Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 023/2021
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 053/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a criação de obrigatoriedade da concessionaria dos serviços de distribuição de Água - CORSAN, colocar dispositivo de retenção de ar nos hidrômetros"

1. Relatório

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 023/2021 à Câmara Municipal, objetivando instituir a obrigatoriedade da concessionária dos serviços de distribuição de água (CORSAN) de instalar dispositivos de retenção de ar nos hidrômetros. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir obrigação sob a responsabilidade da concessionária do serviço público de água, no sentido de adquirir e instalar dispositivos de retenção de ar nos hidrômetros existentes no Município de Guaíba, com o fim de reduzir o consumo devido à passagem de ar pelos hidrômetros. Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor sobre obrigação no âmbito dos serviços públicos, os quais são de responsabilidade do Poder Executivo.

O serviço público de distribuição de água é daqueles que contam com uma regulamentação da prestação em termos de eficiência (Lei nº 8.987/1995), podendo ser prestado diretamente ou mediante delegação a terceiros, neste caso precedida da indispensável licitação. Tal serviço é delegado à concessionária CORSAN, perfazendo-se a relação por contrato administrativo, com cláusulas fixas sobre a forma de prestação do serviço, que até podem ser alteradas unilateralmente, mas apenas por iniciativa do ente concedente.

Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Poder Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pelo serviço de distribuição de água.

Lembre-se que a medida é uma daquelas que tem aptidão para gerar o desequilíbrio do contrato administrativo, visto que a instalação de dispositivos retentores de ar pode gerar custos adicionais não estabelecidos previamente e não contemplados na proposta ofertada na licitação. Considerando isso, as eventuais alterações devem ser implementadas por ato exclusivo do Poder Executivo, não sendo possíveis alterações dessa relação jurídico-administrativa por iniciativa do Poder Legislativo.

O Projeto de Lei nº 023/2021, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, e no art. 163, § 4º, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Art. 163. Incumbe ao Estado a prestação de serviços públicos, diretamente ou, através de licitação, sob regime de concessão ou permissão, devendo garantir-lhes a qualidade.

(...)

§ 4º Será assegurado o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e permissão, vedada a estipulação de quaisquer benefícios tarifários a uma classe ou coletividade de usuários, sem a correspondente e imediata readequação do valor das tarifas, resultante da repercussão financeira dos benefícios concedidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 27, de 15/12/99)

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade da concessionária para a instalação de dispositivos retentores de ar nos hidrômetros, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, no âmbito dos serviços públicos. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência relacionado ao caso em análise:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE VACARIA. LEI MUNICIPAL Nº 4.446/2019. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. DETERMINA A INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO ELIMINADOR DE AR NA TUBULAÇÃO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. AQUISIÇÃO E INSTALAÇÃO A SER CUSTEADA PELA CORSAN. INCONSTICIONALIDADE POR VÍCIO DE ORIGEM. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO E A CORSAN. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PRECEDENTES. 1. Hipótese em que lei de iniciativa parlamentar cria nova obrigação – instalação de equipamentos eliminadores de ar na tubulação de abastecimento de água do município - a ser a cumprida e custeada pela CORSAN, interferindo na prestação dos serviços, sem observar os termos do contrato celebrado entre o Município e a empresa estatal. 2. A lei impugnada versa sobre matéria eminentemente administrativa e interfere no funcionamento da administração municipal, motivo pelo qual a iniciativa para deflagrar processo legislativo acerca dessa temática compete ao Prefeito, nos termos do 8º, caput, 10, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos III e VII, todos da Constituição Estadual. 3. Outrossim, a norma acaba por gerar um aumento nos custos da prestação dos serviços a ser suportado pela empresa estatal, repercutindo, assim, no equilíbrio-financeiro do contrato celebrado, sem previsão de qualquer fonte de custeio, circunstância que implica violação do art. 163, § 4º, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70082473737, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em: 11-11-2019)

O Projeto de Lei nº 023/2021 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

3. Conclusão

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS) e ao art. 163, § 4º, da CE/RS, bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica.

Guaíba, 23 de fevereiro de 2021.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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