Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 039/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 158/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Plano de Mobilidade Territorial no município de Guaíba"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 039/2020 à Câmara Municipal, que institui o Plano de Mobilidade Territorial no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal. O parecer orientou pela legalidade da proposição, com o aval do Procurador-Geral da Câmara, que registrou a necessidade de audiência pública, na forma do art. 15, III, da Lei nº 12.587/2012. Em seguida, a Vereadora Fernanda Garcia apresentou emenda ao projeto, que retornou à Procuradoria para nova análise.

2. MÉRITO

O Projeto de Lei nº 039/2020 foi apresentado pelo Executivo Municipal, com o objetivo de instituir, no Município de Guaíba, o Plano de Mobilidade Territorial, de sua iniciativa privativa, à luz do art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual. A respeito desse assunto, não é vedada, em regra, a apresentação de emendas parlamentares a projetos de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, visto que exercida inicialmente a iniciativa pelo Prefeito. Os limites para o exercício desse poder estão fixados, inicialmente, no artigo 63 da Constituição Federal, que prevê:

Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.

Na Constituição Estadual, a matéria é regulada pelo artigo 61, que estabelece:

Art. 61.  Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa privativa do Governador, ressalvado o disposto no art. 152;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembléia Legislativa, dos Tribunais e do Ministério Público.

Por fim, na esfera municipal, refere o artigo 46-A da Lei Orgânica de Guaíba:

Art. 46-A Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Prefeito;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara Municipal. (Redação acrescida pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

O mais importante, portanto, no caso de emendas parlamentares a projetos de iniciativa privativa do Executivo, é que não ocorra o aumento da despesa prevista, uma vez que tal medida é capaz de afetar o erário público por não demonstrar a viabilidade econômico-financeira, interferindo, assim, na independência do Poder Executivo, gestor das contas públicas. Além disso, a jurisprudência pacífica defende que as emendas parlamentares devem guardar o grau de pertinência temática da proposta originária, isto é, não podem veicular matérias diferentes das previstas inicialmente, de modo a não desnaturá-las ou desconfigurá-las. Veja-se o julgado do Supremo Tribunal Federal:

As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011.

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do RS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 4.620/2016, DO MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. EMENDAS PARLAMENTARES. IMPOSSIBILIDADE DE AUMENTO DE DESPESA EM PROJETO DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. 1. A Constituição Estadual, em seu art. 60, inc. II, delimita quais são as matérias cujas leis são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, sendo tal dispositivo aplicável aos Municípios, por simetria. É inquestionável o cabimento das emendas parlamentares em projetos de lei de iniciativa reservada, porém, tais emendas devem guardar relação com a temática original da proposição e não podem implicar aumento de despesa, o art. 61, inc. I, da CE, também aplicável aos Municípios por simetria. [...] JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072358336, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/08/2017)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. LIMITES AO PODER DE EMENDA DO PODER LEGISLATIVO. Em matérias de iniciativa privativa ou reservada ao Poder Executivo, o Poder Legislativo tem limites ao seu poder de emenda. Tais limites são a inviabilidade de aumentar despesas e a pertinência temática em relação ao projeto original. Precedentes do STF. Lição doutrinária. No presente caso, a matéria objeto do projeto de lei é de iniciativa privativa do Executivo. E o projeto de lei foi elaborado pelo próprio Executivo, não tendo ocorrido, na hipótese, vício de iniciativa. Contudo, ao longo da tramitação do processo legislativo, o Legislativo municipal emendou o projeto originário, acrescendo 02 artigos e alterando a redação de 01 artigo. Com tais emendas, considerando os seus respectivos teores, o Legislativo transcendeu seu poder de emenda, ao aumentar despesas para a Administração, ao acrescentar no projeto originário disposições que com ele não guardam pertinência temática estrita; e ao determinar a retroação dos efeitos da lei para antes da sua vigência, o que não é viável na hipótese tanto por gerar aumento de despesas, quanto por impor retroação de lei com efeito punitivo. Decreta-se a inconstitucionalidade integral dos artigos 3º e 4º da Lei Municipal n.º 4.439/2016; e a inconstitucionalidade parcial do art. 5º da mesma lei, com redução de texto. JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068690429, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 01/08/2016)

A emenda protocolada pela Vereadora Fernanda Garcia não traduz aumento de despesas ao Executivo nem se afasta da temática tratada na proposição. No caso, a emenda propõe o acréscimo da alínea “d” ao inciso I do § 1º do art. 67, estabelecendo “isenção do pagamento do preço público pela utilização do estacionamento rotativo aos veículos conduzidos por pessoas com deficiência e por condutores idosos devidamente identificados na forma da legislação, limitada a gratuidade às vagas exclusivas para pessoas com deficiência e para idosos e observado, ainda, o tempo máximo de uso permitido nas vagas exclusivas”.

A justificativa apresentada para a emenda faz referência às dificuldades vividas por idosos e pessoas com deficiência em razão da condição física mais frágil, bem como o corriqueiro descaso do Poder Público para com seus direitos, a fundamentar a proposição de emenda que visa a facilitar o exercício de seus direitos à liberdade e à locomoção. A exposição ainda refere que, normalmente, grande parte dos rendimentos de pessoas com deficiência e idosos é direcionada para saúde e alimentação, o que dificulta o pagamento de tarifas por estacionamento rotativo, de modo que a isenção proposta é uma política que concretiza o dever de amparo previsto no art. 230 da Constituição Federal.

