Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 046/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 186/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal n.º 3.893, de 14 de maio de 2020, e dá outras providências"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 046/2020 à Câmara Municipal, em que busca alterar a Lei Municipal nº 3.893/2020, visando à prorrogação de contratação temporária de enfermeiros. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirellesna obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

 3. MÉRITO

O Projeto de Lei nº 046/2020, de autoria do Poder Executivo Municipal, pretende alterar a Lei Municipal nº 3.893/2020 no sentido de estender o prazo máximo de vigência da contratação temporária de enfermeiros para 360 (trezentos e sessenta) dias, na medida em que o prazo inicialmente definido (180 dias) se mostrou insuficiente ante a continuidade do estado de calamidade pública causado pela pandemia de COVID-19.

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo na autonomia política do Município, insculpida no artigo 18 da CF/88, e na competência para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I, da CF/88), assim dispostas:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes expõe que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

De fato, há permissivo constitucional que prevê a contratação por tempo determinado, desde que atenda à necessidade temporária de excepcional interesse público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Analogicamente, a disciplina da previsão constitucional de contratação temporária foi regulada pela Lei nº 8.745, de 9 de Dezembro de 1993, que “Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências.” O próprio art. 2º, II, do referido diploma legal considera como necessidade temporária de excepcional interesse público a assistência a emergências em saúde pública, cenário que justifica a pretendida prorrogação de contratos temporários. Em âmbito local, tal permissivo foi regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba, que dispõe, no Título X, sobre a contratação temporária de excepcional interesse público:

TÍTULO X

DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

Art. 216 Para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas contratações de pessoal por tempo determinado.

Art. 217 Consideram-se como necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visam a:

I - atender a situações de calamidade pública;

II - combater surtos epidêmicos; (...)

Art. 218 As contratações de que trata este capítulo serão realizadas por prazo determinado, de 06 (seis) meses com possibilidade de serem prorrogadas por igual período.

Art. 219. Os contratos serão de natureza administrativa, ficando assegurados os seguintes direitos ao contratado:

I - remuneração equivalente à percebida pelos servidores de igual ou assemelhada função no quadro permanente do Município;

II - jornada de trabalho, serviço extraordinário, repouso semanal remunerado, adicional noturno e gratificação natalina proporcional, nos termos desta lei;

III - férias proporcionais, ao término do contrato;

IV - inscrição no regime geral de previdência social.

Parágrafo Único. No caso de contratação para programas específicos, a remuneração será aquela definida na lei que instituiu o referido programa.

Nos casos de contratação temporária, não é necessária a realização de concurso público, exigindo-se, como regra, a realização de processo seletivo simplificado (art. 3º, caput, da Lei nº 8.745/93). Ocorre que, nas situações de emergência em saúde pública, o art. 3º, § 1º, II, da Lei nº 8.745/93 possibilita a dispensa da realização de processo seletivo para a contratação temporária, como forma de impulsionar a pronta ação do Poder Público para fazer face às necessidades de interesse público. Isso não impede, obviamente, nessas situações, a adoção de critérios que mantenham a isonomia e a impessoalidade da seleção.

Veja-se, a respeito, a Orientação Técnica nº 7577-0200/10-0, do TCE/RS, sobre a possibilidade de dispensa de processo seletivo simplificado nas contratações fundamentadas em estado de calamidade pública:

PEDIDO DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA. CONTRATAÇÕES POR PRAZO DETERMINADO. PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO. LINHAS BÁSICAS. As contratações por prazo determinado que não decorram de calamidade pública ou de situações fáticas que imponham uma pronta ação do Poder Público devem ser antecedidas de procedimento seletivo simplificado, em reverência aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie. A inexistência de disciplinamento acerca das admissões excepcionais e dos correspondentes procedimentos seletivos simplificados não impede o exame sob a ótica da observância aos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública.

Também se verifica estar correta a proposição no sentido de fixar um prazo determinado à duração dos contratos, com previsão da possibilidade de prorrogações sucessivas até o limite de 360 dias, tendo em vista que a providência está justificada na exata medida das necessidades de enfrentamento da pandemia de COVID-19, cuja duração ainda não está exatamente estimada, havendo previsão no art. 218 do Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba sobre a possibilidade de prorrogação dos contratos.

