Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 038/2021
PROPONENTE : Ver. Rosalvo Duarte
     
PARECER : Nº 081/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Reconhece a prática da atividade física e do exercício físico, ministrados por Profissional de Educação Física, como essenciais para a população de Guaíba-RS e as empresas prestadoras de serviços destinados a essa finalidade em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 038/2021, apresentado pelo Vereador Rosalvo Duarte (DEM), o qual “Reconhece a prática da atividade física e do exercício físico, ministrados por Profissional de Educação Física, como essenciais para a população de Guaíba-RS e as empresas prestadoras de serviços destinados a essa finalidade em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

(...)

O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul aprovou muito recentemente o PL 144/2020, também de iniciativa parlamentar, o qual possui matéria basicamente idêntica à proposição em análise de âmbito municipal, visando a reconhecer a prática da atividade física e do exercício físico em estabelecimentos prestadores de serviços destinados a essa finalidade, bem como em espaços públicos, como essenciais para a população gaúcha em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais. Iniciativa desta mesma natureza, de origem parlamentar, já foi aprovada também no Estado de Santa Catarina - Lei nº 17.941, de 8 de maio de 2020.

A proposta legislativa prevê que as restrições ao direito de praticar atividade física e exercício físico nos locais mencionados deverão ter fundamento nas normas sanitárias e de segurança pública aplicáveis na espécie e serão precedidas de decisão administrativa fundamentada da autoridade competente, a qual deverá expressamente indicar a extensão, os motivos e critérios científicos/técnicos que porventura venham a embasar a medida imposta, sendo facultado ao Poder Executivo a regulamentação do disposto na norma pretendida.

Por outro lado, verificada que a competência para legislar é concorrente entre a União, os Estados e os municípios, porém, hierarquizada, os entes municipais devem articular as suas ações conforme as definições estabelecidas pelo governo federal e pelo Estado, em razão da necessidade de vigilância epidemiológica. Quanto a Esse ponto específico, cabe ressaltar que o disposto no parágrafo único do artigo 1º da proposta traz a garantia para que as atividades aconteçam com segurança à saúde da população:

“Parágrafo único. Poderá a autoridade competente restringir o direito da prática das atividades citadas no caput deste artigo desde que com decisão fundamentada em normas sanitárias e de segurança pública, a qual indicará a extensão, motivos e critérios técnicos e científicos das restrições que porventura venham a ser expostas”.

Foi devidamente prevista na proposição a possibilidade de restrição das atividades conforme decisões devidamente fundamentadas das autoridades competentes com base nas normas sanitárias e de segurança.

 

A Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a qual que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, estabelece em seus artigos 2º e 3º que as atividades físicas são determinantes e condicionantes para os níveis do direito fundamental à saúde[3], garantindo bem-estar físico, mental e social:

Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

No mesmo sentido da proposta ora em análise, verifica-se que foi sancionada a Lei Estadual nº 15.548, de 04 de novembro de 2020, reconhecendo as atividades religiosas como essenciais em todo o Estado do Rio Grande do Sul.

Em sentido diverso, ressalta-se que a Lei Federal nº 13.979, de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, especialmente quanto ao resguardo de funcionamento dos serviços públicos, bem como de atividades essenciais, estabelece que são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante decreto específico, conforme a norma explicita desde a Medida Provisória nº 926, de 2020, art. 3º, § 9º, sendo que seria do Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativa para estabelecer os serviços essenciais a nível municipal:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:                (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020) [...]

§ 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

§ 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

Por fim, o reconhecimento como atividade essencial por si só não traz relevantes implicações práticas e como essa é uma matéria na qual o projeto não adentrou, não há que se questionar eventual ofensa à competência legislativa deferida aos municípios ou à iniciativa parlamentar. Não se verifica interferência do Poder Legislativo nas atribuições dos órgãos do Poder Executivo, já que não cria, extingue ou altera órgãos administrativos, bem como não institui nova atribuição a órgão integrante da administração estatal.

Recomenda-se que as Comissões Permanentes analisem de forma pormenorizada a Emenda do Deputado Frederico Antunes (PP) ao PL nº 144/2020, aprovada durante sua tramitação na ALRS, que propôs as seguintes alterações:

I - a ementa passa a ter a seguinte redação:

“Reconhece a prática da atividade física e do exercício físico e as atividades das redes pública e privada de ensino como essenciais para a população do Rio Grande do Sul nos estabelecimentos prestadores de serviços destinados a essas finalidades em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais”

II - No art. 1º, o caput passa a ter a seguinte redação:

“Art. 1º Ficam reconhecidas no Estado do Rio Grande do Sul a prática da atividade física e do exercício físico, ministrados por profissional de Educação Física, como essenciais para a população, podendo ser realizados em estabelecimentos prestadores de serviços destinados a essa finalidade, bem como em espaços públicos em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais. …….”

III – Acrescenta onde couber, renumerando os demais, artigo com a seguinte redação:

“Art... As atividades de ensino da rede pública e da rede privada, destinadas à educação infantil e ao ensino fundamental, bem como ao apoio pedagógico ou a cuidados com crianças e adolescentes, ficam reconhecidas como essenciais, devendo o Poder Executivo, ao estabelecer medidas de prevenção e enfrentamento à pandemia de COVID-19, observadas as evidências científicas e as análises sobre as informações estratégicas em saúde, definir protocolos de atendimento observado o necessário equilíbrio entre a promoção da saúde pública e o desempenho das atividades educacionais.”

P. único. “A previsão de essencialidade estipulada nesta Lei não implica determinação de presença compulsória dos alunos”.

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

[3] CF/88: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.                (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 038/2021, em que pese a ausência de segurança jurídica que permita opinar pela constitucionalidade da matéria proposta, havendo substancial divergência jurisprudencial no que diz respeito à iniciativa parlamentar para legislar sobre atividades essenciais, cabendo uma análise pormenorizada pelas Comissões permanentes, notadamente pela Comissão de Justiça e Redação.

Sugere-se que o autor e/ou a Comissão de Justiça e Redação observem ainda o teor da Emenda do Deputado Frederico Antunes (PP) ao PL nº 144/2020, aprovada durante sua tramitação na ALRS - http://proweb.procergs.com.br/temp/PL_144_2020_intEME_1_2_18032021134605.pdf?18/03/2021%2013:46:05.

É o parecer.

Guaíba, 18 de março de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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