O serviço de estacionamento rotativo, no Município de Guaíba, é explorado mediante concessão (Lei Municipal nº 2.386/2008), ou seja, há a transferência da execução do serviço através de delegação a uma pessoa jurídica de direito privado, contratada por prazo determinado por licitação, que presta o serviço por conta e risco próprios. Por essa modalidade de transferência, a execução do serviço é remunerada através de tarifa, que representa um preço público fixado na proposta vencedora da licitação, preservada por regras de revisão estabelecidas no edital e no contrato administrativo.

A relação jurídica formada entre o usuário e a concessionária é de consumo, uma vez que se trata de serviço de fruição individual, divisível, em que se pode identificar facilmente o beneficiário (serviço uti singuli), remunerado por tarifa, a atrair a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com a Lei Geral de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/1995). A tarifa que remunera o serviço delegado, portanto, tem natureza contratual e não tributária, por não configurar taxa, espécie de tributo que seria aplicável caso o serviço divisível fosse prestado diretamente pelo Município de Guaíba. Veja-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. TARIFAÇÃO. COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA. LEGITIMIDADE. 1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do Consumidor. [...] (REsp 609.332/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/08/2005, DJ 05/09/2005)

Assim, tratando-se de delegação de serviço público mediante concessão, a análise da proposta deve estar norteada pela ótica da Lei nº 8.987/1995 em cotejo com o Código de Defesa do Consumidor, inspirada na Constituição Federal de 1988, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto nº 6.949/2009 e com status equivalente de emenda constitucional), no Estatuto da Pessoa com Deficiência e no Estatuto do Idoso, afastada a ótica tributária, porquanto não se trata de serviço público remunerado por taxa, e sim por tarifa/preço público, pago pelo usuário e sem contribuição da Administração Pública.

A Constituição Federal de 1988 determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de integração, conforto e bem-estar às pessoas com deficiência e aos idosos, sendo esse o objetivo da emenda em análise. Nessa linha, referem os arts. 23, II, e 230, caput, da CF/88:

Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 230 A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Na Constituição Estadual Gaúcha, por sua vez, o artigo 261, inc. IV, refere que “Compete ao Estado estabelecer programas de assistência aos idosos portadores ou não de deficiência, com objetivo de proporcionar-lhes segurança econômica, defesa da dignidade e bem-estar, prevenção de doenças, integração e participação ativa na comunidade.” O direito fundamental de integração do idoso na comunidade compreende, como garantia da sua concretização, a facilitação do deslocamento pela isenção da tarifa de estacionamento rotativo, como se pretende instituir no Projeto de Lei nº 039/2020.

O Decreto nº 6.949, de 25/8/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A mesma convenção internacional define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1º).

Outrossim, na seara infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevê, no artigo 8º:

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), por fim, institui uma série de direitos fundamentais aos idosos, estabelecendo, ainda, o dever estatal de concretização:

Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Constata-se, assim, que o Direito sustenta a proposta de isenção tarifária do estacionamento rotativo aos idosos e pessoas com deficiência, na medida em que retirada a sua validade diretamente da Constituição Federal, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e da Constituição Estadual, com apoio em diplomas infraconstitucionais que delineiam as obrigações estatais relativas aos direitos fundamentais desses grupos (Estatuto da Pessoa com Deficiência e Estatuto do Idoso). Por essas razões, considera-se que a emenda apresentada é juridicamente viável.

Por fim, importante fazer um registro quanto a um eventual argumento de “aumento de despesas”. O aumento das despesas públicas é, realmente, um fator impeditivo às emendas apresentadas por parlamentares em projetos de iniciativa do Chefe do Executivo, conforme fundamentado no início deste parecer (art. 63 da CF/88, art. 61 da CE/RS e art. 46-A da LOM). No entanto, entende-se que a emenda em análise não produz o referido aumento. Isso porque, nas concessões de serviço público, há a transferência da execução do serviço a uma pessoa jurídica de direito privado, que o presta com a contraprestação específica do usuário através de tarifa, sem a contribuição do Poder Público.

Ou seja, o Município apenas delega a execução do serviço através de licitação, fixa a tarifa no contrato administrativo a partir da proposta do vencedor, estabelece os mecanismos de atualização e exerce a fiscalização do serviço prestado. Quem remunera a empresa contratada são os usuários do serviço público, por meio das tarifas fixadas contratualmente. Por consequência, a isenção proposta não gera, especificamente, aumento de despesas para o Executivo Municipal, visto que o serviço é remunerado pelos usuários; haverá, talvez, a depender do impacto, a necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro contratual, pela revisão das tarifas, na forma do contrato de concessão, a ser suportada pelos próprios usuários do serviço público, e não pela Administração Pública.

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade da emenda apresentada às fls. 92-93, por estarem atendidos os requisitos do art. 63 da CF/88, do art. 61 da CE/RS e do art. 46-A da LOM, além de haver pertinência temática, conforme a jurisprudência do STF e do TJRS.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 6 de outubro de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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