Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 045/2021
PROPONENTE : Ver. João Caldas
     
PARECER : Nº 086/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 3.711, de 28 de agosto de 2018, que dispõe sobre o alinhamento e a retirada de fios em desuso e desordenados existentes em postes de energia elétrica e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador João Caldas (PT) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 045/2021, o qual “Altera a Lei Municipal nº 3.711, de 28 de agosto de 2018, que dispõe sobre o alinhamento e a retirada de fios em desuso e desordenados existentes em postes de energia elétrica e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)" (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 045/2021 dispõe sobre a proteção ao meio ambiente, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhecem os artigos 61 da CF/88, 59 da CE/RS e 38 da Lei Orgânica Municipal. Devidamente, a Lei Orgânica do Município de Guaíba prevê que cabe ao Município, em seu artigo, 6º, estabelecer políticas e normas de proteção ao meio ambiente, em simetria à CF/88, prevendo inclusive a promulgação de um Código de Meio Ambiente.

A Constituição da República estabeleceu como uma das obrigações dos entes proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, em seu artigo 23, inciso VI, da, estabelecendo que essa matéria é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cabendo assim o combate à poluição visual, para preservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado no âmbito municipal:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

Consubstancia-se a autonomia municipal conferida pela Constituição Federal no Capítulo XI, Seção IV da Lei Orgânica Municipal que tem por título “MEIO AMBIENTE”, que dispõe em seu art. 166, inciso XV, alínea “a”:

XV - avaliar regularmente os serviços públicos prestados pelo Município e por suas concessionárias ou permissionárias, no que respeita ao impacto ambiental por eles provocados:

a) empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos deverão atender rigorosamente aos dispositivos de proteção ambiental, não sendo permitida a renovação da permissão ou concessão, no caso de incidência da infração.

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. É cediço o entendimento dos tribunais de que as propostas legislativas que dispõem sobre meio ambiente são matérias para a qual a iniciativa é concorrente. Assim os tribunais vêm entendendo, firmando entendimento no sentido de que legislar sobre essa matéria é iniciativa concorrente – iniciativa geral e que corresponde à competência municipal.

Há, inclusive, jurisprudência em Ação Direta de Inconstitucionalidade que enfrentou precisamente a constitucionalidade da possibilidade do parlamentar municipal legislar sobre a obrigatoriedade da empresa concessionária de distribuição de energia elétrica a atender as normas técnicas aplicáveis à ocupação do espaço público e promover a regularização e retirada dos fios inutilizados, tendo os tribunais assentado o entendimento de que a matéria é de competência municipal e de iniciativa concorrente.

Nesse sentido verifica-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui acórdão que se debruçou especificamente sobre o teor da matéria proposta, assentando sua constitucionalidade (art. 30, I, II e VIII da CF/88) e da competência municipal para determinar às concessionárias que atendam as normas de ocupação do espaço público e que promovam a regularização e retirada dos fios inutilizados:

TJ-SP. Órgão Especial. PROCESSO 2103766-45.2017.8.26.000. Constitucional. Administrativo. Lei nº 9.339, de 10 de maio de 2017, do município de Presidente Prudente. Obrigatoriedade da empresa concessionária de distribuição de energia elétrica a atender as normas técnicas aplicáveis à ocupação do espaço público e promover a regularização e retirada dos fios inutilizados. Alegada ofensa à separação dos poderes (arts. 5º, 47, ii e xiv, e 144 CE) e invasão de competência federal para legislar sobre energia (art.22, iv, CF). INOCORRÊNCIA. INICIATIVA PARLAMENTAR. POLÍCIA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA MUNICIPAL. NORMA QUE SE REFERE À DETERMINAÇÃO DE RETIRADA DE FIOS E CABOS DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO, QUANDO EXCEDENTES OU SEM USO OU AINDA DE ALINHAMENTO DOS POSTES CONFORME AS NORMA TÉCNICAS, O QUE TANGE À PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE E URBANISMO SOBRE OS QUAIS O MUNICÍPIO ESTÁ AUTORIZADO A LEGISLAR AO TEOR DO QUE DISPÕE O ARTIGO 30, I, II E VIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Julgado em 08/11/2017.

ADI n.º 70057521932: CONSTITUCIONAL. LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. FISCALIZAÇÃO GENÉRICA. INEXISTÊNCIA DE INTERFERÊNCIA SUBSTANCIAL NAS ATRIBUIÇÕES DO EXECUTIVO. CONCESSÃO. REGIME CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE PROVA. Em princípio, a previsão, em lei de iniciativa do legislativo local, quanto a genérico dever de fiscalização, não interfere com a organização do Executivo, nem lhe acarreta ônus de mínima expressão. (...). Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70057521932, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 28/04/2014).

     Diante desses fundamentos e da jurisprudência acostada nesse parecer, a proposição está inserida no âmbito das normas de polícia administrativa e é imposta visando a segurança pública e a integridade física e o convívio dos munícipes em um ambiente sadio e não poluído visualmente, cabendo a iniciativa também aos parlamentares, não usurpando ainda a competência de outros entes, além de não haver ingerência na área de telecomunicações e seu funcionamento ou na gestão administrativa municipal.

Cabe aos Municípios instituir políticas de desenvolvimento urbano e ordenamento territorial – Direito Urbanístico, sendo louvável nessa perspectiva a proposição. Ademais, no julgamento do RE n. 581.947, o STF assentou que as concessionárias de energia elétrica se submetem às regras de direito urbanístico. Foi nesse sentido, ainda, a Orientação Técnica n.º 19.270/2018 do IGAM, de 25 de julho de 2018, referindo-se ao Recurso Extraordinário com Agravo 764.029, em que o STF manifestou-se pela constitucionalidade de lei municipal que impõe atribuições à concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica:

 

STF. ARE 764029 / RJ. Quanto ao mérito, a Lei Complementar nº 111 de 1º de fevereiro de 2011, tem por finalidade dispor sobre a política urbana e ambiental do município, instituindo um plano diretor de desenvolvimento urbano, e, por isto, lançando mão de sua competência de dispor sobre o espaço municipal, é que, em seu artigo 326 e parágrafo único, determina os procedimentos que deverão ser tomados pelas concessionárias, para eliminar o cabeamento aéreo, transformando-o em subterrâneo. Não se trata de instituir um imposto ou de dar diretrizes de funcionamento para as concessionárias de serviço público, isso sim de competência privativa da União, mas se cuida, apenas, de impor diretrizes que tornem o espaço urbano mais seguro e agradável aos munícipes. Assim, ao contrário do que entende a apelante, não há qualquer inconstitucionalidade na referida norma. A sentença deve, pois, ser mantida por seus próprios fundamentos. Desprovimento do recurso. [STF. Recurso Extraordinário com Agravo 764.029 Rio de Janeiro. Relator : Min. Ricardo Lewandowski. 08 de Maio de 2018.]

Recomenda-se que as Comissões Permanentes realizem análise mais pormenorizada quanto ao mérito das alterações pretendidas do art. 1º, caput e parágrafos e do art. 5º, alterando as responsáveis e as obrigações de realizar alinhamento e retirada de fios. A redação original previa a obrigação de forma abrangente, dispondo obrigação para as empresas privadas prestadoras de serviço que operem com cabeamento aéreo na cidade de Guaíba e não apenas “concessionárias, permissionárias ou terceirizadas”. A redação original já prevê também as obrigações para as demais empresas ocupantes que utilizam os postes para suporte de seus cabeamentos.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei n.º 045/2021, de autoria do Ver. João Caldas (PT), por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 25 de março de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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25/03/2021 11:17:11
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