Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 040/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 160/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Suspende o recolhimento de contribuições patronais e de prestações de acordos de parcelamento devidas pelo Município ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores - RPPS, nos termos do art. 9.º, §2.º, da Lei Complementar n.º 173, de 28 de maio de 2020"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 040/2020 à Câmara Municipal, o qual “Suspende o recolhimento de contribuições patronais e de prestações de acordos de parcelamento devidas pelo Município ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores - RPPS, nos termos do art. 9.º, §2.º, da Lei Complementar n.º 173, de 28 de maio de 2020”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico, com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, visto que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de estabelecer regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos, de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, nos exatos termos do art. 40 da Constituição Federal.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 040/2020 trata das contribuições previdenciárias patronais dos Municípios devidas aos respectivos regimes próprios, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal, conforme se verifica da redação do art. 61, § 1º, inciso II, alíneas ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da CF/88, aplicável aos demais entes federados pelo princípio da simetria:

Art. 61. (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

(...)

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

(...)

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

A reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para a matéria afeita ao regime de previdência dos servidores públicos foi expressamente reafirmada no art. 60, II, b, da Constituição Estadual, havendo inclusive jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reafirmando a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo para tratar sobre a matéria:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO AOS PROVENTOS, POR LEI, SEM INICIATIVA DO GOVERNADOR (REGIME JURÍDICO DE SERVIDOR) E SEM PREVISÃO DE FONTE DE CUSTEIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 39, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1994, DO ESTADO DO AMAZONAS. 1. Havendo a Lei em questão instituído benefício previdenciário, em acréscimo a benefício já percebido pelo aposentado, por invalidez, sem que o projeto (sobre regime jurídico de servidor) tenha tido a iniciativa do governador, e sem previsão de fonte de custeio, é de se lhe declarar a inconstitucionalidade, por inobservância dos princípios dos artigos 61, § 1º, "c", 195, § 5º, c/c artigo 25 da parte permanente da C.F. de 05.10.1988 e art. 11 do A.D.C.T. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. Plenário. Decisão unânime” (STF, ADI 1.223-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 12-02-2003, v.u., DJ 28-03-2003, p. 63).

Quanto à matéria de fundo, como meio de facilitar a gestão do orçamento para enfrentamento da pandemia, a Lei Complementar Federal nº 173, de 27 de maio de 2020, estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), prevendo em seu art. 9º a possibilidade de lei municipal específica suspender o recolhimento das contribuições previdenciárias patronais e dos refinanciamentos de dívidas dos Municípios a seus Regimes Próprios de Previdência Social com vencimento entre 01/03/2020 e 31/12/2020:

Art. 9º Ficam suspensos, na forma do regulamento, os pagamentos dos refinanciamentos de dívidas dos Municípios com a Previdência Social com vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.

(...)

§ 2º A suspensão de que trata este artigo se estende ao recolhimento das contribuições previdenciárias patronais dos Municípios devidas aos respectivos regimes próprios, desde que autorizada por lei municipal específica.

A Portaria nº 14.816, de 19 de junho de 2020, veio regulamentar a aplicação do referido art. 9º da LC nº 173/2020, a valores devidos por Municípios a seus Regimes Próprios de Previdência Social.

Nos termos da Portaria nº 14.816/2020, a proposta legislativa definiu a natureza dos valores devidos ao RPPS alcançados pela suspensão – contribuição patronal suplementar para recuperar o passivo atuarial e prestações não pagas de termos de acordo de parcelamento (ambos com vencimento de 01 de setembro a 31 de dezembro de 2020). A proposta optou por não prever a contribuição patronal normal, sendo que a referida portaria previa a possibilidade de a autorização da suspensão abranger as três espécies ou apenas alguma delas.

Ressaltamos que por força da Portaria nº 14.816/2020:

- a suspensão dos pagamentos não afasta a responsabilidade do Município pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo RPPS, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários;

- é vedada a restituição ou compensação dos valores de prestações de termos de acordo de parcelamento ou de contribuições previdenciárias patronais devidas que tiverem sido pagas ao órgão ou entidade gestora do RPPS com vencimento dentro do período de que tratam os incisos I e II do § 1º do art. 1º.

Diante disso, sendo vedada a restituição ou compensação dos valores, cabe verificar se desde a competência de 1º de setembro de 2020 até a publicação da eventual lei oriunda do PL 040/2020, o repasse de setembro se encontra em atraso, estando nesse caso adequado o que se propõe no PL no sentido de incluir a competência de 01/09/2020. Observou-se, ainda, o prazo estabelecido por força do disposto no § 9º do artigo 9º da EC nº 103/2019 c/c art. 195, § 11º, da Constituição Federal:

CF/88

Art. 195 (...)

§ 11. São vedados a moratória e o parcelamento em prazo superior a 60 (sessenta) meses e, na forma de lei complementar, a remissão e a anistia das contribuições sociais de que tratam a alínea "a" do inciso I e o inciso II do caput.