Importante destacar o tema de repercussão geral do STF nº 612, quanto aos requisitos para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos:

Tema 612. Nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração.

Analisando a proposição e os motivos que a determinaram, percebe-se: (1) existe previsão legal para a contratação temporária em situações de calamidade pública e de surto epidêmico (art. 217, incisos I e II, do Estatuto do Servidor Público de Guaíba); (2) há previsão de prazo de vigência dos contratos (30 dias, prorrogáveis sucessivamente por períodos de 30 dias até o limite de 360 dias); (3) a necessidade é temporária, visto que é pertinente ao enfrentamento da pandemia de COVID-19; (4) o interesse público é excepcional; (5) a contratação não se deve ao atendimento de contingências normais da Administração Pública, mas ao enfrentamento de um surto epidêmico temporário, imprevisível, excepcional e extraordinário, que já causou 181.835 mortes no Brasil até o dia 15/12/2020.

Quanto às vedações da Lei Eleitoral, o TSE já decidiu que as disposições normativas do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, sobre as restrições à contratação e exoneração de servidores nos três meses que antecedem a eleição até a posse dos eleitos, aplicam-se aos casos de contratação temporária. No entanto, de acordo com o precedente abaixo destacado, a ressalva da alínea “d” do inciso V, relativa à instalação ou ao funcionamento inadiável dos serviços públicos essenciais, incide sobre os serviços emergenciais, entendidos como aqueles umbilicalmente ligados à sobrevivência, à saúde ou à segurança da população:

Conduta vedada a agente público em campanha eleitoral. Art. 73, inciso V, alínea d, da Lei nº 9.504/97. 1. Contratação temporária, pela administração pública, de professores e demais profissionais da área da educação, motoristas, faxineiros e merendeiras, no período vedado pela Lei Eleitoral. 2. No caso da alínea d do inciso V da Lei nº 9.504/97, só escapa da ilicitude a contratação de pessoal necessária ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais. 3. Em sentido amplo, todo serviço público é essencial ao interesse da coletividade. Já em sentido estrito, essencial é o serviço público emergencial, assim entendido aquele umbilicalmente vinculado à “sobrevivência, saúde ou segurança da população”. 4. A ressalva da alínea d do inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/97 só pode ser coerentemente entendida a partir de uma visão estrita da essencialidade do serviço público. Do contrário, restaria inócua a finalidade da Lei Eleitoral ao vedar certas condutas aos agentes públicos, tendentes a afetar a igualdade de competição no pleito. Daqui resulta não ser a educação um serviço público essencial. Sua eventual descontinuidade, em dado momento, embora acarrete evidentes prejuízos à sociedade, é de ser oportunamente recomposta. Isso por inexistência de dano irreparável à “sobrevivência, saúde ou segurança da população”. (...)

(Ac. de 12.12.2006 no REsp nº 27.563, rel. Min. Carlos Ayres Britto.)

Nesse precedente, o TSE esclareceu que, muito embora todos os serviços públicos sejam essenciais ao interesse da coletividade (sentido amplo da essencialidade), a mitigação da conduta vedada ocorre apenas sobre os serviços públicos tidos como estritamente essenciais, ou seja, sobre aqueles ligados diretamente à sobrevivência, saúde e segurança da população (sentido estrito de essencialidade). De outro modo, a legislação estaria a permitir que a manutenção de todo e qualquer serviço público pudesse justificar a contratação temporária e excepcional em período vedado, não sendo esse o sentido da norma.

Na presente situação, embora a extensão do prazo da contratação temporária se verifique no período vedado por regra na Lei Eleitoral (3 meses que antecedem o pleito até a posse dos eleitos), ela diz respeito a um serviço público que se revela estritamente essencial à sobrevivência, à saúde e à segurança da população, por consistir no enfrentamento à pandemia de COVID-19, um fenômeno temporário, imprevisível, excepcional e extraordinário, o que, na forma da jurisprudência do TSE acima exposta, viabiliza a medida.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 046/2020, do Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 15 de dezembro de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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