Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 035/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 134/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal n.º 2.346/2008 e dá outras providências"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 035/2020 à Câmara Municipal, que altera a Lei Municipal nº 2.346/2008 e dá outras providências. A proposição veio acompanhada de exposição de motivos (fls. 02-03), protocolo de intenções e seu 1º aditivo (fls. 06-10) e de cópia das diversas tratativas entre o Município de Guaíba e a CMPC Celulose Riograndense para a definição do valor a ser restituído à empresa e da forma como isso ocorrerá (fls. 11-117). A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

Quanto à competência legislativa, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado busca alterar a Lei Municipal nº 2.346/2008, modificando a forma de restituição à CMPC do valor por ela efetivamente antecipado na parceria com a execução de responsabilidades que originalmente eram do Município (inciso I do art. 4º), tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito.

Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS).

Nesse caso, identifica-se uma reserva de iniciativa do processo legislativo ao Prefeito de Guaíba, porquanto compete-lhe privativamente a administração dos bens e das rendas municipais, inclusive por meio da arrecadação de tributos da competência municipal, de modo que a disposição acerca da compensação tributária é da sua iniciativa exclusiva, com base no princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Na Lei Orgânica Municipal, consta, ainda, a competência privativa do Prefeito para administrar os bens municipais e as rendas municipais, inclusive por meio do lançamento, da fiscalização e da arrecadação tributárias (art. 52, inciso XXII), do que se conclui que, além do necessário processo legislativo para a autorização da compensação tributária, há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo.

3.2 Dos aspectos materiais da proposição

Como justificativa para a proposição, o Prefeito de Guaíba sustenta, na exposição de motivos, que “a forma de apuração dos valores de reembolso e forma de pagamento vigentes na Lei Municipal nº 2.346/2008 não favoreciam o Município e o desembolso para pagamento poderia afetar o equilíbrio financeiro da municipalidade nestes tempos de crise.” Assim, a proposição pretende ajustar a forma de reembolso, que passará a ser por compensação tributária de créditos de IPTU e ISSQN do Município de Guaíba com o valor estabelecido para reembolso de R$ 46.450.746,10 (quarenta e seis milhões, quatrocentos e cinquenta mil, setecentos e quarenta e seis reais e dez centavos).

Essa compensação ocorrerá gradualmente, pois a proposição institui uma barreira máxima anual de até R$ 950.000,00 (novecentos e cinquenta mil reais) em relação aos créditos de IPTU e de até R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) quanto aos créditos de ISSQN devidos pela empresa, cujo início será a partir de 2021. De acordo com a justificativa, a estimativa de pagamento é de 14 anos. O protocolo de intenções e o 1º aditivo (fls. 06-10) apontam, realmente, para o consenso quanto ao valor final e à forma de reembolso.

Configura-se, na espécie, uma hipótese de compensação tributária, disciplinada pelo art. 170 do Código Tributário Nacional e, com idêntica redação, pelo art. 352 do Código Tributário Municipal, nos seguintes termos:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

É caso de compensação tributária porque, nas condições estabelecidas pelo Projeto de Lei nº 035/2020 (art. 6º, § 1º, II), ocorrerá uma equalização entre os créditos tributários de IPTU e ISSQN do Município de Guaíba com o crédito líquido e certo da CMPC contra a Fazenda Pública (R$ 46.450.746,10).

A compensação tributária é definida pela legislação pertinente como uma modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, II, do CTN). De acordo com Leandro Paulsen (Curso de Direito Tributário Completo, 11. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2020),

O art. 170 do CTN estabelece que a lei poderá autorizar compensações entre créditos tributários da Fazenda Pública e créditos do sujeito passivo contra ela. Não há direito à compensação decorrente diretamente do Código Tributário Nacional, pois depende da intermediação de lei específica autorizadora. A compensação pressupõe, sempre, créditos e débitos recíprocos, exigindo, portanto, que as mesmas pessoas sejam credoras e devedoras umas das outras.

Como se percebe, são exigências para a compensação: 1) lei autorizadora do ente federativo; 2) créditos e débitos recíprocos, ou seja, que as duas pessoas sejam, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra (art. 368 do Código Civil); 3) certeza e liquidez do crédito do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

No caso, busca-se a criação de lei específica para autorizar a compensação tributária de créditos do Município de Guaíba em face da CMPC Celulose Riograndense, relativos a IPTU e ISSQN, com o crédito de R$ 46.450,746,10 da empresa contra o Município, decorrente da realização antecipada da obrigação do inciso I do art. 4º da Lei Municipal nº 2.346/2008 às expensas da empresa, que gerou o direito à restituição previsto no art. 6º, § 1º, II, da mesma lei municipal. Trata-se de crédito líquido, porquanto o seu valor já está definido, sendo, ainda, certa a obrigação de restituição do Município. O projeto estabelece as condições dessa compensação, prevendo uma barreira máxima anual de até R$ 950.000,00 em relação aos créditos de IPTU e de até R$ 2.500.000,00 quanto aos créditos de ISSQN devidos pela empresa, cujo início será a partir de 2021. Nesse ponto, entende-se, com apoio na doutrina e nos requisitos do art. 170 do CTN e do art. 352 do CTM, que estão preenchidos os requisitos para a autorização da compensação tributária pretendida.