EC nº 103/2019

Art. 9º (...)

§ 9º O parcelamento ou a moratória de débitos dos entes federativos com seus regimes próprios de previdência social fica limitado ao prazo a que se refere o § 11 do art. 195 da Constituição.

Nos termos da Nota Técnica SEI nº 25948/2020/ME, os valores suspensos relativos às contribuições patronais que não forem empenhados deixarão de contar para fins de apuração dos limites mínimos de saúde e educação, que tem como base a execução orçamentária do exercício. Também mesmo com a suspensão dos pagamentos, e ainda que as despesas não sejam empenhadas, os valores devidos a título de contribuição patronal e de parcelamento de débitos devem ser computados como Despesa com Pessoal em suas respectivas competências no momento do fato gerador, tendo em vista que a LRF estabelece no § 2º do art. 18 que a despesa total com pessoal será apurada adotando-se o regime de competência.

A Nota Técnica SEI nº 25948/2020/ME esclarece ainda, em relação à apuração dos limites mínimos de saúde e educação, que a suspensão é opcional e a lei local de suspensão, caso aprovada, poderia prever apenas suspensão parcial, mantendo-se os pagamentos patronais decorrentes de áreas que possuem recursos específicos, como na saúde e educação, minimizando riscos de não atingimento de limites:

25. Ressaltamos que os valores não pagos de obrigação patronal com o RPPS não devem ser considerados para fins de apuração dos limites mínimos de saúde e educação, pois, no cálculo dessas despesas, observa-se a execução orçamentária do exercício e não o fato gerador. Por outro lado, essa suspensão é opcional e a lei local de suspensão, caso seja aprovada, poderia prever apenas suspensão parcial, mantendo-se os pagamentos patronais decorrentes de áreas que possuem recursos específicos, como é o caso da saúde e educação, minimizando riscos de não atingimento de limites.

Cabe enfatizar que é recomendável que a suspensão do pagamento se dê tão somente nos casos em que o ente não tenha condições de efetuar o recolhimento da contribuição patronal, mediante comprovação da dificuldade financeira do Município em realizar o pagamento das obrigações legais preservando o equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS para garantir o pagamento dos benefícios previdenciários presentes e futuros. Os recursos provenientes da suspensão de pagamentos devem ser aplicados em ações de enfrentamento da calamidade pública decorrente da Covid-19.

Incumbe aos Vereadores avaliar a necessidade de autorizarem a suspensão desses pagamentos frente às necessidades financeiras enfrentadas em razão dos efeitos negativos da pandemia do COVID-19, tendo em vista também que as obrigações continuarão sendo devidas pelo Município e terão reflexo nas contas municipais, nesse caso pela aprovação de novos parcelamentos (esses valores serão parcelados impactando o caixa da Prefeitura nos meses subsequentes ainda em 2021) e que a suspensão dos pagamentos terá por efeito a sustentabilidade do RPPS, pela falta de capitalização dos recursos que deixarão de ingressar tempestivamente nos cofres dos RPPS, por exemplo, não cabendo à Procuradoria adentrar na análise sob essas perspectivas.

No caso de aprovação do projeto em análise, o não repasse tanto dos parcelamentos como das contribuições previdenciárias patronais suspensas não vai impedir a emissão do Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP até o dia 31 de janeiro de 2021, devendo ser realizado o envio da eventual Lei Municipal para a Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, para seja verificada a regularidade do CRP e efetivada a emissão do certificado que atesta que o ente observou as normas de boa gestão, de forma a assegurar o pagamento dos benefícios previdenciários aos seus segurados.

Sugere-se, para uma melhor análise da matéria, que o GuaíbaPrev informe se a contribuição patronal normal e dos segurados será suficiente para pagar a folha dos benefícios previdenciários e se terá de ser realizado resgate intempestivo da carteira de investimento do RPPS. Segundo informações do GuaíbaPrev, a Receita Média Mensal do instituto em 2020 foi de R$ 5.034.480,47, sendo a Média Mensal da Folha de Pagamento de Aposentados e Pensionistas da ordem de R$ 4.242.994,60, havendo que se levar em conta, ademais, a décima terceira remuneração.

Necessária correção do art. 7º, visto que sua redação faz referência a dotação orçamentária que, todavia, não consta da proposta, assim como do art. 3º, caput, para retirar a previsão “inciso I do”.

Por fim, não foi acostada à proposição qualquer manifestação técnica ou documento atuarial instruindo o processo legislativo, tampouco a manifestação dos Conselhos do GuaíbaPrev, nem demais informações quanto à situação financeira do Município para análise dos Vereadores, sugerindo-se eventual solicitação pela Comissão de Justiça e Redação.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei nº 040/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam sua deliberação em Plenário, desde que atendidas as observações deste parecer.

É o parecer.

Guaíba, 16 de outubro de 2020.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS                                     GUSTAVO DOBLER

Procurador-Geral                                                                              Procurador

OAB/RS 107.136                                                                              OAB/RS 110.114B



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