PARECER JURÍDICO |
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"Institui o Plano de Mobilidade Territorial no município de Guaíba" 1. RelatórioO Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 039/2020 à Câmara Municipal, que institui o Plano de Mobilidade Territorial no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal. O parecer orientou pela legalidade da proposição, com o aval do Procurador-Geral da Câmara, que registrou a necessidade de audiência pública, na forma do art. 15, III, da Lei nº 12.587/2012. Em seguida, a Vereadora Fernanda Garcia apresentou emenda ao projeto, que retornou à Procuradoria para nova análise. 2. MÉRITOO Projeto de Lei nº 039/2020 foi apresentado pelo Executivo Municipal, com o objetivo de instituir, no Município de Guaíba, o Plano de Mobilidade Territorial, de sua iniciativa privativa, à luz do art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual. A respeito desse assunto, não é vedada, em regra, a apresentação de emendas parlamentares a projetos de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, visto que exercida inicialmente a iniciativa pelo Prefeito. Os limites para o exercício desse poder estão fixados, inicialmente, no artigo 63 da Constituição Federal, que prevê:
Na Constituição Estadual, a matéria é regulada pelo artigo 61, que estabelece:
Por fim, na esfera municipal, refere o artigo 46-A da Lei Orgânica de Guaíba:
O mais importante, portanto, no caso de emendas parlamentares a projetos de iniciativa privativa do Executivo, é que não ocorra o aumento da despesa prevista, uma vez que tal medida é capaz de afetar o erário público por não demonstrar a viabilidade econômico-financeira, interferindo, assim, na independência do Poder Executivo, gestor das contas públicas. Além disso, a jurisprudência pacífica defende que as emendas parlamentares devem guardar o grau de pertinência temática da proposta originária, isto é, não podem veicular matérias diferentes das previstas inicialmente, de modo a não desnaturá-las ou desconfigurá-las. Veja-se o julgado do Supremo Tribunal Federal:
No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do RS:
A emenda protocolada pela Vereadora Fernanda Garcia não traduz aumento de despesas ao Executivo nem se afasta da temática tratada na proposição. No caso, a emenda propõe o acréscimo da alínea “d” ao inciso I do § 1º do art. 67, estabelecendo “isenção do pagamento do preço público pela utilização do estacionamento rotativo aos veículos conduzidos por pessoas com deficiência e por condutores idosos devidamente identificados na forma da legislação, limitada a gratuidade às vagas exclusivas para pessoas com deficiência e para idosos e observado, ainda, o tempo máximo de uso permitido nas vagas exclusivas”. A justificativa apresentada para a emenda faz referência às dificuldades vividas por idosos e pessoas com deficiência em razão da condição física mais frágil, bem como o corriqueiro descaso do Poder Público para com seus direitos, a fundamentar a proposição de emenda que visa a facilitar o exercício de seus direitos à liberdade e à locomoção. A exposição ainda refere que, normalmente, grande parte dos rendimentos de pessoas com deficiência e idosos é direcionada para saúde e alimentação, o que dificulta o pagamento de tarifas por estacionamento rotativo, de modo que a isenção proposta é uma política que concretiza o dever de amparo previsto no art. 230 da Constituição Federal. O serviço de estacionamento rotativo, no Município de Guaíba, é explorado mediante concessão (Lei Municipal nº 2.386/2008), ou seja, há a transferência da execução do serviço através de delegação a uma pessoa jurídica de direito privado, contratada por prazo determinado por licitação, que presta o serviço por conta e risco próprios. Por essa modalidade de transferência, a execução do serviço é remunerada através de tarifa, que representa um preço público fixado na proposta vencedora da licitação, preservada por regras de revisão estabelecidas no edital e no contrato administrativo. A relação jurídica formada entre o usuário e a concessionária é de consumo, uma vez que se trata de serviço de fruição individual, divisível, em que se pode identificar facilmente o beneficiário (serviço uti singuli), remunerado por tarifa, a atrair a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com a Lei Geral de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/1995). A tarifa que remunera o serviço delegado, portanto, tem natureza contratual e não tributária, por não configurar taxa, espécie de