O IGAM, na Orientação Técnica nº 43.234/2020, referiu que “Necessita de impacto orçamentário e financeiro em função da troca dos benefícios concedidos à empresa. É preciso que se verifique qual o reflexo da troca de benefícios com as alterações propostas no art. 6º, seus parágrafos e incisos, trarão para o município em termos de renúncia de receita.” Nesse trecho, discorda-se da posição de que se trata de renúncia de receita, uma vez que a compensação, além de ser hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156, II, do CTN), é aplicável quando duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra (art. 368 do CC), extinguindo-se as obrigações até onde se compensarem, ou seja, por parte de ambas há uma expectativa de pagamento recíproco, não se configurando como um mero benefício que acarreta renúncia de receita do orçamento público.

Utiliza-se a doutrina de Harrison Leite (Manual de Direito Financeiro, 5. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 225) para definir a abrangência das renúncias de receita:

Outro tema que merece destaque é o regramento trazido pela LRF para a tão mencionada renúncia de receita. Consiste na concessão de benefícios fiscais por parte de alguns entes federativos com o fim maior de atrair investimentos. Assim é que, sem a utilização desse mecanismo, dificilmente Municípios ou Estados pouco atrativos poderiam receber investimentos, uma vez que, num país com a carga tributária nos moldes como o Brasil, qualquer atrativo fiscal é sempre bem-vindo.

Ocorre que diversos benefícios fiscais foram concedidos sem análise acurada dos seus efeitos orçamentários. É dizer, quando se concede um benefício, fatalmente há reflexos no orçamento, na parte das receitas. E, se a receita é afetada, poderá haver distúrbios em diversas áreas, incluindo-se aí as metas de investimentos, a necessidade de redução de gastos, a impossibilidade de aumentos salariais, dentre tantos outros.

A compensação pretendida não é hipótese de um incentivo ou benefício de natureza tributária. Configura-se, como dito, numa espécie de extinção do crédito tributário muito próxima ao próprio pagamento, uma vez que duas dívidas de credores e devedores recíprocos se extinguem até onde compensarem, havendo para ambos uma obrigação e uma expectativa de pagamento, facilitado pela compensação. Não se considera, portanto, ocorrer uma simples redução da receita, porque a redução da carga tributária da CMPC corresponde à liquidação da dívida do Município de Guaíba, dentro das condições estabelecidas na proposição.

Ressalta-se, ainda, que o § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao prever o que compreende a renúncia de receita, elenca hipóteses em que há, efetivamente, uma perda de receita para a Fazenda Pública (“A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado), categoria em que não se enquadra a compensação, que extingue obrigações recíprocas como se pagamento fosse.

Dessa forma, entende-se não se enquadrar a hipótese na categoria de renúncia de receita tal como prevista no § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, não sendo obrigatória, assim, a entrega de estimativa do impacto orçamentário-financeiro. Isso não impede, obviamente, que as comissões permanentes possam requerer do Executivo Municipal a apresentação de estudos dos efeitos da medida sobre a receita, os quais, inclusive, são recomendáveis, diante da complexidade do caso e do alto valor a ser compensado.

Em relação à proibição constante no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, incidente sobre a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública em ano eleitoral, deve-se registrar novamente que a compensação não é benefício, mas modalidade onerosa de extinção da obrigação, na medida em que as dívidas se extinguem reciprocamente até onde se compensarem como formas facilitadas de pagamento. Assim, com a compensação pretendida na proposta, o Município não estará apenas concedendo um benefício tributário, mas liquidando gradualmente um crédito de titularidade da CMPC Celulose Riograndense.

Veja-se a Cartilha de Orientação aos Agentes Públicos Estaduais elaborada pela PGE/RS em relação às Eleições de 2018[1] (p. 60):

15. Cessão de uso de imóvel de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul, contíguo à área afetada à Secretaria da Educação (onde será construída futura CRE), em Município localizado na região noroeste do Estado. Destinação: revitalização do espaço, realização de Feira Municipal de Produtores voltados à agricultura familiar, horta comunitária, criação de centro/polo de formação, desenvolvimento da agroindústria. Isenção de dívida do Estado para com o Município. Obrigação do cessionário de manter e conservar a área contígua àquela cedida, enquanto não for edificada pelo Estado. A “distribuição gratuita de bens” referida no artigo 73, parágrafo 10, da Lei Eleitoral compreende toda e qualquer forma desonerada de benefícios a terceiros, tal como ocorre com as doações sem encargo, subvenções sociais, contribuições, entre outras. Ou seja, a “distribuição gratuita de bens”, valores ou benefícios pressupõe benevolência por parte da Administração Pública.

Portanto, considerando os argumentos expostos, entende-se não haver incidência da vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 ao presente caso, em razão da onerosidade da compensação e da limitação da conduta vedada à distribuição gratuita de benefícios.

[1] https://www.centraldocidadao.rs.gov.br/upload/arquivos/201807/11162144-cartilha-pge.pdf

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 035/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 28 de agosto de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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