Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 005/2021
PROPONENTE : Ver. Cristiano Eleu
     
PARECER : Nº 020/2021
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Reconhece a atividade religiosa como essencial para população em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 005/2021, apresentado pelo Vereador Cristiano Eleu (REPUBLICANOS), o qual “Reconhece a atividade religiosa como essencial para população em tempos de crises ocasionadas por moléstias contagiosas ou catástrofes naturais”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

Mais de quatro Estados brasileiros aprovaram leis similares ao texto em estudo, são eles: Rio Grande do Sul (Lei Estadual nº 15.548/2020), Paraná (Lei n.º 20.205/2020), Amazonas (Lei n.º 5.198/2020) e Mato Grosso do Sul (Lei n.º 5.502/2020), sendo que em todos esses, a origem das proposições foi de iniciativa parlamentar.

Por outro lado, verificada que a competência para legislar é concorrente entre a União, os Estados e os municípios, porém, hierarquizada, os entes municipais devem articular as suas ações conforme as definições estabelecidas pelo governo federal e pelo Estado, em razão da necessidade de vigilância epidemiológica. Quanto a Esse ponto específico, cabe ressaltar que o disposto no parágrafo único do artigo 1º da proposta traz a garantia para que as atividades religiosas aconteçam com segurança à saúde da população:

“Parágrafo único. Para aplicação da presente lei devem ser observadas as recomendações expedidas em cada caso pela Secretária Estadual de Saúde”.

Recomenda-se, ainda, que o proponente preveja que devam ser observadas as recomendações expedidas também pela Secretaria Municipal de Saúde.

Verifica-se, ademais, que foi sancionada a Lei Estadual nº 15.548, de 04 de novembro de 2020, reconhecendo as atividades religiosas como essenciais em todo o Estado do Rio Grande do Sul.

Em sentido diverso, ressalta-se que a Lei Federal nº 13.979, de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, especialmente quanto ao resguardo de funcionamento dos serviços públicos, bem como de atividades essenciais, estabelece que são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante decreto específico, conforme a norma explicita desde a Medida Provisória nº 926, de 2020, art. 3º, § 9º, sendo que seria do Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativa para estabelecer os serviços essenciais a nível municipal:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:                (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020) [...]

§ 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

§ 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

Por fim, o reconhecimento como atividade essencial por si só não traz relevantes implicações práticas e como essa é uma matéria na qual o projeto não adentrou, não há que se questionar eventual ofensa à competência legislativa deferida aos municípios ou à iniciativa parlamentar. Não se verifica interferência do Poder Legislativo nas atribuições dos órgãos do Poder Executivo, já que não cria, extingue ou altera órgãos administrativos, bem como não institui nova atribuição a órgão integrante da administração estatal.

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 005/2021, em que pese a ausência de segurança jurídica que permita opinar pela constitucionalidade da matéria proposta, havendo substancial divergência jurisprudencial no que diz respeito à iniciativa parlamentar para legislar sobre atividades essenciais, cabendo uma análise pormenorizada pelas Comissões permanentes, notadamente pela Comissão de Justiça e Redação.

Recomenda-se, ainda, que o proponente preveja que devam ser observadas as recomendações expedidas também pela Secretaria Municipal de Saúde.

É o parecer.

Guaíba, 27 de janeiro de 2021.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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