tributo que seria aplicável caso o serviço divisível fosse prestado diretamente pelo Município de Guaíba. Veja-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, tratando-se de delegação de serviço público mediante concessão, a análise da proposta deve estar norteada pela ótica da Lei nº 8.987/1995 em cotejo com o Código de Defesa do Consumidor, inspirada na Constituição Federal de 1988, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto nº 6.949/2009 e com status equivalente de emenda constitucional), no Estatuto da Pessoa com Deficiência e no Estatuto do Idoso, afastada a ótica tributária, porquanto não se trata de serviço público remunerado por taxa, e sim por tarifa/preço público, pago pelo usuário e sem contribuição da Administração Pública. A Constituição Federal de 1988 determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de integração, conforto e bem-estar às pessoas com deficiência e aos idosos, sendo esse o objetivo da emenda em análise. Nessa linha, referem os arts. 23, II, e 230, caput, da CF/88:
Na Constituição Estadual Gaúcha, por sua vez, o artigo 261, inc. IV, refere que “Compete ao Estado estabelecer programas de assistência aos idosos portadores ou não de deficiência, com objetivo de proporcionar-lhes segurança econômica, defesa da dignidade e bem-estar, prevenção de doenças, integração e participação ativa na comunidade.” O direito fundamental de integração do idoso na comunidade compreende, como garantia da sua concretização, a facilitação do deslocamento pela isenção da tarifa de estacionamento rotativo, como se pretende instituir no Projeto de Lei nº 039/2020. O Decreto nº 6.949, de 25/8/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A mesma convenção internacional define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1º). Outrossim, na seara infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevê, no artigo 8º:
O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), por fim, institui uma série de direitos fundamentais aos idosos, estabelecendo, ainda, o dever estatal de concretização:
Constata-se, assim, que o Direito sustenta a proposta de isenção tarifária do estacionamento rotativo aos idosos e pessoas com deficiência, na medida em que retirada a sua validade diretamente da Constituição Federal, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e da Constituição Estadual, com apoio em diplomas infraconstitucionais que delineiam as obrigações estatais relativas aos direitos fundamentais desses grupos (Estatuto da Pessoa com Deficiência e Estatuto do Idoso). Por essas razões, considera-se que a emenda apresentada é juridicamente viável. Por fim, importante fazer um registro quanto a um eventual argumento de “aumento de despesas”. O aumento das despesas públicas é, realmente, um fator impeditivo às emendas apresentadas por parlamentares em projetos de iniciativa do Chefe do Executivo, conforme fundamentado no início deste parecer (art. 63 da CF/88, art. 61 da CE/RS e art. 46-A da LOM). No entanto, entende-se que a emenda em análise não produz o referido aumento. Isso porque, nas concessões de serviço público, há a transferência da execução do serviço a uma pessoa jurídica de direito privado, que o presta com a contraprestação específica do usuário através de tarifa, sem a contribuição do Poder Público. Ou seja, o Município apenas delega a execução do serviço através de licitação, fixa a tarifa no contrato administrativo a partir da proposta do vencedor, estabelece os mecanismos de atualização e exerce a fiscalização do serviço prestado. Quem remunera a empresa contratada são os usuários do serviço público, por meio das tarifas fixadas contratualmente. Por consequência, a isenção proposta não gera, especificamente, aumento de despesas para o Executivo Municipal, visto que o serviço é remunerado pelos usuários; haverá, talvez, a depender do impacto, a necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro contratual, pela revisão das tarifas, na forma do contrato de concessão, a ser suportada pelos próprios usuários do serviço público, e não pela Administração Pública. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade da emenda apresentada às fls. 92-93, por estarem atendidos os requisitos do art. 63 da CF/88, do art. 61 da CE/RS e do art. 46-A da LOM, além de haver pertinência temática, conforme a jurisprudência do STF e do TJRS. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 6 de outubro de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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