Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 052/2020
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 140/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Política Municipal de Fomento a Investimentos e Negócios de Impacto e dá outras providências"

1. Relatório

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 052/2020 à Câmara Municipal, objetivando instituir a Política Municipal de Fomento a Investimentos e Negócios de Impacto. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

2. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

O Projeto de Lei nº 052/2020 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que objetiva dispor sobre uma política de incentivo ao empreendedorismo sustentável, matéria também da responsabilidade dos Municípios, na forma dos arts. 23, VI, 170 e 174 da Constituição Federal de 1988.

Quanto à iniciativa, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que a norma de parâmetro seja de repetição obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Verifica-se, no caso, que os arts. 5º e 6º violam a reserva de iniciativa prevista no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e nos artigos 52, VI, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal, ao instituírem uma “faculdade” de o Executivo criar programas destinados ao apoio de organizações intermediárias que tutelem a inclusão socioeconômica de grupos vulneráveis, bem como de estabelecer tratamento simplificado e alíquotas diferenciadas para cooperativas e empresas que desenvolvam atividades que se enquadrem como negócios de impacto.

Por mais meritória que seja, a proposta, nesses pontos, acaba por transpor os limites do princípio da separação dos poderes, na chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal, ao dispor sobre as medidas que deverão ser implementadas pelo Poder Executivo para a efetividade da política.

Portanto, apesar de honrosa sob o ponto de vista material, a matéria dos arts. 5º e 6º do Projeto de Lei nº 052/2020 não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, porquanto cria obrigações que invadem a reserva de administração protegida pelo art. 61, § 1º, da CF/88, art. 60, II, “d”, da CE/RS e arts. 52, VI, e 119, II, da LOM. Necessária, dessa forma, a retirada dos dois dispositivos, inclusive conforme sustentado pelo IGAM na Orientação Técnica nº 42.600/2020, p. 2-3:

A proposição em análise cria atribuições aos órgãos e entidades do Poder Executivo, ao prever nos arts. 5º e 6º, que o Município “Poder Executivo poderá criar, por ato próprio, programa destinado a apoiar organizações intermediárias que oferecem capital ou atividades de formação e capacitação direcionadas ao desenvolvimento e fortalecimento de negócios de impacto” e “regulamentar, por ato próprio, método simplificado e alíquota diferenciada exclusivamente para cooperativas, microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais que desenvolvam atividades que se enquadrem como negócios de impacto”, em violação ao princípio da separação dos poderes e em desconformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, acima transcrito.

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa nos arts. 5º e 6º, caracterizado com base no art. 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, no art. 60, II, “d”, da CE/RS e nos arts. 52, VI, e 119, II, da LOM. Sugere-se a correção da proposta, mediante substitutivo que elimine os dois dispositivos inconstitucionais.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 2 de setembro de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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