Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 046/2020
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 129/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece medidas e procedimentos para os casos de violência contra profissionais da educação ocorridos nas unidades educacionais da rede pública e particular do Município de Guaíba"

1. Relatório

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 046/2020 à Câmara Municipal, objetivando estabelecer medidas e procedimentos para os casos de violência contra profissionais da educação ocorridos nas unidades educacionais da rede pública e particular do Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir um conjunto de medidas e procedimentos para os casos de violência contra profissionais da educação, sob a responsabilidade dos gestores públicos e privados. No entanto, a matéria acaba por invadir de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito de medidas e procedimentos específicos a serem observados pelos gestores de cada instituição, uma política criadora de atribuições a órgãos públicos ligados à estrutura administrativa do Poder Executivo (Secretaria Municipal de Educação), o que cabe exclusivamente ao Prefeito definir, por meio de projeto de sua iniciativa privativa ou mesmo de atos administrativos ordinatórios.

O Projeto de Lei nº 046/2020, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da CE/RS):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer os procedimentos que devem ser observados pelos gestores públicos na prevenção e repressão aos atos de violência, por instituir novas atribuições aos agentes públicos ligados ao Poder Executivo e, mais especificamente, à Secretaria Municipal de Educação, tratando-se de matéria de competência privativa do Chefe do Executivo, na esfera de sua discricionariedade. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência pertinente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI MUNICIPAL. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. INSERÇÃO DE AULAS DE XADREZ NA GRADE CURRICULAR DA REDE DE ENSINO. VÍCIO FORMAL E MATERIAL. Lei n.º 3.036/2017 do Município de Novo Hamburgo, que institui como matéria curricular o ensino do jogo de xadrez nas escolas municipais de ensino fundamental, como suporte pedagógico para outras disciplinas. Lei de iniciativa do Poder Legislativo. Lei que padece de vício formal e material, na medida em que o Poder Legislativo Municipal invadiu a seara de competência do Poder Executivo Municipal, pois afronta dispositivos constitucionais que alcançam ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para editar leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuições de Secretarias e órgãos da Administração Pública. Presença de vícios de inconstitucionalidade de ordem formal e material, por afronta aos artigos 8º, 10, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e 154, incisos I e II, todos da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70074889619, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 12-03-2018)

O Projeto de Lei nº 046/2020 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no art. 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada, seja por meio de projeto de lei, seja por ato administrativo de natureza ordinatória.

3. Conclusão

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe – PL nº 046/2020, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se a remessa de indicação ao Prefeito para que, pela via política, implemente a medida, seja por meio de projeto de lei, seja por ato administrativo de natureza ordinatória.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 18 de agosto de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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