PARECER JURÍDICO |
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"Institui a Política Municipal de Utilização Sustentável dos Veículos de Tração Animal VTA e redução gradativa do Uso e dá outras Providências" 1. RelatórioO Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 071/2020 à Câmara Municipal, que institui a Política Municipal de Utilização Sustentável dos Veículos de Tração Animal (VTA) e Redução Gradativa do Uso. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. MÉRITOO artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A lei que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação federal. Isso porque o Projeto de Lei nº 071/2020, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece uma política de utilização sustentável e redução gradativa dos veículos de tração animal, com vistas a assegurar a autonomia dos condutores de VTAs e o bem-estar dos animais, estabelecendo, ainda, infrações administrativas e respectivas penalidades para a utilização irregular dos veículos, o que vem ao encontro do art. 225, § 1º, VII, da CF/88 e do art. 251, § 1º, VII, da CE/RS. A respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:
Importante, ainda, destacar o entendimento firmado no STF sobre os limites da competência legislativa municipal em matéria de meio ambiente (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:
Além disso, na ADI nº 70024563785, julgada pelo TJRS em 29/09/2008, afirmou-se a competência legislativa municipal para ordenar o trânsito urbano em relação aos condutores de veículos de tração animal no estrito âmbito local, tendo como fundamento a previsão do art. 30, I, da CF/88:
Portanto, verificado o interesse local na regulamentação do tráfego urbano através dos veículos de tração animal, com o fim de sua progressiva redução e garantia de bem-estar dos animais, e considerando o precedente jurisprudencial acima destacado, reconhece-se a competência legislativa municipal, em especial porque o Código de Trânsito Brasileiro estabelece, como competências municipais, o registro e licenciamento de VTAs e a autorização de sua condução, devendo tais atos respeitar a regulamentação local pertinente (arts. 24, XVII e XVIII, 129 e 141, § 1º, do CTB):
No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Essa também foi a conclusão do TJRS ao julgar a ADI nº 70030187793, que versou sobre semelhante diploma legal do Município de Porto Alegre (Lei Municipal nº 10.531/2008), reconhecendo que o programa de redução gradativa no número de veículos de tração animal e de veículos de tração humana naquela localidade, de iniciativa parlamentar, não possuía vício de iniciativa no processo legislativo:
No entanto, destaca-se, para fins de alerta, que no precedente acima destacado a tese do vício de iniciativa foi rejeitada por maioria, tendo sido travado um amplo debate a respeito dos limites para a regulamentação da matéria por iniciativa parlamentar. Tal fato indica que o tema em análise – definição de políticas públicas envolvendo condutores de veículos de tração animal na esfera municipal – possui divergências no Poder Judiciário, de modo que, embora se esteja acolhendo a tese vencedora (de inexistência de vício de iniciativa), é possível que a divergência ocorra novamente e vença a tese oposta. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém destacar que o objetivo principal do Projeto de Lei nº 071/2020 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção ambiental, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.” A proposta estabelece medidas fundadas no poder de polícia administrativa para regular a utilização dos VTAs no Município de Guaíba, prevendo condicionamentos, obrigações e infrações administrativas. Nessa linha, de acordo com o art. 78, caput, do CTN,
Hely Lopes Meirelles leciona que “o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” (Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 134). Trata-se de prerrogativa própria de Estado que limita ou condiciona o exercício de liberdades individuais visando atender ao interesse público, que pode envolver, por exemplo, o bem-estar dos animais e o trânsito regular de veículos no perímetro urbano municipal, tal como propõe o PL nº 071/2020. Portanto, considerando a jurisprudência do TJRS (70024563785 e 70030187793) a respeito da competência legislativa municipal e da iniciativa parlamentar para proposições sobre políticas públicas para condutores de veículos de tração animal, e tendo em vista que as medidas veiculadas na proposta se fundam no poder de polícia, tem-se que, ao menos em tese, o Projeto de Lei nº 071/2020 está apto juridicamente para a tramitação regimental. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 071/2020, podendo seguir o seu trâmite nos termos do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guaíba. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 3 de fevereiro de 2021. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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