Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO RETIFICADOR

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 004/2021
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 085/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a remoção de veículos abandonados ou estacionados em situação que caracterize seu abandono em via pública e dá outras providências."

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 004/2021, apresentado pelo Vereador Marcos SJ (DEM), o qual “Dispõe sobre a remoção de veículos abandonados ou estacionados em situação que caracterize seu abandono em via pública e dá outras providências.”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

O parecer jurídico orientou pela realização de ajustes (fls. 06 a 12). Apresentado o Substitutivo às fls. 14-15, retornou a proposição a esta Procuradoria, para nova análise jurídica. Após ter sido encaminhado para as Comissões Parlamentares, esta Procuradoria Jurídica identificou haver jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul declarando a inconstitucionalidade da matéria por ser de competência privativa da União legislar sobre trânsito.

2. MÉRITO:

Verificou-se, no caso, haver limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais estabelecem a competência privativa da União para legislar sobre a matéria.

No presente caso, a princípio a medida proposta através do Substitutivo configura violação à disposição normativa estabelecida no art. 22, XI, da Constituição Federal, o qual dispõe ser competência privativa da União legislar sobre trânsito:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XI - trânsito e transporte;

O E. STF possui jurisprudência em sede de controle concentrado de constitucionalidade quanto à matéria disciplinada pelo art. 22, XI, da Carta Magna:

Apenas a União tem competência para estabelecer multas de trânsito. A fixação de um teto para o respectivo valor não está previsto no Código de Trânsito Brasileiro, sendo descabido que os Estados venham a estabelecê-lo. Ausência de lei complementar federal que autorize os Estados a legislar, em pontos específicos, sobre trânsito e transporte, conforme prevê o art. 22, parágrafo único, da CF. [ADI 2.644, rel. min. Ellen Gracie, j. 7-8-2003, P, DJ de 29-8-2003.]

A União, ao utilizar sua competência para legislar a respeito da matéria, não caracterizou o abandono de veículos como infração. Constata-se que a legislação de trânsito é omissa, inexistindo regulamentação a respeito. A respeito, o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, Volume I, instituído pela Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 371/10, limita-se a instituir que “o simples abandono de veículo em via pública, estacionado em local não proibido pela sinalização, não caracteriza infração de trânsito, assim, não há previsão para sua remoção por parte do órgão ou entidade executivo de trânsito com circunscrição sobre a via”.[1]

E no mesmo sentido identificou-se entendimento jurisprudencial do TJRS declarando a inconstitucionalidade da matéria em legislação basicamente idêntica à proposta pelo PL nº 004/2021, sendo o Acórdão assim ementado:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SANTANA DA BOA VISTA. LEI Nº 3.022/2019 DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO LOCAL. REMOÇÃO DE VEÍCULOS, SUCATAS, CHASSIS, CARCAÇAS OU PARTES, E VEÍCULOS ABANDONADOS EM VIAS PÚBLICAS E DEMAIS LOGRADOUROS. VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DESPESAS NÃO PREVISTAS NA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS OU NO ORÇAMENTO DO MUNICÍPIO. CRIAÇÃO DE MULTA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO EM LEGISLAR SOBRE TRÂNSITO. Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal n.º 3.022/2019, do Município de Santana da Boa Vista, de iniciativa do Poder Legislativo local, que ‘dispõe sobre a remoção de Veículos, Sucatas, Chassis, Carcaças ou partes, e Veículos Abandonados em Vias Públicas e demais Logradouros. É inconstitucional Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que invade a competência privativa do Chefe do Executivo Municipal, interferindo diretamente na organização e no funcionamento da administração pública, além de criar despesas ou realocação de recursos, mormente considerando a disposição de diversas medidas de fiscalização e de natureza sancionatória, com imposição de multa e realização de leilões De mais a mais, in casu, o vício de origem ou de iniciativa também acarreta violação ao princípio constitucional da separação dos poderes. Ademais, verifica-se que a lei em questão institui infração com aplicação de multa não prevista no Código de Trânsito Brasileiro, invadindo a competência privativa da União em legislar sobre trânsito. Violação do art. 22, XI, da Constituição Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083071654, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em: 03-07-2020).

O referido acórdão salienta, ademais, que a lei em questão institui infração com aplicação de multa não prevista no Código de Trânsito Brasileiro, também em violação à norma insculpida no art. 22, XI da CF/88. Diante de tal quadro, o PL nº 004/2021, ao pretender legislar sobre infrações de trânsito, exorbita da competência municipal, invadindo a competência da União em matéria sobre infrações de trânsito.

[1] Mais fácil solução, haveria se o veículo se encontrasse em local PROIBIDO, pouco importando, nesse caso estar ou não licenciado: em qualquer caso deve ser autuado, pela correspondente infração de trânsito (um dos dezenove incisos do artigo 181) e removido ao depósito fixado pela autoridade competente (a única infração de trânsito de estacionamento que NÃO prevê a remoção do veículo é a constante do inciso XV, por estacionar o veículo na contramão de direção). Cabe saliente, porém, que a remoção do veículo constitui uma medida administrativa, que se define como uma providência complementar à aplicação das penalidades de trânsito e, por isso, não tem o cunho punitivo; isto significa que se o condutor (ou proprietário) comparecer ao local onde o veículo está estacionado e decidir retirá-lo de forma espontânea, não há que se aplicar, de forma impositiva, a remoção ao pátio. É este o procedimento determinado pelo Manual de Fiscalização: “A remoção do veículo não será aplicada se o condutor, regularmente habilitado, solucionar a causa da remoção, desde que isso ocorra antes que a operação de remoção tenha sido iniciada ou quando o agente avaliar que a operação de remoção trará ainda mais prejuízo à segurança e/ou fluidez da via” (a exceção se dará, porém, se o veículo não estiver devidamente licenciado ou não apresentar condições de segurança para circulação, situações em que se aplicará o recolhimento).

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver por despacho fundamentado, por inconstitucionalidade manifesta, o projeto original e o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 004/2021, por afronta à competência privativa da União insculpida no art. artigo 22, XI, da Constituição Federal.

Quanto à solução deste problema recorrente no âmbito do Município, uma forma de se eliminar interferências na via causadas por abandonos de veículos que permanecem por tempo prolongado estacionados, consiste no órgão de trânsito considerar a conveniência em prol do interesse público de regulamentar a proibição de estacionamento nos locais, com a devida implantação da sinalização de trânsito correspondente.

Por fim, resta salientar que, no âmbito do Congresso Nacional, já existem propostas para incluir o assunto no Código de Trânsito Brasileiro (Projeto de Lei n. 6.603/13, PL n. 8.238/14, PL n. 1.736/15, Projeto de Lei 4347/20).

É o parecer.

Guaíba, 23 de março de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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