não prejudiquem a gestão fiscal responsável, planejada e transparente, prevenindo situações de desequilíbrio orçamentário.

Destarte, a proposição deve levar em conta os preceitos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101/2000, notadamente em seu art. 14, que exige a elaboração de impacto orçamentário-financeiro acompanhando a proposição:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

Essa complementação documental é exigida ainda pelo art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, incluído pela EC nº 95/2016:

               

CF/88 - ADCT

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.                  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016)

A documentação exigida pelas normas de responsabilidade fiscal, de todo modo, pode ser obtida durante a tramitação da matéria no âmbito da Comissão de Justiça e Redação, regimentalmente competente para aferir a constitucionalidade e a legalidade das proposições em trâmite na Câmara de Vereadores.

Por se tratar de alteração do Código Tributário Municipal, com natureza de Lei Complementar[4], faz-se necessária a ampla divulgação do projeto antes de sua aprovação, por força do art. 46 da LOM:

Art. 46 São leis complementares que dependem da aprovação da maioria absoluta dos membros da Câmara:

I - código de obras;

II - código de posturas;

III - código tributário;

IV - plano diretor;

V - código do meio ambiente;

VI - estatuto do servidor público;

VII - planos de carreira dos servidores;

VIII - lei que trata da elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

§ 1º Observado o Regimento Interno da Câmara Municipal, é assegurada a ampla divulgação e a realização de consulta pública aos projetos de leis complementares referidos no caput para recebimento de sugestões.

            Quanto ao disposto no § 1º do art. 46 da LOM, o Regimento Interno estabelece a obrigatoriedade de divulgação dos Projetos de Lei Complementar com a maior amplitude possível com prazo de 15 dias para apresentação de sugestões:

                       

Regimento Interno

Art. 135. São objeto de Lei Complementar, entre outros:

(...)

III - código tributário e fiscal;

(...)

§ 2º Dos projetos de códigos e respectivas exposições de motivos, antes de submetidos à discussão, será dada divulgação com maior amplitude possível.

§ 3º Dentro de 15 (quinze) dias, contados da data da divulgação de tais projetos, qualquer cidadão ou entidade poderá apresentar sugestões ao Presidente da Câmara, que as encaminhará às Comissões Permanentes.

[1] Barroso, Luís Roberto, Direito Constitucional Brasileiro: O Problema da Federação, Rio de Janeiro, p. 22.

[2] Barroso, Luís Roberto, op. Cit., pág. 76

[3] Vide, e.g., Agravo regimental no agravo de instrumento nº 282.660, Segunda Turma, relator ministro Maurício Corrêa, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 11 de outubro de 2001.

[4] A óptica terminológica aduz que a lei complementar é instrumento normativo emanado do órgão legislativo e que, após o devido processo legislativo de tramitação, com aprovação da maioria absoluta dos membros de cada Casa Legislativa, cria, modifica ou extingue as posições jurídicas subjetivas que lhe são constitucionalmente reservadas. KOZIKOSKI, Antonio. Comentários ao artigo 59. In MORAES, Alexandre de; et. al. Constituição federal comentada.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei n.º 010/2021, de autoria do Poder Executivo Municipal, desde que observadas as exigências do artigo 46 da Lei Orgânica Municipal - ampla divulgação para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal.

A legalidade da proposição está sujeita ainda à observância da exigência de estimativa de impacto orçamentário-financeiro exigida pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF e ao atendimento de pelo menos uma das condições estabelecidas por seu artigo 14 (renúncia considerada na estimativa de receita da LOA e que não afetará as metas de resultados fiscais da LDO ou medidas de compensação).

 

É o parecer.

Guaíba, 06 de abril de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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06/04/2021 14:44:26
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