Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 011/2021
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 030/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui as Políticas de Proteção Ambiental da Sub-Bacia Hidrográfica do Arroio Passo Fundo e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Marcos SJ (DEM) apresentou o Projeto de Lei nº 011/2021 à Câmara Municipal, o qual “Institui as Políticas de Proteção Ambiental da Sub-Bacia Hidrográfica do Arroio Passo Fundo e dá outras providências. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A contribuição que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 011/2021, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece políticas vinculadas à expansão, ao aprimoramento e à implantação de ações voltadas à proteção do meio ambiente.

A respeito da competência dos municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, colacionamos lição da doutrina de Paulo de Bessa Antunes, renomado especialista no campo do Direito Ambiental:

(...) seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Quanto à competência municipal para legislar sobre a matéria, é importante destacar o entendimento firmado no STF:

“(...) Competência do Município para dispor sobre preservação e defesa da integridade do meio ambiente. A incolumidade do patrimônio ambiental como expressão de um direito fundamental constitucionalmente atribuído à generalidade das pessoas (RTJ 158/205-206 – RTJ 164/158-161, v.g.). A questão do meio ambiente como um dos tópicos mais relevantes da presente agenda nacional e internacional. O poder de regulação dos Municípios em tema de formulação de políticas públicas, de regras e de estratégias legitimadas por seu peculiar interesse e destinadas a viabilizar, de modo efetivo, a proteção local do meio ambiente. (…).” (RE 673.681/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88) [RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145.].

São todos esses motivos que têm levado o Supremo Tribunal Federal a consagrar, em seu magistério jurisprudencial, o reconhecimento do direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de todos os entes políticos que compõem a estrutura institucional da Federação em nosso País, com particular destaque para os Municípios, em face do que prescreve, quanto a eles, a própria Constituição da República (art. 30, incisos I, II e VII, c/c o art. 23, incisos II e VI):

A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe ao Estado e à própria coletividade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e das futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. [Voto do Min. Celso de Mello no RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145.].

Em outro leading case o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento que “a regra geral deva ser a liberdade para que cada ente federativo faça as suas escolhas institucionais e normativas, as quais já se encontram bastante limitadas por outras normas constitucionais materiais que restringem seu espaço de autonomia” e de que “não havendo necessidade autoevidente de uniformidade nacional na disciplina da temática, proponho prestigiar a iniciativa local em matéria de competências legislativas concorrentes. O benefício da dúvida deve ser pró-autonomia dos Estados e Municípios”.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

I - disponham sob matéria financeira;

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 129/2017 é promover a proteção do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” O Projeto de Lei nº 129/2017 se presta, acima de tudo, a atender ao referido comando constitucional.

Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.”

Quanto a este aspecto específico é lapidar trecho do voto do E. Min. Celso de Mello no RE 586.224, elucidando que “o Município dispõe de competência para legislar sobre o meio ambiente, desde que o faça nos limites do interesse local, em ordem a que a regulação normativa municipal esteja em harmonia com as competências materiais constitucionalmente deferidas à União Federal e aos Estados- -membros.

A proposta em momento algum cria o fundo especial – matéria que compete ao Executivo, nos termos do artigo 167, inciso IX, da CF/88 – ou estabelece as atribuições do órgão governamental (com exceção do art. 16), o que também seria competência do Executivo, na forma do artigo 60, inciso II, “d”, da Constituição Estadual Gaúcha. Trata-se de matéria afeta ao interesse local e de iniciativa concorrente, atendendo aos comandos constitucionais sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Diante desses fundamentos, o tratamento dispensado pela proposta legislativa municipal vai ao encontro do sistema estruturado de maneira harmônica entre as esferas federal e estadual, sendo as normas veiculadas pelo projeto proporcionais sob a ótica das normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção ao meio ambiente. A proposta não ultrapassou os limites materiais conformadores das atribuições normativas locais.

Por outro lado, faz-se necessária a correção das previsões contidas no art. 16, cabeça e parágrafo único, por caracterizarem afronta ao princípio da separação entre os poderes.

Já tendo sido instituído o Fundo Municipal do Meio Ambiente através da Lei Municipal nº 1.448/1999, não há obstáculos legais para a criação de fontes de recursos para atender ao fundo previsto na lei citada. Assim, não há interferência de um Poder em outro, já que existente a previsão de tal recurso. Contudo, ultrapassada a possibilidade de destinação de recursos das multas ao fundo, não cabe ao legislativo determinar ao Executivo Municipal como implementar o poder de polícia estabelecido na Lei Municipal nº 1.730/2002, merecendo ser corrigida a redação do art. 16 do projeto, sugerindo-se a seguinte redação:

Art. 16. Para o cumprimento desta Lei, as multas de que tratam o § 4º do art. 47 e o art. 92 da Lei Municipal n.º 1.730/2002 e suas atualizações serão destinadas exclusivamente ao Fundo Municipal do Meio Ambiente.

  

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 011/2021, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que alterada a redação do art. 16 da proposição.

É o parecer.

Guaíba, 08 de fevereiro de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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