Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 050/2020
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 131/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Dia de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Bombeiro no âmbito do Município de Guaíba"

1. Relatório

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 050/2020 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, o “Dia de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Bombeiro Civil”, a ser realizado, anualmente, no dia 12 de janeiro. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

2. MÉRITO

Inicialmente, verifica-se estar adequada, em parte, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe a instituição do “Dia de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Bombeiro Civil”, a ser realizado, anualmente, no dia 12 de janeiro. Não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria aqui tratada, desde que não sejam previstos deveres ou mesmo “permissões” ao Executivo no que diz respeito à logística e à operacionalização.

A propósito do tema, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.751/2014 que inclui no calendário oficial de eventos do Município a "Corrida Ciclística". Norma guerreada que não versou simplesmente sobre a instituição de data comemorativa no calendário oficial do Município, mas, ao revés, instituiu evento esportivo com criação de obrigações ao Executivo e despesas ao erário, sem previsão orçamentária e indicação da fonte e custeio. Afronta aos arts. 5º, 47, II e XIV, 25 e 144 da Carta Bandeirante, aplicáveis ao município por força do princípio da simetria constitucional. Inconstitucionalidade reconhecida. [...] (TJ-SP, ADI: 21628784720148260000 SP 2162878-47.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Data de Julgamento: 11/03/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 16/03/2015).

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

O Projeto de Lei nº 050/2020 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que institui, no Município de Guaíba, o “Dia de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Bombeiro Civil”. A fixação de datas em âmbito municipal atende ao interesse local porque busca causar a reflexão social sobre setores, grupos, atividades ou problemáticas relevantes para a comunidade, incentivando o debate e novas políticas públicas.

Todavia, em relação ao art. 2º, fica evidente a sua natureza de “disposição autorizativa”, que é pacificamente considerada inconstitucional por, ainda assim, violar a iniciativa para a deflagração do processo legislativo e por não possuir conteúdo jurídico. Os projetos de lei meramente autorizativos são incorretos porque não estabelecem obrigação a ser cumprida por outrem (particular ou Poder Público), apenas criando faculdade nesse sentido.

Tal medida objetiva, sobretudo, contornar a limitação constitucional da iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88 e art. 60 da CE/RS) para evitar a configuração de inconstitucionalidade formal, o que, entretanto, não tem essa aptidão. Inclusive, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, é recorrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1, nos seguintes termos: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.” Na esfera da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão de Finanças e Tributação, também já há precedentes e recomendações no sentido de rejeitar projetos de lei meramente autorizativos, por ainda assim violarem a regra constitucional de reserva de iniciativa.

Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade de projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):

Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas. (...) Nesse quadro, somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito.

Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões.

Conforme Márcio Silva Fernandes, titular do cargo de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, no estudo “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”,

O projeto autorizativo nada acrescenta ao ordenamento jurídico, pois não possui caráter obrigatório para aquele a quem é dirigido. Apenas autoriza o Poder Executivo a fazer aquilo que já lhe compete fazer, mas não atribui dever ao Poder Executivo de usar a autorização, nem atribui direito ao Poder Legislativo de cobrar tal uso.

A lei, portanto, deve conter comando impositivo àquele a quem se dirige, o que não ocorre nos projetos autorizativos, nos quais o eventual descumprimento da autorização concedida não acarretará qualquer sanção ao Poder Executivo, que é o destinatário final desse tipo de norma jurídica.

Assim, o art. 2º do Projeto de Lei nº 050/2020 incorre em inconstitucionalidade formal por configurar antijurídica “norma autorizativa”, que é considerada um meio inválido e ilegítimo de legislar por não ter aptidão para constituir, com força de lei, direitos ou deveres. Nessa linha, assenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE HERVAL. LEI AUTORIZATIVA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal n° 1.101/2013, do Município de Herval, que dispõe sobre o transporte para locomoção de alunos de Herval para Arroio Grande/RS, por tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é do Chefe do Executivo. 2. A expressão "fica o Poder Executivo Municipal autorizado a viabilizar transporte...", em que pese a louvável intenção do legislador, não significa mera concessão de faculdade ao Prefeito para que assim proceda, possuindo evidente caráter impositivo. 3. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70055716161, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 28/10/2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 16/2007, DO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CRIAR A "ESCOLA DE ARTES DA TERCEIRA IDADE" NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO. INICIATIVA PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO RESTA AFASTADO EM RAZÃO DE CONTER A LEI, EM SEU ART. 1º, AUTORIZAÇÃO AO PODER EXECUTIVO PARA CRIAR A ESCOLA DE ARTES DA TERCEIRA IDADE, PORQUE, DE OUTRAS DISPOSIÇÕES, DECORRE AO PREFEITO MUNICIPAL O DEVER DE ADOTAR PROVIDÊNCIAS QUE O VINCULAM, POR FIM, AO PROCEDIMENTO PRÓPRIO DE CRIAÇÃO DA ENTIDADE, COM INAFASTÁVEL DESPESA PÚBLICA, À MARGEM DE SUA INICIATIVA. O FATO DE SER AUTORIZATIVA A NORMA NÃO MODIFICA O JUÍZO DE SUA INVALIDADE POR FALTA DE LEGÍTIMA INICIATIVA. AFRONTA AOS ARTIGOS 8º, 10, 60, II, "D", 61, I, 82, II E VII, 149 E 154, I, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL CARACTERIZADAS. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022888234, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 26/05/2008).

Para alcançar o objetivo pretendido pelo art. 2º do Projeto de Lei nº 050/2020, a proponente poderá utilizar o instrumento regimental da indicação (art. 114 do RI), remetendo ao Prefeito sugestões de medidas relacionadas à organização do “Dia de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Bombeiro Civil”, caso seja aprovada a proposta em Plenário.

3. Conclusão

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa do art. 2º, caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Sugere-se à autora a apresentação de substitutivo retirando apenas o art. 2º da proposta, considerando que os demais dispositivos são constitucionais, bem como que, futuramente, elabore indicação ao Poder Executivo recomendando a implementação das providências de organização do “Dia de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Bombeiro Civil”.

Recomenda-se, ainda, correção da ementa na etapa de redação final, colocando-se a palavra “Civil” após “Bombeiro”, considerando a redação do art. 1º.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 20 de agosto de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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